Dualidade Brasileira

Autor(a): Pedro Tibulo Carvalho


Volume 1 – Arco 4

Capítulo 44: Empatismo

Quando cheguei em casa, a primeira coisa que fiz foi ir para a cama. Estava exausta e, pela primeira vez em minha vida, dormi um sono tranquilo e sem dor. Sem pesadelos.

Quando acordei, o sol do dia seguinte já raiava. Saltei da cama, cantarolando. Nunca me senti tão bem… era quase como se tivesse tirado um peso do meu corpo…

Fui ao banheiro, fazer minha higiene e acabei me olhando no espelho. Minha pele não tinha mais o tom branco e fraco, meu cabelo loiro agora era liso e saudável, macio ao toque. A mudança que mais me agradou, contudo, foram os olhos. Antes, continham um verde morto, como uma árvore no final do outono.

Agora eles mais pareciam refletir florestas de tão saudáveis e belos que eram. Sorri, alegre. Pela primeira vez não senti dor ou peso naquele ato.

Não esperava que a melhora fosse tão rápida…

Acho que vou falar com meu pai! Ele vai querer me ver. Certeza!

Decidida, troquei de roupa e fui até ele, um sorriso no rosto. Finalmente sou normal… finalmente posso fazer as coisas que achava não poder! Estou curada!

— Pai! — gritei, abrindo a porta do escritório e pulando nos braços dele. Seus braços eram fortes e havia surpresa no rosto, assim como felicidade. Mas… não era só isso. Olhando nos olhos dele, vi algo estranho, que desapareceu rápido. — Tudo bem?

— Claro, filhinha, tudo. Só estou cansado, só isso. — Estreitei os olhos com a mentira óbvia, mas não deixei isso abalar meu bom humor. Invés disso, olhei os documentos na mesa e sorri.

— Pai, estou curada! Posso começar a te ajudar com a gestão da cidade? — perguntei, vendo todo o trabalho que tinha. Lembro da primeira vez que quis ajudá-lo. Era uma criança que queria brincar, mas o pai estava muito ocupado, então pensei que, se trabalhássemos juntos, poderia fazer algo com ele depois.

Estava empolgada e cheia de energia.

— Sinto muito, querida. Esse trabalho é algo que tenho de fazer sozinho —respondeu, voltando a atenção aos vários documentos e começando a assiná-los. — Se quiser, tem outras coisas que pode fazer…

Senti um pouco de decepção naquilo, mas ouvi a lista de tarefas que tinha para mim, interessada. Ele queria que eu encontrasse com alguns nobres e me familiarizasse com o sistema…

Era algo simples e que já conseguia fazer…

— Eu já conheço todos esses nobres! Não tem nada mais interessante? — Minha indignação devia estar a mostra, mas não me importei. Não sou mais criança! Ele pode confiar em mim agora, não é? — Teve aquele vazamento de gás nos distritos inferiores! Não precisa de alguém que cuide da reconstrução?

— Isso já está sendo encaminhado…

— E que tal a questão da segurança pública? O Lew conhece umas pessoas da Polícia Secreta, né? Talvez eu possa…

— Foi decidido na última votação que não iriamos tocar nisso. — Ficou quieto, pensativo, e estreitou os olhos. Antes que eu pudesse sugerir outra coisa, cortou-me com rispidez. — Lew? Diz o Portador de Davi? Acho que deixei claro que não deve se aproximar dele.

— Sim, mas…

— Filhinha…

— Eu… ele é…

— Elizabeth…

— Ele me ajudou tanto e…

— Elizabeth! — O grito dele ressoou no cômodo inteiro. Aquela era a primeira vez que vi ele irritado comigo o suficiente para usar a voz de quando era um guerreiro… — O Portador de Davi não vai viver muito. Eles nunca vivem. Além disso, eu investiguei o passado dele. Não passa de um cachorro louco, alguém que pessoas como você não devem se envolver.

— Mas… mas…

— Não. Sem “mas”. — Ele então reclinou as costas na cadeira enquanto pensava no que dizer. — É minha única filha, Elizabeth. Acabou de ser salva… Meu coração não aguentaria ver você morrer, não agora. Se entendeu, saia. Preciso terminar esses documentos.

Senti os olhos queimarem, mas assenti. Irritada, sai dali e bati a porta, indo para o meu quarto. Aquelas palavras doeram muito. Entendo o que quis dizer, mas por que me tratar como criança? Todos me tratam assim…

Já estou farta disso. De ser tratada como um animalzinho indefeso.

