Dualidade Brasileira

Autor(a): Pedro Tibulo Carvalho


Volume 1 – Arco 3

Capítulo 38: Metamorfose

Cortei mais uma folha enquanto assoviava. Peguei um dos limões e descasquei-o, e então esmaguei e extrai o suco. Misturando tudo, provei um dos melhore chás que podia…

Ainda não. Ainda não estava lá.

Senti uma presença na porta e não precisei virar para saber que Luna estava me olhando com curiosidade. Voltei a preparar um chá enquanto usava da telecinesia para servir minha convidada.

— O cheiro está bom — disse, indo até a mesa e pegando da xícara. Bebeu e suspirou, olhando para mim com surpresa. — Está ótimo! Tenho certeza que meu pai vai aceitar este.

— Não, ainda não é o suficiente — respondi, banhando uma das folhas com mel e então preparando as cinzas de uma outra espécie venenosa. — Ainda não está no mesmo nível dele. Preciso melhorar.

Virei-me e peguei duas cumbucas. Servi-as de ensopado e pus-me a comer. — Não quer?

— Não, obrigada. Sei bem o gosto dessa sua gororoba. Não entendo como você consegue fazer um chá tão bom mas consegue errar no tempero da carne. Além disso… — Ela olhou tristemente para o prato e senti-me culpado. — Não posso comer mais do que uma vez por semana.

A fisionomia dos Nors era realmente diferente. Eles podiam ficar desde dias até anos sem comer, dependendo da espécie. Os Licantropos podiam ficar com apenas uma refeição a cada cinco dias, com alguns, como era o caso de Luna, fazendo jejum de sete dias.

Além disso, não é como se eles gostassem de carne cozida.

Segundo Luna, o cheiro era semelhante a esterco e o gosto pior ainda.

Suspirei com o silêncio que se instalou. Levantei após terminar de comer e voltei a trabalhar no chá, enquanto sentia uma mudança na energia de Luna. Ela parecia interessada em algo…

Curioso, desde quando meus sentidos ficaram tão aguçados?

— Você mudou desde que chegou aqui.

— Mudei, é? — Curioso, não acho que mudei tanto assim. Usei a Telecinesia para esmagar mais uma folha e extrair o suco. — Não vejo como. Pra mim, ainda sou o mesmo de antes.

— Diz isso, mas a primeira coisa que fez quando nos conhecemos foi me atacar. — Senti uma pontada de arrependimento com aquilo. Não estava num momento bom e, sinceramente, gostaria de mudar isso, mas o tempo não volta.

Parei com o trabalho e suspirei.

O tempo não volta, não importa o quanto eu tente. Não existem segundas chances nesse mundo, então tenho que me apressar e fazer o melhor chá de uma vez.

Suspirei, usando do aroma para me aquietar. Calma. Também não é assim, não posso apressar este trabalho, se o fizer não vou conseguir fazer algo decente.

— Sim, você mudou. — Voltou a tomar do chá, dando tempo a um silêncio agradável. — E, se me perguntar, seu chá prova isso. Meu pai certa vez disse que a sabedoria de um homem pode ser medida no quão bem ele serve os outros.

— Então estou mais sábio? É isso que está dizendo?

— Sim, mas não fique se achando por isso. Sabedoria e arrogância andam em direções opostas. — Riu levemente e eu não pude deixar de fazer o mesmo. Faz muito tempo desde que não me sentia tão leve.

Bem, ao menos não estou numa prisão aqui. Posso explorar a área em busca de mais ingredientes a hora que quiser.

Eu consigo, só preciso de mais um pouco de tempo. Lembro de ter visto uma planta interessante num dos livros de botânica… Ela pode muito bem ser o que eu procuro, mas é muito difícil de achá-la agora.

Para começar, ela desabrocha apenas num solo gélido e pedregoso. Além disso, também precisa haver um clima de neve para sobreviver.

A “Íris da Viúva”.

O problema é que eu nem sei se ainda estamos na Montanha Nevoenta, além do clima aqui ser o oposto de lá.

Suspirei pesarosamente. Só uma forma de descobrir, eu acho.

