Dualidade Brasileira

Autor(a): Pedro Tibulo Carvalho


Volume 1 – Arco 3

Capítulo 39: Paciência

Quando voltei, fui direto para a caverna e me coloquei a trabalhar na receita que planejei.

Foram algumas tentativas até acertar no resultado, criando o que eu considerei a minha melhor tentativa até então. Com um suspiro cansado, caminhei em direção ao Xamã.

A névoa que cobria o entorno na primeira vez que vim aqui não estava mais lá, permitindo-me ver a imensidão de plantas e animais. A quantidade incontável de vida que havia ali.

Sorri ao avistar uma família de coelhos. Pareciam tão calmos, tão serenos.

Seguido disso, vi uma cobra se aproximar do filhote, mas antes que pudesse dar o bote, um falcão a tomou nas garras.

Incrível…

Quanto tempo faz desde que não me sinto assim? Tão calmo? Com a ausência total de pressão exterior? Permiti que minha Energia circulasse os arredores e notei uma mudança.

Antes, os animais tratavam-na com indiferença ou medo. Agora, no entanto, eles estavam curiosos, interessados no que faria.

Quando cheguei na frente da clareira onde senti o Xamã, inspirei fundo e busquei algo no meu interior, notando enfim o quão tranquilo estava.

Quando entrei, vi-o olhando com uma expressão diferente de todas as outras até então, era tensa. Ele me estudou por alguns segundos, e sorriu, relaxando.

Estava pensativo.

— Então, veio enfim me mostrar o resultado do seu trabalho? — questionou, sentando-se na mesa e esperando que viesse. Caminhei até ali e coloquei o conteúdo da garrafa térmica no bule, servindo enfim numa xícara.

O velho levou-a até a boca e bebericou, todo o processo foi feito lentamente.

Estranho… esperava estar mais nervoso, mas tudo o que senti foi confiança e calma, ainda que não soubesse o resultado.

— Muito bom — disse, enfim, dando um sorriso para mim. — Bem, hora de cumprir minha parte do trato.

Como é? Eu… eu consegui? Senti um sorriso de orelha a orelha se espalhar, mas logo foi desmanchado. Olhei confuso para o Xamã, que me ofereceu a garrafa térmica.

— Sabe… — Começou a elaborar, com um sorriso alegre. — A Íris do Defunto representa sabedoria através da morte, ela tem, no entanto, alguns usos medicinais. Dentre eles, purificar qualquer impureza no corpo humano.

Espera…

— Esse tempo todo você estava me fazendo criar uma cura?

— Sim — respondeu, bebericando mais um pouco do chá. — Contudo, não foi só isso. Diga-me, o que aprendeu aqui?

O que aprendi?

Essa era uma pergunta difícil… O que eu aprendi aqui? Tem tanta coisa… Aprendi a perdoar e não julgar. Aprendi também sobre o que eu quero fazer da minha vida, mas, talvez o mais importante seja paciência.

Isso foi o que ele quis mais que eu aprendesse.

— Aprendi que a vida tem que ser vivida — falei, enfim. Aquela era a principal lição, uma que veio apenas quando eu entendi sobre paciência… — Era isso, não é?

— É, é isso mesmo! — O velho sorriu, mostrando todos os dentes. — Lembre-se, Lewnard. Há tempo para tudo. Tempo para lutar, tempo para correr, assim como tempo para sentar e aproveitar uma xícara de chá.

Sentei-me ao lado dele, o que o fez me olhar surpreso. Sem quaisquer remorso, servi-me de um pouco de chá.

— Ainda tenho uma ou duas Iris do Defunto… Além disso, seria um desperdício aprender tanto e não aproveitar uma recompensa.

O velho riu e então alisou a barba.

— Venha me visitar outra hora, garoto! Mal posso esperar para ouvir o que vai aprontar lá fora.

 

Quando voltei para a cidade de Juvicent, primeiro passei pelos distritos mais pobres e vi a destruição causada pela minha luta contra os Nors. Não pude deixar de me surpreender com a energia bruta que ainda estava ali, presente no ar.

Acho que essa é a consequência de disparar um Canhão Astral…

Estava indo para o sétimo distrito, pois precisava pegar o Elevador para onde Grace estava. Ao menos era o plano.

Bem que o desgraçado do Kruger podia ter me dado umas instruções. Entrei numa rua isolada para poder continuar a caminhada quando me deparei com um sujeito.

Estranho, normalmente eu sentiria a Energia dele… Estreitei os olhos, percebendo enfim que não emanava nenhum rastro de Energia Astral. O que é isso? Normalmente, todos tem alguma energia que posso sentir… então por que este é diferente?

— Olá, Portador de Davi — disse, a voz distorcida era abafada devido a máscara de ferro que usava. Portava roupas militares, escondidas por um manto sujo e escuro, com um capuz completando o visual.

— Te conheço?