Fui ao meu quarto enquanto pensava no que fazer. Não conseguia deixar de me sentir irritada com aquilo. Não conseguia parar de revisitar a memória do quarto e lembrar das tarefas que me dera.

Eram tão simples, tão bobas! Suspirei, cansada. Ele diz que não quer me perder mas me mantém longe, colocando-me num pedestal, presa numa gaiola. Ele não confia em mim?

Não, claro que não. Para ele, eu sou apenas uma menininha inocente. Fui até a mesinha de cabeceira e me sentei num banquinho. Vendo meu reflexo, notei que meu cabelo estava um pouco despenteado e meus olhos estavam vermelhos, úmidos.

Suspirei, abrindo a gaveta e pegando um pente. Comecei a ajeitá-lo, tomando cuidado. Era costumeiro que demorasse, visto que meus fios eram frágeis devido a maldição.

Após uns dez minutos, suspirei e coloquei o pente de volta na gaveta. Meus dedos então tocaram num objeto sólido e um pouco pontiagudo.

Estranho… o que…

Espera, eu ainda tenho essa tralha? Achei que tinha jogado esse amuleto fora… Em minhas mão, tinha o ossinho de galinha que me foi dado por Chryzazel. Por que eu ainda guardo isso?

É mesmo… ele falou em paixonite… Senti minhas bochechas queimarem e mordi meu lábio. Não, não tenho nenhuma paixonite! Não mesmo! Tenho coisas mais importantes para fazer do que ficar pensando nele…

Suspirei, olhando para a janela enquanto buscava algo para fazer. Senti-me um pássaro enjaulado, apenas vendo os dias passarem, sem motivos para viver, sem razões para continuar.

Queria vê-lo de novo…

Segurei o amuleto, tentando imaginar onde ele estaria. Já sei! É tão simples… só preciso falar com alguém que o conheça!

E sei de alguém que conhece ele bem, além de ter acesso a um telefone fácil de lembrar.

Alguém que entenderá o que estou passando… Afinal, Grace Hollick viveu por algo parecido, não é?

Decidida, fui até o telefone fixo no meu quarto enquanto lembrava do número de Zozolum, dado para mim para o caso de uma emergência.

Girei a roda do telefone enquanto pensava em como convencer ela.

— Alô? Quem fala? — Sorri, determinada.

Provarei que não sou só uma criancinha! Apenas espere, papai.

 

Suspirei, cansado. Permiti que minha energia se dispersasse depois de deixar todos os móveis no chão. Isso é difícil, mas precisa ser feito.

Apliquei força no meu braço direito, que me segurava, e, com uma cambalhota, voltei a ficar de pé. Preciso de mais poder, isso é mais do que óbvio, mas não consigo sentir uma melhora tão grande na minha conexão, mesmo com esses exercícios.

Meu controle melhorou bastante. Agora consigo levantar móveis grandes sem esmagá-los com a pressão, contudo não houve melhora alguma na força da minha conexão.

Lembrei então dos dois meses que passei naquela dimensão de bolso de Zozolum, dos ensinamentos dele.

A força da conexão aumenta quando levamos ela até o limite. Como um músculo, precisamos esticá-lo até o ponto de rompimento e então parar.

Contudo, como fazer isso? A única coisa que consegue me deixar cansado atualmente é disparar um Canhão Astral mas, desde a viagem para a Montanha Nevoenta, passei por tantos perigos, lutei pela minha vida na colmeia…

Como levar minha conexão ao limite se, caso o faça, posso destruir Juvicent inteira? Além disso, não posso o deixar só.

Edwars ainda estava expulsando o veneno do corpo, estava melhorando mas num ritmo lento. Lento demais.

Ainda não consigo usar o Diário para curar venenos. Consigo curar ossos quebrados e costurar buracos de bala, mas é extremamente difícil lidar com algo tão sútil assim.

Meu controle aumentou muito, mas ainda não conseguia levantar uma xícara sem quebrá-la com a pressão. Não sem segurar mais um monte de coisas junto.

Preciso dividir minha energia entre vários alvos, mesmo os grandes. Se focar toda atenção num único ponto… Senti um calafrio enquanto imaginava os efeitos num corpo humano.

Mesmo com a fisionomia de um híbrido, o coração de Edwars seria esmagado antes que pudesse fazer uma mudança expressiva. Então, só me restava esperar e treinar.

