Dualidade Brasileira

Autor(a): Pedro Tibulo Carvalho


Volume 1 – Arco 3

Capítulo 32: Decisões de um líder

Quando dei por mim, estava no meu escritório, tomando um calmante. Essa viagem foi mais difícil do que imaginei, e fiquei feliz por conseguir voltar antes da chuva.

Olhando para a janela eu vi o quão perigosa era a situação lá fora. A nevoa passiva de Juvicent fora substituída por vendavais, o clima tranquilo agora era tempestuoso, com o céu caindo sobre nossas cabeças.

— Capitão… Ei, capitão. Capitãozinho? Tá aí?

— O que foi, Miia? — perguntei, bebendo do meu chá enquanto contemplava sobre os últimos dias. Amaldiçoei a promessa que fiz para Shiki… se Kruger souber dela, sem dúvidas colocará a vida dele em perigo.

É… é mesmo. Essa deve ser a primeira vez em muito tempo que me preocupo com alguém além de mim. Mesmo o conhecendo recentemente, aquele cara é bem hábil quando se trata de entrar na vida das pessoas.

Merda… E pensar que eu arranjaria um amigo.

— Bem, eu acabei os relatórios e queria saber se posso tirar o resto do dia de folga.

— Acabou? Ou só passou a responsabilidade para um dos cadetes? — A reação dela já respondera a pergunta e soltei um suspiro. Dentre todos naquele esquadrão, Miia era a que estava comigo a mais tempo, junto de Razer e Hills. A minha relação com um deles era péssima e o outro estava focado demais em sua pesquisa.

— Bem, eu…

— Miia, já que tem tanto tempo livre — comecei, puxando um papel do meu bolso e atirando para ela. — Investigue essas coordenadas. Encontrei uma pista promissora para o caso do Moedor.

Ela assoviou e então ficou séria.

— É a montanha nevoenta? O senhor esteve lá recentemente? Quer dizer, você sumiu por alguns dias e…

— Eu estava ajudando um aliado — cortei-a antes que pudesse sair em outra tangente e escapar das responsabilidades. — Me deparei com um grupo de… cultistas. Se aceitar essa missão, saiba que estará, possivelmente, lidando com gente do meu nível.

Ela ficou quieta enquanto olhava para o anel. Por incrível que pareça, Miia encontrou uma pessoa que a ama, mesmo sabendo o que ela é. Não sei quem é ele, mas agradeço muito por isso.

Por esse motivo que não queria que aceitasse essa missão, que era perigosa demais. Contudo, assim como eu, Miia estava presa nas correntes dos nobres e da Associação de Bruxos. Eles eram os nossos principais benfeitores, e tudo o que fazíamos no trabalho era ditado por eles.

Sem eles, já teria sido executado a tempos.

— Edwars… Conte comigo. — Suspirei enquanto ela deixava o escritório com uma passada repleta de falsa determinação.

Agora que cuidei disso, vamos para a parte mais desgastante do dia. Pegando o telefone, liguei para um número em específico, que fora me dado pelo próprio Kruger.

— Chryzazel… tenho um favor a pedir para você.

 

Bati o telefone na mesa enquanto tentava, em vão, me acalmar. Aquele velho maldito…

— Capitão! — O subordinado que entrou logo ficou de joelhos enquanto suava frio.

— O que foi? Desembucha logo, e, se não for importante, eu te juro que vai limpar as privadas dessa maldita instituição…

— Chegou uma mensagem para o senhor! Nós verificamos e não há nenhuma bomba, mas…

— Por que haveria uma bomba?

— Bem… senhor… — Tremendo, tirou um envelope pequeno do bolso, sem selo algum. Só havia um nome escrito ali e senti minha irritação subir quando entendi de quem se tratava.

Abrindo a carta, minha raiva aumentou a cada linha.

Caro Ceifeiro,

Soube de sua descoberta mais recente e não posso deixar de dizer o quão impressionado estou com sua proeza… De fato, o sangue dentro de suas veias é de um Nor realmente poderoso;

Contudo, fez algo que não devia. Matou um dos meus, e haverá uma retalhação. No verso dessa carta há algumas coordenadas. Se observar bem, elas são, respectivamente: Hospital do Quarto Distrito; Grande Represa de Juvicent; Estação elétrica do décimo terceiro distrito; e, é claro, o Centro comercial do sétimo distrito;

Minha equipe plantou uma Bomba Blockbuster em cada uma dessas áreas. Caso não saiba — o que eu duvido muito — essas são bombas feitas para causar a destruição de um quarteirão. Imagine o que aconteceria com sua preciosa cidade se o dique fosse rompido?

