Dualidade Brasileira

Autor(a): Pedro Tibulo Carvalho


Volume 1 – Arco 4

Capítulo 42: Confronto à luz do dia, parte 2

Suspirei, aliviado, após enfim terminar a operação no corpo de Elizabeth. Ela estava cansada, tremendo de dor.

— Tudo bem? — perguntei, olhando para ela. Talvez o mais difícil da operação inteira era que a paciente teve de ficar acordada e focar na área do selo. Considerando que precisei abrir a barriga, sem dúvida deve ter sido uma dor enorme.

— Sim… só estou com frio… — disse, tentando sorrir. Estreitei os olhos ao ouvir sua voz. Estava irritado. Ela parecia tão fraca, tão quieta. Aquela imagem não caia bem nela. — É estranho… é quase como se um pedaço meu… não estivesse mais aí. — Segurei a mão dela antes que pudesse ir até a área costurada.

— Não mexa aí! Eu ainda não terminei de te tratar e, sinceramente, não quero lidar com uma infecção. — Coloquei então a mão sob a barriga e comecei a aplicar minha energia ali, curando-a da forma mais gentil que podia. Para minha surpresa, fazer isso diretamente era mais fácil, quase como se minha conexão e controle aumentasse. Ainda que, devido aos resquícios daquele selo que tentavam me atrapalhar, tenha sido difícil.

Suspirei, cansado demais para pensar nisso. Em minha mão esquerda se encontrava o Diário de Davi, ajudando-me a conduzir o procedimento da melhor forma possível.

Enquanto fazia, lembrei dos dias anteriores que passei no Jardim. Era estranho voltar a civilização depois daquele tempo todo. A cidade parecia mais barulhenta do que de costume, e o cheiro e sons diferentes me irritavam.

— Ei, Elizabeth… — Ela me olhou, cansada, e imediatamente me fez esquecer o que ia dizer. Olhei para o lado, envergonhado. Como eu achei que a levar para tomar um chá agora seria uma boa ideia?

Acho que acabei pegando umas manias do velho.

Minha mente então relembrou dele e de sua filha. Eles pareciam contentes, felizes até, e me fez eu me perguntar se uma trégua poderia ser firmada no futuro.

Não… não uma mera trégua. Se vou fazer isso, tenho que fazer durar. Tanto pelas próximas gerações quanto para justificar minha existência.

Se eu conseguir marcar meu nome como alguém que trouxe a paz, talvez haja algum sentido em tudo o que vivi. Vou ter certeza de criar um mundo onde não haja mais guerra.

Eu realmente quero ver este mundo, mas… será que eu sou bom o suficiente? Lembro da luta contra Lumis e, mais recentemente, a do Moedor. Eu fui completamente derrotado em ambas! E tenho certeza que estes seriam adversários poderosos, que iriam diretamente contra meu ideal.

Lumis odeia os humanos e o Moedor mata e tortura pessoas comuns.

Será que… eu terei de matar para obter essa paz? Mas será que uma paz alcançada com sangue e violência duraria?

— Irmão? Tá tudo bem? — Grace se aproximou de mim e, imediatamente, relaxei meus ombros.

— Sim, tudo ótimo.

Não faz sentido preocupar os outros com isso… Não ainda.

Após mais alguns segundos, a luz diminuiu e os ferimentos de Elizabeth sumiram. Ainda tinha uma cicatriz ali que meus poderes ainda não podiam curar, mas era o melhor que podia fazer no momento.

Olhei para Zozolum, que estava parado no canto, olhando para mim e esperando que fizesse a pergunta que estava na ponta da língua.

— Pode me dizer por que manipular os ferimentos direto da fonte parecia mais fácil? Mesmo com a interferência do selo, ainda era mais complicado cuidar dos soldados do que de Elizabeth.

— Simples. Sangue, conduz a energia, aumentando a conexão — respondeu, alisando o queixo. — Como, fazendo isso direto, fonte, a conexão, mais direta. A alma, manifesta mais no sangue.