Levantando meu indicador, relaxei a carne e juntei a Energia Astral ali, formando uma pequena esfera. Conseguia usar telecinesia sem precisar relaxar meu corpo, visto que eu focava minha atenção em vários alvos, invés de apenas um ponto.

Era diferente do Canhão e da Bala Astral. Essas duas técnicas precisavam que eu focasse uma quantidade de poder alta num único ponto do meu corpo, por isso que quanto mais relaxado estivesse mais energia podia trazer e manipular.

Para usar a Telecinesia, só relaxar os nervos já era mais que o suficiente. Caso relaxasse mais do que isso, posso perder o controle facilmente.

Dispersei a energia enquanto contemplava a minha situação. Não posso perder o controle. Se o fizer, só atrairei atenção desnecessária. Mesmo que não haja tantos sensores vivos, o excesso de Energia Astral deixa uma radiação forte no ar.

O cheiro atrairia os Nors ao redor, disso não tenho dúvidas.

Merda… isso está me dando nos nervos… como posso ficar mais forte se não posso treinar? Por quanto tempo ainda terei de treinar o controle? Esse treino é inútil contra oponentes como eles…

A rainha da colmeia.

Chryzazel, o rei da Adivinhação.

Zozolum, o imperador das sombras…

Eles são as principais barreiras que devo ultrapassar pelo meu sonho. Todos tem um poder muito além do meu. Não consigo nem ao menos esconder meus pensamentos deles…

Olhei para Edwars enquanto lembrava de como ele e Kruger conseguiam saber exatamente o que eu pensava. Como vocês conseguiam isso? Será que posso replicar de alguma forma?

Será que, um dia, serei tão forte quanto eles? Ou vou morrer antes de conseguir?

Ouvi um latido do lado de fora e fui até a janela, esgueirando-me. Um cachorro latindo normalmente significava um estranho na vizinhança…

Olhando, suspirei aliviado. Era só uma briga de cão e gato…

Espera…

Uma memória veio a minha mente, uma que não me pertencia. Aquele que sofreu com olhos cheios de julgamento, criando uma carapaça que segurava sua raiva interior…

Eu já experimentei isso antes. Não era exatamente ler as memórias, mas consegui ver memórias através das emoções que elas carregavam.

Um processo que um sensor experimenta após ficar por muito tempo sem sentir Energia Astral… mas como era chamado? Empatismo? Foi isso que Zozolum falou, não?

Fechei meus olhos, focando meus sentidos num único ponto enquanto pensava em como recriar aquela sensação. Era um estado onde tudo ao meu redor podia ser lido… mas e se eu focasse em apenas um ponto?

Tudo ficou escuro conforme tensionava meus músculos, impedindo que minha energia fluísse. Seguido disso, liberei um pouco ela, direcionando-a para Edwars. Foque não no que quer que o objeto faça, mas sim no que está sentindo.

Procure…

De repente vi uma mulher. Era bela, de cabelo branco e olhos azuis. Senti um imenso amor por ela, sabendo que ela me manteria seguro do resto da minha família.

Estávamos fugindo do papai… estava com medo. Muito medo.

Seguimos correndo até encontrarmos uma embarcação. Nela estava o futuro rei de Juvicent, ainda em sua adolescência, comandando um grupo de exploradores.

Minha casa estava sendo invadida, mamãe viu eles como a nossa salvação… Não, ela não era minha mãe, mas certamente a via como tal.

Nos escondemos no barco, esperando. Demorou dias, semanas até. Sobrevivi com o sangue dos ratos, enquanto ela definhava mais e mais.

Não havia comida para ela, sabia disso. Morreria desse jeito.

Não queria isso… Ela prometeu que fugiríamos juntos…

O sangue dos animaizinhos não me saciava direito e o pescoço dela ficava cada vez mais belo aos meus olhos…

— Jovem mestre… mate-me.

Senti-me puxado de volta para o meu corpo, uma mão segurava meu pescoço, esganando-me.

— O que você viu? — A voz de Edwars era fraca e lagrimas ameaçavam escapar dos olhos dele. A mesma coisa nos meus… — Fala!

— Desculpe… Eu não queria…

Ele rosnou e me atirou para longe.

— Depois que eu me recuperar, eu espero nunca mais te ver, seu merdinha.

Toquei no vermelhão, tentando desesperadamente recuperar o ar.

Que merda foi essa…


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