Saiba que meu objetivo com essa carta não é te ameaçar, nem descontar a raiva da perda de um recurso importante. Não. Estou apenas fazendo dessa cidade um exemplo…

Um exemplo do que acontece quando ratos desafiam um leão.

P.S.: Caso tente me impedir, terá uma surpresa muito mais desagradável esperando em sua porta, pela manhã.

Acompanhado dessa carta, para meu choque, estava um dedo, com uma aliança que reconheci instantaneamente.

Não… não deu nem uma hora desde que ela saiu… Como eles conseguiram?

Foi então que me lembrei do motivo por ter ligado para o rei da Adivinhação e senti minha raiva crescer exponencialmente.

Há um traidor… só não esperava que ele estivesse no meu esquadrão.

— Senhor…

Não posso contar com o resto do pessoal… preciso fazer isso sozinho… Se eles ficarem sabendo que eu vou tentar impedir, sem dúvidas…

A imagem de Miia surgiu em minha cabeça enquanto sentia uma raiva profunda me consumir. Estava prestes a sair da sala quando lembrei de algo importante.

Uma lição essencial para meu desenvolvimento.

— Saia. Caminhe normalmente e continue a fazer seu trabalho. Isso é só uma piada de mal gosto — ordenei e, com um movimento sútil, guardei o papel no bolso.

— Sim… sim senhor.

Assim que ele saiu, lembrei da conversa que tive com Kruger, uma das primeiras coisas que ele me ensinou quando me acolheu, já tem algumas décadas…

— Você tem um pavio muito curto, sabia?

— O que quer dizer com isso, velho!

Olhou-me com um sorriso convencido no rosto e logo percebi que caí numa armadilha boba.

— Quando te encontrei, não era mais que um animal sedento por sangue. Fez muito progresso desde aquela época, mas ainda há algumas coisas que podem ser aperfeiçoadas…

Fiquei intrigado. Do que ele estava falando?

— Você está se encontrando com aquela garota, não é? A filha do dono da loja de brinquedos do sexto distrito. — Não esperou uma resposta, apenas apresentou mais desgosto. — Quero que pare de se encontrar com ela.

— O que? Por quê?

— Pessoas como ela… são pequenas demais para pessoas como você. Tens potencial para fazer muito, por isso eu o ajudei… e… desejo não me arrepender — disse, a voz macia como seda, mas ainda ameaçadora o suficiente para entender o que ele queria realmente dizer.

Após aquele ocorrido, decidi fugir com a garota. Quando contei para ela a minha situação, quando contei para ela o que eu sou… ela me rejeitou e nunca mais falou comigo.

As palavras que ela disse naquele dia doeram. Doeram tanto que me fizeram nunca mais beber uma única gota de sangue… Afinal, como pode um monstro que toma vidas merecer uma morte satisfatória?

Quando voltei para Kruger, no dia seguinte, comecei meus estudos com força. Nunca mais deixei nada me perturbar, não deixei ninguém se aproximar de mim.

Quando paro para pensar, os membros fundadores do esquadrão da meia noite foram o mais próximo que eu tive de uma família, e Shiki foi o primeiro amigo de verdade que consegui.

Com um suspiro resignado, pensei uma vez mais no que fazer. Kruger não era uma opção. Estava fora do país, e contatá-lo levaria mais tempo do que tenho. Poderia pedir um favor aos chefes de polícia, mas sei que eles não se importariam de jogar um ou outro mestiço ao fogo para salvar a própria pele.

Não importa como, em ambas as situações, eu perco algo.

O que é mais importante? Aquela que eu considero como uma irmã? Ou meu dever como capitão da polícia secreta? Não tinha uma resposta e isso me incomodou e muito.

Merda… Merda!

Parei para pensar e olhei para fora. A tempestade continua forte e seria um pesadelo movimentar os policiais normais nessas condições, o que significa que, se eu for avisar alguém, precisa ser alguém de dentro, e o espião contaria para seu mestre o que exatamente foi dito.

A vida de milhares contra a vida de um mestiço… Quisera eu fosse humano ou um Nor… seria mais fácil escolher assim.

Olhei para minha gaveta e puxei de lá a carta, relendo o conteúdo, tentando achar uma forma de sair dessa situação…

Após sabe-se lá quanto tempo, tomei uma decisão. A amargura em meu peito cresceu enquanto eu repetia as palavras “Você é forte. Não chore, lidere” em minha mente. Cansado demais, suspirei.

Sinto muito, Miia…

Eu falhei.


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