 

Quando me encontrei com o Xamã, ele parecia surpreso. Olhando fundo nos meus olhos, assentiu, satisfeito com o que viu, seja lá o que era.

— Que coisa… Há quanto tempo já não aparece aqui? E veio sem a garrafa térmica. Veio aqui para papear?

— Tipo isso — respondi, sorrindo. — Me diz, ainda estamos na Montanha Nevoenta?

Ficou alguns segundos quieto, processando o que acabei de falar. Com um sorriso gentil, levou a mão até o regador e voltou a dar água para as plantas.

— Aqui é uma Dimensão de Bolso. O lugar em que ela está é entre o Plano Material e o Astral. Mas, se for sair daqui, sim, você acabaria na Montanha Nevoenta. Posso saber o porquê dessa pergunta?

— Então, tem um ingrediente em algum lugar da montanha. Queria ir lá pegar, ver se consigo fazer um chá agradável.

Pareceu pensar por alguns segundos, olhando para as plantas que regava. Quando parou, voltou sua atenção para as árvores.

— A Íris da Viúva? Acha que ela é o ingrediente que procura? — Arqueei uma sobrancelha, incrédulo. Bem, ou ele leu minha mente, ou ele sabe mais de botânica do que eu pensei. — Entendo, bem, é livre para ir e vir.

— Agradeço.

Nisso, o Xamã me deu instruções de como voltar para fora. Quando terminou, demorou apenas alguns minutos até achar a saída e comecei minha jornada até o pico da montanha, área onde a Íris da Viúva devia estar.

Conforme caminhava, mantinha meus sentidos em alerta, percebendo cada detalhe na mata, esperando que algo aparecesse. Cada passo aumentava meu nervosismo e demorou apenas um pouco para ter de me esconder.

Haviam Nors mais a frente.

— Onde exatamente é que aquele desgraçado está?

— Humanos não são confiáveis! Por que a rainha confiou em um deles?

— Quem sabe. Só precisamos seguir as ordens.

Senti outra energia, uma familiar.

— Provavelmente seria melhor controlar a língua de vocês. — Tratava-se da criança humana que vi dentro da Colmeia. Então ainda estava vivo?

Bem, isso é um problema.

— Certo, certo. Aqui o carregamento que o Moedor queria — disse, a voz era arrogante e raivosa. — Melhor agradecer. Nossa rainha precisou trabalhar muito para produzir esse sangue.

— Se for agradecer, irei fazê-lo para a rainha. — Sangue? De que eles estavam falando? E o que o Moedor tem com isso? — Além disso, não aja como se não ganhasse nada com nossa parceria.

— Só tenha certeza de manter sua promessa.

— Claro, claro — falou, entregando para os Nors algo que fez meu coração gelar. Era uma Energia bem fraca, quase inexistente, mas havia várias delas. — Aqui as virgens que queriam, seus degenerados de merda.

Era uma energia tão triste, tão desesperançosa, que me fez mordeu o lábio em raiva.

Sem que eu percebesse, minha Energia começou a influenciar a área ao redor. Controle. Lembre-se, controle sua raiva…

— Sempre gostei de carne jovem… Principalmente de crianças como essa aqui.

— Por favor… — Uma voz, um pouco mais jovem que Grace, implorou, triste. — Por favor, alguém me ajuda…

Aquela foi a gota da água. Saindo do meu esconderijo, gritei o mais alto que pude.

— Bala Astral! — Minha raiva enviou uma quantidade absurda de energia contra os dois Nors atrás do líder. Aquele disparo teve mais poder do que queria colocar, mas não importa. Aquele disparo carbonizou mais da metade dos inimigos, mas ainda havia dois deles.

— Você? — O garoto de antes perguntou e, antes que tivesse chance de usar seus poderes Telecinéticos, avancei contra ele, a Capa de Telecinesia impulsionou minha velocidade e meu soco impactou no rosto dele, mandando-o para longe.

— Ora seu! — O Nor de antes largou a criança e foi contra mim, pronto para atacar. Não deixei que tivesse essa oportunidade.