— E a alma é de onde nossa conexão vem… certo, entendi.

Com um suspiro, levantei e pus a minha jaqueta. Estava na hora de ir e deixar Grace no orfanato.

— Falando, Grace não, voltar, orfanato.

Olhei para Zozolum, surpreso. O mesmo gesticulou e as sombras abriram, permitindo que visse um papel. Arqueei uma sobrancelha e peguei o contrato, minha raiva cresceu conforme lia.

— O que quer dizer com isso?

— Que não, capaz, proteger, irmã — respondeu, pegando de volta a papelada de adoção. Só pode ser uma piada! Quem ele pensa que é? — Ela, um destino importante, pergunte, Chryzazel, vai concordar.

— Infelizmente, esse velhaco está certo, sabe? Vi um futuro terrível…

— Que futuro? — Minha ira transpareceu em minha voz. As expressões dos dois imperadores pareceram dizer tudo. Para dois monstros como eles ficarem preocupados… — Responda!

Pus-me entre Grace e os dois, permitindo que minha Energia permeasse o quarto. Ambos estreitaram os olhos.

— Um futuro onde não há mais humanidade, sim? Um em que nós perdemos, sabe?

Como é? Um em que nós perdemos? Eu sei que a guerra não está indo bem, mas… Engoli em seco, lembrando dos monstros que haviam naquela colônia. Não sou tolo o suficiente para não perceber que deve haver outros Nors tão poderosos quanto Lumis lá fora.

Além disso, também tinha a rainha Nor para considerar. Aquela coisa era poderosa demais, ao ponto de não conseguir me imaginar forte o suficiente para derrubá-la.

— Percebeu, não? A força média de um Nor está crescendo e não temos mais como usar os velhos parâmetros para todos eles, sabe? Vários Decadários com a força de Centenários estão aparecendo, e a taxa de natalidade de híbridos cresceu, sim? Não preciso te explicar o que isso significa, não?

Apertei firme minhas mãos enquanto processava a informação que me deram, minha energia acalmou-se.

— Mas por quê?

— Porque, dentro de um ano, talvez menos, talvez mais, nascerá o Rei dos Nors, entendeu?

O que? Rei dos Nors? Esta é a primeira vez que estou ouvindo sobre isso! O que isso quer dizer? Existe algo assim?

— Veja, o Rei dos Nors, alguém que está profetizado, acabar com, raça humana. Trará, apocalipse — disse Zozolum, seus olhos vermelhos estavam desfocados, lembrando de alguma coisa que não tinha ideia do que poderia ser. — Não, deixar, aconteça, despertar. Caso ocorra…

Senti a força das minhas pernas me deixar conforme entendia o que eles queriam dizer. Um monstro como nenhum outro antes dele, mais forte que qualquer Nor. No entanto, algo não saia de minha mente.

— O que isso tem haver com Grace?

— Simples… — Chryzazel pareceu remoer como falaria aquilo para mim de uma forma que fizesse sentido. — A profecia fala de um campeão humano, alguém que conseguiu resistir ao veneno e carrega consigo a essência de um Nor e de um Humano, sabe? Consegue pensar em alguém que carrega essa descrição?

Olhei para minha irmã, notando como os ombros tremiam. Ela entendeu imediatamente o que seria pedido dela, o que ela deveria fazer…

Não, não vou deixar. Eu assumi o compromisso de um Portador para mantê-la afastada disso tudo, para cumprir minha promessa e deixá-la segura! Deixar que isso ocorra é…

— Sei, não gosta, mas, necessário — disse, parecendo genuinamente chateado. Não brinca comigo… se estivesse arrependido, usaria sua influência para achar uma forma de impedir isso. De ajudá-la quando a mesma foi infectada pelo vírus.

Não seja hipócrita.

