Dualidade Brasileira

Autor(a): Pedro Tibulo Carvalho


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 25: Onde eles habitam, parte 3

Olhei para o chão enquanto o Nor me conduzia para a morte.

Passei por diversas salas, e já dobramos tantos corredores. Quando descemos o quinto andar que eu notei algo estranho.

Se eles vão me mandar para uma sala de jantar, por que estamos descendo cada vez mais fundo? E por que havia cada vez mais guardas?

Será que… bem, só pode ser isso, não é? Estão me levando para a rainha? Lumis disse que ela tinha interesse em mim, não é? Mas querer ficar cara a cara com um Portador…

Algo nisso tudo me incomodava. Alguém que liderava uma colmeia inteira não correria riscos como esse sem algum tipo de recompensa.

Várias coisas rondaram pela minha mente, mas nada parecia possível. Bem, acho que a única forma de descobrir é esperar. Quando descemos o sétimo andar, o Draugr parou em frente a uma porta e tirou as amarras que me continham.

— Entre — mandou, voltando a posição de guarda.

O ambiente era frio, escuro, e tinha uma enorme mesa de jantar. Salivei ao ver o banquete servido. Parecia ter sido feito pelos melhores cozinheiros de Juvicent, talvez até de Anjus.

Olhei fundo, tentando perfurar a escuridão com meu olhar. Infelizmente, sem a Energia, era impossível discernir algo além do que estava iluminado pelas velas.

Havia duas ali que traziam luz ao lado em que eu deveria sentar. A porta se fechou atrás de mim, tornando a atmosfera ainda mais opressiva.

Fui até o fogo a passos lentos. Quanto mais perto estava, mais meu estômago roncava em antecipação. O cheiro de cera era apagado pelo aroma de um Chester, feito da mais perfeita forma.

Notei que ali estava também um prato, com vários talheres usados na alta sociedade.

— Não seja tímido. Venha e coma.

Uma voz macia e melodiosa soou um pouco afastada. Passos então foram ouvidos e a luz iluminou aquela que deveria ser a mulher mais bela do mundo. Ao menos, no meu pouco tempo de vida, vi pouquíssimas que chegavam perto dela.

Meu olhar caiu mais uma vez sobre a refeição de luxo e, imediatamente, sentei e me servi.

Com graça e elegância, uma risada escapou dos lábios dela. Não me importei com aquilo, nem com a presença dela.

Queria apenas comer, mais e mais. Quanto mais eu comia, mais sentia fome. Quanto mais eu bebia daquele vinho, maior era minha sede.

Perdi a noção de tempo, mas acredito que fiquei mais de uma hora ali. Quando enfim me dei por satisfeito, voltei meu olhar para ela. Tudo ali era perfeito, desde a proporção das maçãs do rosto, até o busto e o quadril.

Ela se aproximou de mim e me olhou fundo nos olhos.

— Você me deseja?

Fiquei quieto. Não sabia o que responder, apenas que mais e mais eu caia naquele encanto. Mais e mais minha consciência se escapava e era consumida pelos seus olhos.

— Eu lhe desejo, Lewnard Hollick, Portador de Davi. — Afastou-se e quebrou o encanto. Só aí eu voltei ao mundo real e percebi o que ela disse. — Mesmo que, na teoria, ainda és um Herdeiro, conseguiste sobreviver até agora, bateu de frente com um dos meus campeões e sobreviveu, além de ter chegado até aqui.

— Aonde quer chegar?

— Não ouviu? — riu e então se aproximou de mim novamente. — Quero que você abandone os humanos. Quero que venha para meu lado, como meu consorte. Faça isso e terás tudo que esse mundo pode oferecer.

Consorte? Ela quer que eu me case? É isso?

— Sua irmã está em apuros, não? Se desejar, eu posso extrair o veneno que Lumis colocou nela. Posso salvá-la…

— Mas eu nunca mais a veria, não é?

Nada disse. Apenas me olhou com expectativa. Engoli em seco. Por um lado, minha irmã estaria a salvo. Não me importo de nunca mais a ver se pudesse cumprir com minha promessa. Por outro, eventualmente, eu teria de matar pessoas… desde boas até más, o que me faria quebrar a jura que firmei como Portador.

O conflito devia estar claro no meu rosto, visto o suspiro que ela soltou.

— Isso não é justo, sabe… Eu sou o tipo de mulher que só dobra os esforços quando é rejeitada…

Nisso, olhou-me com excitação, como se visse uma joia rara.

— Todos os meus consortes anteriores caíram nessa tentação. No conto de uma bela mulher, que prometia a melhor bebida, riquezas sem fim e até mesmo uma chance em um milhão… Todos antes de você vieram para minha montanha numa missão, mas és o primeiro em que ofereço tudo isso mas ainda rejeita.

Puxou meu rosto e forçou um beijo. No início eu tentei me soltar, mas em questão de segundos comecei a retribuir. Ficamos assim até ela se separar, com uma risadinha.

Notei que ela só o fez pois eu já estava sem ar…

— Tem algo dentro de você que eu quero… Algo que não vejo desde eras antigas, desde o meu nascimento, a mais de um milênio atrás. Sabe o que é?

Ela parou e me encarou. Notei que seus olhos pareciam atraídos para algo além de mim… estavam distraídos e não tinham enfoque algum.

Era como ver uma donzela apaixonada.

— Nada mais é do que uma vontade de aço. Inquebrável, indobrável e incorruptível. Você nunca desistirá de suas convicções, fazê-lo significa negar tudo o que és. Eu… realmente quero isso. Quero para mim… e eu sempre consigo o que desejo.

— Não dessa vez…

Ela riu novamente, não com graça ou beleza, mas sim de escárnio. Como se a mera ideia que sugeri fosse absurda.

