Dualidade Brasileira

Autor(a): Pedro Tibulo Carvalho


Volume 1 – Arco 3

Capítulo 37: Contrato

Desviei de mais um golpe, os tentáculos me mantinham afastado do traidor, além de me impedir de usar minha habilidade…

Não importa. Já consegui o que queria aqui. A identidade do traidor e algumas informações sobre o Moedor estão comigo. Só preciso sair daqui. Conforme o tempo passava, o meu oponente ficava mais cansado. Os golpes não tinham mais a mesma velocidade e foi questão de tempo até conseguir me teleportar para fora do alcance dele.

— Jeremiah, Razer! — gritei, pulando para as árvores enquanto desviava de mais golpes. — Hora de sair daqui.

— Não precisa falar duas vezes!

O zumbi pareceu pensar um pouco, mas decidiu seguir minhas ordens. O inimigo parou o ataque e apenas acenou com o mesmo sorriso amigável de antes.

— Espero ter sido um bom anfitrião… Nos veremos novamente, Ceifeiro.

Após estas palavras, os tentáculos foram até Guldr. Quando estávamos a algumas centenas de metros, ouvi o som de ossos sendo triturados por dentes e suspirei.

Ele tinha potencial, só precisava de um pouco de ajuda.

— Edwars! Seu maldito! — Jeremiah me pegou pela gola da camisa e então me prensou contra uma árvore. — Como pode nos usar dessa forma? Acha que vou ser um peão nesse teu jogo doentio? Me responda!

Suspirei em irritação enquanto pegava o punho dele e o apertava forte o suficiente para quebrar o osso. Mesmo que ele fosse um novato, achei que fosse mais esperto que isso.

— Lembre-se da hierarquia, soldado — falei, olhando fundo nos olhos dele. Vi várias coisas ali. Frustração, raiva e rancor… mas não demorou muito para esses sentimentos virarem medo. — Solte-me.

Assim o fez, quieto e sem olhar para meu rosto. Fraco… como é fraco.

— Você decidiu entrar na Polícia Secreta. Você assinou os papéis para fazer parte do meu esquadrão. Você, queira ou não, é meu peão. Lembre-se disso.

Nós três então saímos dali e nos reencontramos com Dryas e o reforço que mandei que chamasse. Voltamos para a cidade enquanto pensava no que acabara de ocorrer.

Consegui o que queria, sim, mas ainda sentia uma amargura. Queria ter levado aquele animal para a justiça e dar um descanso a alma de Miia, mas creio que terei a oportunidade de fazer isso mais para frente.

Quando enfim voltamos para a delegacia, deixei meus pertences ali e encerrei meu expediente. Olhando para o relógio, vi que estava atrasado para o meu compromisso.

Acho que não devia ter marcado com ela hoje, mas não é como se não pudesse chegar rápido lá. Limpei-me e pus uma roupa social.

Foi questão de segundos para sair da base do décimo primeiro e alcançar o sexto distrito. A polícia secreta tinha várias bases em Juvicent, ao ponto de precisarmos usar os Elevadores para transportar documentos e equipamentos.

São divididos em células, e eu administrava o Esquadrão da Meia-noite, mas não era o único capitão ali. Também tinha menos poder político, devido ao meu parentesco.

A área em que encontraria meu contato era nobre, com vários restaurantes que se beneficiavam do terceiro, quarto e quinto distritos terem moradores de classes sociais semelhantes.

Quando entrei ali, fui até uma mesa isolada e me sentei. Na minha frente estava uma mulher de fios negros e longos, com um óculos quadrado, vestido corporativo e expressão irritada.

— Está atrasado — disse, bebericando da taça.

— E você já bebeu o suficiente — retruquei, notando como a garrafa ao lado dela estava quase vazia. — Sabe bem que a lei proíbe mais do que três copos de vinho, não?

— Eu não estou vendo seu uniforme aqui, senhor policial. Além disso, o que queria que eu queria que fizesse? Olhasse pro nada por duas horas? Onde estava, por sinal?

— Isso é assunto interno. Só precisa saber que teve complicações. Além disso, eu atrasei uma hora e quarenta minutos.

— Mesma coisa. Então, o que você quer?

— Calma aí, senhorita. Primeiro, assine aqui — falei, tirando uma folha do meu blazer escuro.

— Depois de você, vampirão.

— Não me chame assim. — Mordisquei meu dedo e assinei o papel com meu sangue. Como sempre, era irritante quando estava bêbada. — Sua vez, Smith.

Grunhiu enquanto assinava o papel. Após ambos trocarmos os votos, olhei fundo nos olhos dela.

Blair Smith, uma Nobre viúva. O líder da família, Visconde Soln Smith guiou a família por tempos difíceis, que só vieram com a dívida que adquiriram com a guerra do Lago Enfari.

— Você é um tédio, sabia. Tenta se soltar um pouco — falou, olhando para mim com curiosidade. — Então, o que quer?

Bebi um pouco do vinho, permitindo que o calor descesse a minha garganta enquanto lembrava do que houve nas últimas horas.