— Nunca nos falamos, mas qualquer um que ligue as notícias sabe quem eu sou. — Curioso, estava para perguntar o que ele queria dizer quando lembrei de algo… uma notícia que vi, ainda quando trabalhava no bar do Fives.

Estreitei os olhos, permitindo que minha Energia saísse lentamente. Tensionei meus músculos enquanto pensava no porquê do Moedor vir me encontrar.

Antes que pudesse sequer completar uma linha de pensamento, pulei para trás por instinto, um rastro de sangue originou-se da minha bochecha.

Rápido…

— Considere isso como um ‘Oi’ — falou, atirando facas na minha direção. Projetei minha Energia para frente, parando os projéteis e olhando de volta para frente. Sumiu? — Lento demais.

Arregalei os olhos e coloquei o braço no lado esquerdo do rosto, defendendo-me de um chute. A força por trás dele me mandou direto contra uma cerca de metal, que dobrou com o impacto.

Levantei com dificuldade, sentindo uma dor imensa no meu braço. Ótimo, está quebrado… Avancei contra o Moedor, pronto para dar um soco, mas antes que pudesse dar dois passos, ele já estava na minha frente.

Senti um golpe no peito, pescoço e queixo, seguido por um chute no lado direito.

Aquele golpe… foi só um ataque, mas acertou três pontos? Como? Tentei parecer forte mas meu equilíbrio está quase inexistente. Ótimo… mal me aguento de pé.

O som de facas cortando o ar soou e pulei para trás, evitando que acertassem em pontos vitais. Contudo, minhas pernas agora tinham duas facas presas em cada…

— O que é você? — perguntei, caindo de joelhos. O assassino foi até mim, olhando-me de cima.

— Sua hora ainda não chegou, mas considere isso um aviso — disse, pegando meu queixo e me forçando a olhar nos olhos dele. — Posso te matar quando eu quiser, onde eu quiser. Só preciso de um motivo, e você morre. Então, Portador de Davi, não se meta nos meus negócios de novo.

Com uma enorme força, bateu minha cabeça no chão, a dor desapareceu conforme minha consciência se esvaia. Olhei para frente, os pés dele estavam cobertos de sangue… Isso é meu? Meu crânio… tá aberto?

Naquele momento, perdi a consciência.

 

Quando dei por mim, olhava para um teto branco, minha mente embaralhada. As memórias voltaram já tem algum tempo, conseguia lembrar bem o motivo de estar aqui, de quem me pôs numa cama de hospital…

Mas então por que a princesa estava no meu quarto?

— Por que está aqui?

— Porque estava preocupada… — falou, com um suspiro pesaroso enquanto descascava uma maçã. Olhei para o lado e senti uma dor aguda. — Não se mexa tanto.

Deu-me a maçã, já cortada, e colocou-a na minha boca. Senti uma pitada de vergonha com isso.

Pareço uma criança mimada.

— Tenho que me desculpar contigo… — disse, após engolir um terceiro pedaço. Não podia olhar para ela, mas conseguia sentir a energia dentro dela, o Selo hereditário ainda estava lá. — Eu não consegui cumprir minha promessa ainda.

Vi um sorriso surgir em seu rosto e estranhei. Com cuidado e calma, afofou meu travesseiro.

— Não se preocupe com isso. Você me deu sua palavra, lembra? — Acenei, lentamente. — Então, eu sei que fará o possível e impossível para cumpri-la, afinal, esse é quem você é.

Aquilo parou minha mente. Ela falava como se me conhecesse, mas eu não lembro de falar com ela antes da visita que fizeram ao escritório de Zozolum. É estranho, mas ela parece me entender melhor que minha própria irmã.

Olhei bem no rosto dela, procurando alguma coisa familiar, mas nada me vinha a mente. Suspirei, pesarosamente e sorri.

— Obrigado… — sussurrei, voltando minha atenção para o teto. Senti o olhar dela, esperando que elaborasse. — Essas eram as palavras que queria, que precisava ouvir.

Um silêncio agradável se instalou ali enquanto eu lembrava lentamente da ambição que adquiri. Ela é algo nobre, sei que é, mas a verdade pura e simples é que haverá vários no caminho dela.

É bem possível que eu morra tentando fazer isso, mas… mas eu sei que é uma causa pela qual eu morreria.

Este é o caminho que decidi seguir. Uma busca pela cura para este mundo ferido e doente, uma busca pela paz.

Mas, antes disso, tem duas coisas que preciso fazer. Fechei os olhos enquanto pensava na minha irmã, espero que ela esteja bem…

— É mesmo… Feliz aniversário, Lewnard.

Assim, caí num sono tranquilo.


Bem, isso fecha o arco 3. Sim, eu sei, o arco foi meio quieto em comparação ao arco passado, mas quis que fosse bem mais introspectivo do que antes. Dito isso, faremos a lendária pausa de 2 semanas até postar o próximo arco (que terá sim muita ação, então calma).

Como sempre, peço que deem uma olhada no meu server pessoal e no da NB:

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