— Eu sempre consigo, Lewnard. Pode não ser hoje, pode não ser amanhã, mas você ficará ao meu lado. E, quando o fizer, terei certeza de que controlarei esse aço, farei-o servir eu e apenas eu. És seu destino.

As portas se abriram e o mesmo Draugr de antes me puxou e me pôs de volta nas correntes. Não fiz nada para resistir… como poderia? Aquela mulher era forte demais para eu tentar um confronto. Eu não sobreviveria…

Alguém com aquela presença, com aquela certeza… está muito além dos meus poderes.

 

Fui atirado de volta na cela suja. Muitos ficaram confusos ao me ver, mas ninguém falou nada. Ainda que eu pudesse sentir a inveja que crescia neles.

Tolos…

— Por que a rejeitou? — Virei-me na direção da voz, encarando fundo os olhos amarelos dentro do véu escuro. Lumis saiu das sombras e andou até a grade. — Sabe a oportunidade que lhe foi dada?

— Eu rejeitaria, independente do que me prometessem. Nunca vou me aliar a vocês… Nunca.

O monstro rosnou mas não falou nada. Apenas me encarou por um tempo e, então, virou-se na direção das escada. — É um tolo e vai morrer… Isso eu prometo.

Suspirei enquanto tentava sentir a Energia ao meu redor. Só agora eu percebi o quão estranho é… Estive tão acostumado a sentir os meus arredores que ter essa conexão cortada era difícil.

Eu estranhava o quão cego eu estou e apenas pude amaldiçoar minha situação.

— Do que ele estava falando? Quem você rejeitou?

— A rainha dessa colônia — disse, após uns segundos de pausa. Não faz sentido esconder as coisas deles nessa situação. Só me resta ser sincero, acho.

— Cara, que inveja… Tu é um galã mesmo, hein? Arrasando corações.

Ri, desesperado com o absurdo daquela afirmação. Olhei para o teto enquanto tentava compreender tudo o que estava acontecendo. Será que Lumis realmente iria a fundo com sua promessa? Ele tem lealdade demais para a rainha, mas aquilo não foi uma ameaça comum.

Ele realmente quer me matar.

— Eu tenho preocupações mais imediatas do que com quem vou dormir.

— Sério? Mas, sei lá, tu podia ter muito bem usado essa chance pra não virar comida de monstro.

— É… você tá certo, mas… mas eu não vou trair minhas juras. Nem que eu seja condenado a uma morte terrível, nem que eu vá para o inferno… Promessas são preciosas demais para eu romper.

Um silêncio caiu sobre nós dois enquanto eu encarava a saída. Sim, promessas são importantes… e eu prometi que cuidaria dela…

Tenho que sair daqui, mas como?

Pensa, Hollick. Está sem sua principal arma e não vai conseguir ela de volta… como posso sair daqui?

A resposta para meu dilema veio quando outro Nor, um Skin-walker, entrou na cela e foi até um dos Anjulianos restantes. Um homem grande e gordo, que parecia tremer de medo.

Skin-walkers eram seres capazes de assumir formas de animais, tornando-os especiais mesmo entre os Nors. Sua forma padrão, contudo, era de uma enorme criatura, com dois metros e quarenta de altura, e que portava braços longos, com lâminas de um louva-a-deus no lugar das mãos, e pele alva, com algumas escamas amarelas cobrindo o longo pescoço.

Era uma criatura bem desagradável de se ver.

— Ei, feioso! — gritei, observando as garras dele. Isso podia acabar mal, mas, se eu conseguisse fazer com que essa ideia funcionasse… — Por que não pega alguém do seu tamanho? Ou vai me dizer que está tentando compensar alguma coisa?

Enquanto falava, canalizei a melhor voz que eu conhecia para irritar os outros. Cortesia do Espectro.

— O que disse?

— Ué, não ficou claro? Ou vai me dizer que além de broxa, também tem uma noz no lugar do cérebro? — Isso, venha até mim. Aproxime-se mais e me ataque…

— Seu pivete! Não pense que só porque a rainha tem interesse em você que é melhor que nós! — Pulei em direção a garra dele e virei meu corpo, deixando a enorme lâmina cortar as correntes que me prendiam.

Em seguida, olhei fundo nos olhos da criatura, enquanto deixava minha energia fluir através do meu corpo. Tomei um momento para aproveitar a volta dos meus sentidos, da minha força, enquanto sorria para o monstro na minha frente.

— Morra! — gritei, disparando uma… Bala Astral? Acho que esse era o nome que o Espectro falou? Bem, só o que me importa é o estrago que a explosão causou.

As chamas consumiram o corpo do Skin-walker e alcançaram os outros guardas, que vieram contra mim, ensandecidos. Aproveitei uma vez mais para apenas… sentir o mundo ao meu redor.

Como eu vivi sem isso por tanto tempo?

Um punho veio até o meu rosto e eu rapidamente desviei. Em seguida, um soco no rim de um dos guardas, e, no outro, um no queixo, fazendo com que os dois caíssem no chão.

— Se não quiserem morrer, sugiro que saiam da cela… — Os humanos, chocados, fizeram como ordenei e, quando finalmente o último saiu, sorri enquanto via o rosto apavorado dos monstros.

— Tchauzinho, desgraçados.

E foi com uma explosão que minha fuga começou…


Bem, mais um capítulo concluído. Estamos cada vez mais próximos do final do arco... Não sei como me sentir em relação a isso.

Se quiserem capítulos extras, peço que deem um dinheirinho para mim através do pix: 0850fa07-b951-4cd4-b816-8d3beb6ebf51

 

Peço que deem uma olhada no meu servidor:
https://discord.gg/nnJBUDGw

Dito isso, até um próximo capítulo!



Comentários