Minha energia começou a circular meu corpo, minha raiva me cegava, mandava que atacasse aqueles dois. Contudo, antes que pudesse tomar uma decisão precipitada, ouvi a voz de um certo alguém.

— É assim que planeja lutar pela paz? — Era fraca, quase inexistente, mas continha todo o escárnio e desprezo que estava acostumado. — E ainda chama os outros de hipócritas.

Aquelas palavras foram como um balde de água fria e me fizeram olhar para os lados, minha energia estava de novo sob meu controle.

Mas não havia nenhum traço do Espectro, em nenhum lugar.

— Prometa… — Após alguns segundos, suspirei e olhei fundo nos olhos de Zozolum. — Jure pela sua vida que nenhum mal cairá sob ela.

O imperador das sombras pareceu surpreso com minha calma, mas jurou sem nenhum problema. Assenti e então olhei para minha irmã e me despedi dela.

Ao menos por agora.

Nisso, saí do apartamento enquanto decidia o que fazer agora. Todos meus objetivos imediatos foram alcançados, então acho que devo me tornar mais forte. Não apenas pelo meu objetivo de longo prazo, mas também pelo que virá…

Senti, uma vez mais, o Aslaru pesar no bolso.

É, vai ter que ser isso.

Quando olhei para frente, vi um monte de fumaça e então sons de disparos. Minha expressão fechou imediatamente.

 

Sério, por que esses trastes não desistem?

Desviei de mais balas enquanto pensava em como resolver esta situação. Eles podiam ser considerados terroristas, então não precisava me segurar tanto, mas nada era tão simples assim.

Desviei de outro soco e então bloqueei um chute que me mandou de volta para o chão. Consegui cair de pé, mas minhas pernas agora estavam detonadas.

O único problema aqui era o Grim que encontrei na colônia. Mesmo que a luz do sol brilhasse aqui fora ele ainda tinha todo esse poder…

Senti minhas costas serem perfuradas por mais dois tiros e tive de desviar de mais um soco, que rachou o chão. Usei minha lâmina para tentar cortar as costas dele, mas tudo que consegui foi atingir ar. Levantei rápido e voltei a postura de Battoujutsu. Enquanto isso, usava de minha habilidade para me manter em movimento, esquivando das balas.

Eles estão me mantendo ocupado enquanto o Grim me impede de fugir e tenta de todas as formas me derrubar…

Felizmente, o sol conseguiu enfraquecer ele um pouco, mas como usar isso a meu favor? Estreitei os olhos e desviei de mais um soco, dessa vez me afastando. A fraqueza do Battoujutsu é, justamente, o arco largo que a espada desenha. Se eu errar o golpe, fico vulnerável.

E, contra um inimigo como esse, errar é bem fácil.

Cuspi mais um pouco de sangue. Ótimo, uma bala errou meu coração por pouco… Não tenho tempo nem de pensar!

Preciso montar uma armadilha. Algo que me garanta a vitória. Desviei de mais alguns golpes e teleportei para o ar, tendo certeza de olhar para o Grim abaixo. Seguido disso, teleportei de novo para o lado dele e tentei um corte, esperando que desviasse… contudo, para minha surpresa, meramente segurou minha mão e então deu um forte soco no meu rosto.

O ataque me lançou contra a parede de um prédio e me deixou atordoado por alguns segundos. Tempo o suficiente para apontarem as armas contra mim.

Ótimo… justamente o que eu precisava.

Quando estavam para disparar, uma enorme quantidade de Energia Astral os lançou para longe. Seguido disso, Lewnard Hollick pegou-me pelo cangote e olhou fundo nos meus olhos.

— Tira a gente daqui. Agora!

— Como desejar… — falei, permitindo que minha Energia Dual envolvesse ambos e, seguido disso, nos mandasse para o topo de um prédio próximo. Após isso, foi só uma questão de repetir até estarmos numa distância segura.

 


Bem, aqui estamos, no final de mais um capítulo. Como sempre, entrem nos links dos servers:

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