Dualidade Brasileira

Autor(a): Pedro Tibulo Carvalho


Volume 1 – Arco 4

Capítulo 48: Emboscada, parte 1: Começo do desespero

Levantei da cama, recuperado. Passou-se um dia desde meu despertar e já conseguia me mover, por mais que usar a conexão ainda fosse doloroso. Apertei fundo minhas mãos enquanto considerava o que devia fazer. É fato que tenho uma tarefa importante, mas também tenho uma outra dívida a pagar.

Ei, Shiki! — Aproximando-me, olhei fundo nos olhos enquanto lembrava do que aconteceu naquela batalha. — O que aconteceu com aquela Lâmia? A que estava disposta a me defender?

O albino olhou para mim, surpreso. Contudo, suspirou e voltou a arrumar as roupas. — Eles estavam capturando ela. Ainda está vivendo, se quer saber. Chryzazel está tentando impedir que a executem…

Sério? Que coisa, não achei que aquele homem fosse ser bonzinho a esse ponto.

Chryzazel é um dos únicos bruxos que se importam com honra naquela associação — falou Edwars, bebericando do chá que preparei. — Além de saber que sem você o diário morre, e isso acabaria caindo no colo dele de alguma forma. Por isso que decidiu proteger ela, ainda que não faça sentido algum.

Eu estou achando que é algo bom. Está mostrando que nem todo o bruxo não tem coração… Bem, alguém velho como ele está ficando mole, algo natural.

Assenti, olhando para a janela. Estará anoitecendo em algumas horas… Então olhei para Edwars, analisando os ferimentos dele e sorri. Tinha se recuperado por completo.

Quando perguntei para ele se não tinha que voltar para a delegacia, disse-me ter uma dívida a pagar e não falou mais nada do assunto.

Tudo estava indo bem, consegui redimir um Nor e tenho enfim um objetivo, mas não consigo me livrar da apreensão… Sinto que algo vai acontecer. Algo grande.

Talvez seja o estresse dos últimos tempos me afetando. Finalmente tenho um pouco de paz, talvez deva aproveitar isso, invés de procurar monstros em cada sombra.

Dito isso, decidi apenas sentar e relaxar. Não posso treinar, então talvez devesse apenas recuperar um pouco de minhas forças.

Uma batida na porta ressoou no apartamento, meu corpo tensionou, meus sentidos foram até o lado de fora e relaxei. Era só um policial…

Edwars abriu e encarou o membro da polícia secreta com um olhar curioso.

Capitão, precisamos que volte para a base o quanto antes, senhor. O primeiro tenente Razer pede sua presença — falou, nervoso. Seguido disso, olhou para mim e para Shiki, arqueando uma sobrancelha. — Ele também requer a presença do Portador de Davi.

Encarei-o e então virei-me para Edwars, esperando que ele tivesse a resposta. Após alguns segundos, seguiu o Policial, esperando que fizesse o mesmo. Sorri, finalmente tendo a chance de sair dessa caixa apertada.

Pela nossa segurança, devemos ir a pé… Espero que entenda. — Assenti, sabendo exatamente a razão. Como não saberia, tendo que cuidar dos ferimentos de Edwars.

Vendo que um carro de polícia explodiu, é lógico pensar que eles estarão infiltrados em qualquer ambiente, também acho que é mais fácil se defender se estivermos a pé.

Edwars consegue se teleportar, mas nós não conseguimos, e mesmo que ele possa nos teleportar junto, isso custa o dobro de energia, talvez até mais.

Não sei como a Energia Dual funciona, mas vi os efeitos de teleportar outra pessoa em Edwars. Esta foi a principal razão por demorar tanto para se recuperar. Estava totalmente esgotado.

Além disso, não sei se já se recuperou por completo. A aparência melhorou bastante, mas não consigo ver o interior dele e, sinceramente, não tenho coragem de sentir a energia dele de novo.

Não depois de quase ser esganado.