Algo não batia. A sede de sangue de Guldr não o permitiria ser um espião bom o suficiente. Não só isso, ele era um soldado ainda. Não tinha acesso a documentação mais importante. Tem que haver outro.

— Diga-me o que nos nobres discutiram na última reunião do conselho. Alguma coisa diferente do habitual?

— Economia, leis e pedidos da população, o de sempre. Tinha duas coisas que me surpreenderam. Primeiro: ninguém estava interessado em discutir sobre a pauta da segurança pública. Achei que, com todas as mortes que estavam ocorrendo, alguém falaria algo sobre isso, mas alguns dos membros mais antigos do conselho, Hildegart e sua facção, faziam força para evitar o assunto.

Senti uma pontada de irritação. Nem ao menos considerei um nobre estar envolvido com o Moedor… Mas por quê? O discurso inteiro do Moedor se baseava em tirar o poder dos nobres. Não faz sentido algum…

Não, talvez esteja olhando do ângulo errado. Talvez esse discurso não seja o que ele acredita de fato. Possivelmente, é só para atrair um público.

— Segundo. O Rei da Divinação estava presente.

— Chryzazel? O que ele queria ali?

— Calma aí, não se esquece que agora é minha vez — disse, bebendo da taça e olhando para mim com curiosidade, assim como um pouco de simpatia. — O que exatamente aconteceu no seu esquadrão? Só foi relatado que alguém morreu, mas a tensão dos outros esquadrões é grande demais para ser apenas mais uma morte.

— Miia morreu em ação. — Olhei fundo nos olhos surpresos dela. — Agora, responda minha pergunta.

— Certo, eu… lamento sua perda. Bem, Chryzazel está atrás de algo que nem mesmo sua adivinhação consegue achar, não me pergunte o que é. Ele não falou. Contudo, vi ele conversando com o Rei. Parecia importante.

Ela ficou uns segundos quieta, pensando no que dizer, mas então suspirou. Com um olhar resoluto, preparou-se para fazer a penúltima pergunta.

— Qual o status atual da investigação do Moedor? — Mordi a bochecha, irritado. Claro que ela faria essa pergunta… Bem, trato é trato.

— Achamos uma possível base na montanha nevoenta. Provável que já tenha saído dali, mas manteve um cão de guarda. Além disso, o desgraçado também está recrutando os cidadãos com um discurso que nem ele acredita. Também achei algo que o liga diretamente a morte do seu finado marido.

Peguei o frasco vazio com o líquido que fora injetado no corpo do monge, ainda quando estava tentando achar Lewnard Hollick. Aquilo foi uma das poucas coisas que consegui aproveitar daquela batalha.

— Isto é uma droga altamente experimental. Não sei qual a composição dela, mas os efeitos colaterais eram iguais aos efeitos do veneno que tirou a vida dele. — Levantei a mão, parando-a antes que pudesse pegar o frasco. — Última pergunta… preciso dos nomes dos nobres que impediram a pauta de segurança pública.

Eficientemente, ela pegou uma caneta e anotou vários nomes numa folha de papel, e então entregou-a para mim.

— Você falou que não sabe a composição… Não pode falar com um médico legista ou algo parecido?

— Não, ao menos não por agora. Hoje eu me livrei de um espião, mas ainda é muito cedo para tomar riscos. — Guardei a folha num bolso e me levantei. — Não beba demais. Foi um prazer fazer negócio com você, como sempre.

Estava para sair, mas Blair pegou minha mão e me forçou a olhar para ela de novo.

— Você está bem? Sei como é perder alguém importante, e sei que Miia era como uma irmã para você.

— Senhorita Smith, creio que já completamos o contrato, não?

— Não estou perguntando isso como uma contratante! — gritou, a voz ecoou no restaurante vazio e seus olhos negros se perderam nos meus. — Estou perguntando como amiga. Você me ajudou muito depois da morte do Sam. Por favor… não se feche. É só o que eu estou lhe pedindo.

Cansado, suspirei. Claro que ela ia se preocupar comigo. Como seria diferente? Humanos são tão problemáticos! Já tenho um idiota gentil para me ocupar, não preciso de outra bancando a babá.

Contudo, dentro de mim, numa parte enterrada, senti-me feliz. Talvez, só talvez…

A memória daquelas palavras voltou para me assombrar e removeu o véu ilusório. Não. Não há uma única pessoa boa nesse mundo. Bondade é uma mentira, gentileza não leva a nada.

— Não tive tempo de pensar nisso — respondi, com certa frieza e confusão. Gentileza não leva a nada. Eu sei disso, então por quê? Por que eu não consigo ignorar essa dor que vem me corroendo desde então?

— Edwars, eu… — Mordeu o lábio, pareceu debater internamente e, quando finalmente chegou numa conclusão, suspirou. — Se quiser conversar sobre isso, ou sobre qualquer coisa que te deixe chateado, minha porta está sempre aberta.

— Vou lembrar disso. — Dei as costas e segui para a saída.

Tenho muito o que fazer.


Bem, mais um capítulo feito. 

Peço que, como sempre, entrem nos servers abaixo:

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