Desviando das garras, dei diversos Jabs no abdômen dele, forçando-o para trás.

Merda, é mais resistente do que eu pensava…

— Seu porra! — Senti a Energia Astral ao meu redor tentar me prende e, rapidamente, liberei minha própria, quebrando o controle que o Esper tinha.

Então ainda estava consciente?

Desviei de mais um golpe e fui até o moleque. Assustado, pôs as mãos para frente e senti uma força gigantesca me empurrar para trás. Cruzei os braços e me segurei como dava.

Olhando para as mulheres ali, vi como estavam apavoradas.

— Saiam daqui de uma vez! — gritei, mirando outra Bala Astral no pirralho. Não me segurei, enviei uma grande quantidade de poder contra ele. Tentou erguer uma barreira, mas não foi o suficiente para parar a explosão.

Desviei de mais um soco do Nor e analisei rapidamente o que ele era.

Um Ogro? Desviei de mais um golpe, este impactou no chão e transformou a neve em vapor com o calor corporal da criatura.

Com um grito, pulei até o rosto dele e dei um forte soco no queixo, rápido o suficiente para fazê-lo perder o equilíbrio. Enquanto caia, apontei mais uma Bala Astral, mas meu corpo foi movido para longe, impedindo que acabasse com ele.

Ainda tava vivo?

Permiti minha Energia escapar uma vez mais e usei a Capa Telecinética para ir contra ele. Com um soco pronto, atravessei a barreira que formou e então comecei a dar vários golpes nele, derrubando-o.

Coloquei minhas mãos ao redor do pescoço do traidor, minha raiva atingindo um patamar que não achei possível. Ele tentava se desvencilhar, tentava se libertar, mas não deixaria.

Ele morre aqui!

Morre… matar…

Tenho que matar os inimigos da humanidade. É meu dever como portador… Eu sei disso, sei que não tenho escolha. Eu já aceitei ser o escravo da humanidade… então, por quê?

Por que o olhar apavorado dele me fez largar o pescoço, deixá-lo solto? Tenho que acabar com isso! Não posso deixar que viva… então… por quê?

Por que não posso ser o que esperam de mim?

Olhei o rosto surpreso dele e suspirei.

Senti uma força impactar no meu lado, o Ogro me segurava com o máximo de força que podia. Ele se jogou contra mim, mesmo enfraquecido?

Olhei fundo nos olhos dele, na boca que se aproximava lentamente, enquanto senti o Aslaru pesar no meu bolso.

Não vou deixar!

Usando o máximo de força que consegui, dei uma cabeçada no queixo do Ogro e me desvencilhei, seguido de um soco no pescoço, empurrando-o para longe. Seguido disso, mirei na cabeça dele e lancei uma Bala Astral.

Quando caiu, não tinha mais um crânio ali. Era apenas fumaça.

Levantei-me e olhei para o Esper.

— Suma.

Assim o fez, correndo de medo.

Merda… por quê?

Por que sinto arrependimento ao tirar esta vida? Por que precisei tirar esta vida? Não há outra forma? Meus olhos vazios e desfocados caíram sob o rastro de sangue, um vento soprou a neve para longe e me permitiu ver…

A Íris do Defunto…

Minha irmã veio a mente, a condição dela me fez perguntar apenas uma coisa?

— Não há outra forma? Não existe outra maneira? Um caminho para a paz?

Suspirando, colhi a flor e saí dali, voltando para o Jardim.

É… é mesmo… Aqueles dois acharam uma forma de ficar em paz. Ambos não negarão a natureza um do outro, não é? Luna ainda caçava, mas controlou sua fome por carne humana…

Um vento soprou, limpando a neve e névoa ao meu redor e iluminando meu rosto com a luz do sol. Naquele momento, eu percebi uma coisa.

Nunca tive um objetivo concreto. Nunca tive um sonho. Apenas caminhei seguindo os passos dos outros, obedecendo ordens, falhando com as expectativas que me eram postas…

Não mais…

Tem que haver uma resposta. Uma que ninguém tenha pensado ainda… Eu tenho que tentar, ao menos por hora…

Eu acharei um caminho para a paz.


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