Eu estarei indo junto. — Shiki pegou o casaco e acendeu um cigarro. — Estou tendo que cuidar de vocês dois… principalmente de ti, Lewnard.

O que quer dizer? — Estreitei os olhos, sabendo bem o que ele queria dizer. Ainda que entendesse, era humilhante ter uma babá.

Zozolum não está confiando mais em você para se manter seguro… — falou, confirmando minhas suspeitas e soltando um pouco de fumaça. — E, sinceramente, eu também não. É a terceira vez em três meses que está voltando para casa desacordado. Isto sem estar contando a invasão naquela colmeia.

Suspirei, e meramente peguei o casaco negro que meu pai deixou para mim, guardando o diário num dos bolsos. Segui o policial enquanto sentia a energia ao redor. Nesse momento, usar minha conexão será extremamente prejudicial e preciso recuperar minhas forças.

Do jeito que estou, não consigo acessar nem metade da minha verdadeira força. Se formos atacados por uma força como aquela de antes, será o meu fim.

Caminhei junto deles nas ruas enquanto sentia os meus arredores, tendo certeza de anotar cada emoção dos moradores dos distritos. Conforme avançávamos, notei que vários deles tinham medo e receio de entrar no nosso caminho.

O motivo era claro. Mesmo aqui, num dos distritos inferiores mais calmos de Juvicent, o Ceifeiro era bem conhecido. Edwars é forte e ríspido, sem dúvida que a reputação dele é bem merecida.

O medo e respeito que muitos tinham por ele era tão claro que nós três percebemos, mesmo sem o sentido astral.

Caminhamos por mais alguns minutos, deixando os distritos inferiores para trás. Assim que entramos no décimo nono, fomos para a primeira delegacia visível e entramos no elevador. Edwars pressionou alguns botões e a sensação de torpor e tontura veio com tudo.

Seguido disso, cai para fora do elevador, mal conseguindo me equilibrar. — Eu esqueci o quão desagradável é esse método de viagem.

Por aqui, capitão. — Antes que seguisse, virou-se para mim enquanto chamava outro policial vestido de preto. — O recruta o guiará, portador de Davi.

Assenti e fui junto do mesmo, olhando para os lados enquanto pensava no que fazer em seguida. Eles disseram que minha presença era necessária, mas por quê? Perguntei isso para o recruta e tudo o que recebi foi silêncio.

Quando nos aproximamos de uma sala em especial, a porta foi aberta para mim e, ali, arregalei meus olhos quando reconheci quem estava algemado.

Este é um dos homens do Moedor. Disse que só falará se você estivesse junto. Acredito que o nome dele seja…

Zesh — disse, recebendo um olhar surpreso do policial. Caminhei até o Visliano e me sentei na frente dele, tentando entender como alguém que parecia tão bom como ele pararia aqui.

Já faz um tempo, Lewnard… — falou, sua voz calma e tranquila, ignorando por completo as algemas. — Não achei que o veria com vida, não depois de sairmos da colmeia.

Apertei fundo minhas mãos enquanto lembrava da última vez que o vi. Fora logo depois de me libertar daquelas amarras, naquela cela suja. Sinceramente, tinha esquecido de quem era, mas fico feliz por ele ter sobrevivido.

O que me deixa triste, contudo, são essas algemas, junto da forma descontraída que ele tratava toda a situação.

Certo, Visliano. Trouxemos o seu amiguinho aqui, agora comece a falar. — Um membro da polícia secreta, mais velho e cheio de cicatrizes, aproximou-se e olhou fundo nos olhos de Zesh.

Não… O que eu vou falar é para Lewnard e apenas Lewnard. Ou vocês saem daqui, ou eu não abro minha boca.

Senti a raiva do homem. Era algo pessoal, que mostrava a perda que teve recentemente… As emoções me guiaram para a memória dele, vendo o enterro do filho e da sua antiga esposa de longe, incapaz de ir até lá e ouvir as palavras do padre devido as juras que fizera para com a polícia.

Sacudi a cabeça, perplexo. Parece que minha habilidade está crescendo um pouco.

Deixem-nos — falei, tentando cessar a hostilidade que ambos tinham um pelo outro. O policial olhou para mim e bufou, saindo da sala junto dos outros. Olhei fundo nos olhos do Visliano, tentando controlar minhas emoções. — Certo… agora que tal me contar essa história do Moedor?

Zesh riu, retribuindo o olhar. — Não sei o porquê dessa raiva sua. Eu falei para você quando nos conhecemos, não é? Que vim para Juvicent seguir um messias. Lembra?

E esse é o seu messias? Um assassino?

Um santo. Ele mata os ricos e corruptos, impedindo que vocês, Anjulianos, tenham de enviar suas crianças para guerras das quais não sobreviverão. — Olhei surpreso para ele, tentando controlar meus sentimentos. — Não me diga que não sabe?

Sei o quê?

Soltou outra gargalhada. — Vários dos mortos eram políticos, cada um deles eram a favor de diminuir a idade obrigatória do serviço militar para quatorze anos… Tudo para ter certeza de mandar mais soldados em Vislo. Tudo para oprimir mais ainda o meu povo.

Olha, Zesh… mesmo que os motivos sejam nobres, nada justifica assassinato.

É, imaginei que diria isso — falou, seu rosto se tornando sério. — O Moedor falou que lançaria um argumento do gênero… só não quis acreditar. Me diz, Lewnard… você sabe qual a sensação de dormir e, no dia seguinte, acordar com o barulho de uma granada explodindo uma casa ao lado da sua? Ou como eu me senti quando vi minha mãe e irmãs sendo levadas para sabe-se lá onde? E que tal ver meu pai levando um tiro na cabeça porque cruzou com um soldado que estava num dia ruim?

Fiquei quieto, olhando fundo nos olhos dele enquanto notava a energia que emanava. Cada situação que ele disse, cada coisa que descreveu acompanhava uma memória dele quando criança.

Medo. É isso que eu senti diariamente em Vislo, cortesia das tropas do seu país — sussurrou, a raiva era evidente na voz. Engoli em seco, percebendo aonde isso nos levaria. — Eu odiei os Anjulianos por muito tempo… mas, sabe o que é mais engraçado? Depois de alguns anos, eu tive uma epifania: “Todos esses cenários podiam ser impedidos se eu tivesse poder.” E deixe-me te falar, o ódio que senti quando percebi isso foi algo que nunca esquecerei.

Senti uma pitada de alegria surgir no seu emocional. Ele então olhou para mim, com um sorriso maldoso. — Agora eu tenho todo o poder que podia desejar. Se eu mandar um de meus homens dançar pelado na neve, ele o fará. Se eu mandar um deles me dar sua esposa por uma noite, ele também o fará. Se eu mandar um deles estourar seus próprios miolos, ele também o fará.

Sério? Você não parece tão poderoso daqui. Quer dizer, com as algemas e tudo…

Esperei raiva, quem sabe irritação, surgir dele. Para minha confusão, tudo que percebi foi aquela mesma alegria, como se tivesse lhe contado uma piada hilária.

Como você é ingênuo. Você e os policiais dessa força tarefa. Eu acabei de falar que meus subordinados se matariam por mim e você aí, todo aliviado.

O que quer dizer? — Suei frio com o sorriso dele, esperando que respondesse. Contudo, apenas olhou o relógio de pulso que enquanto o sorriso se alargava mais e mais. — Desembucha.

Hora dos fogos de artifício.

Assim que aquelas palavras saíram da boca dele, inúmeras explosões chacoalharam o prédio, com fogo e destroços voando por todo o lado.

— Eu acho que, com essa explosão, em alguns minutos o prédio inteiro vai vir abaixo. — Levantou-se e, com força bruta, quebrou as algemas, as veias tingidas por um verde tóxico saltaram da pele dele. — Tempo mais que o suficiente para te capturar.

 


Bem, estamos chegando no clímax desse arco, assim como do volume 1. Espero que estejam gostando. 

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