Dualidade Brasileira

Autor(a): Pedro Tibulo Carvalho


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 22: Cultistas, parte 2

— Me matar? — Estreitei os olhos quando o monge começou a rir. — Não vai conseguir sequer me tocar, amigo…

Arrogante… bom, isso é bom.

— Claro, claro. Por que não tenta falar menos e agir mais? — Com um sorriso arrogante, eu pulei para frente numa enorme velocidade e, ainda mais rápido, saquei a espada quando cheguei perto o suficiente.

Senti uma leve pitada de frustração quando ele bloqueou o golpe. Tentou uma pancada na cabeça com um giro do bastão, mas eu fui mais rápido, usando o cabo para bloquear o golpe.

Pesado… Dei um chute no peito dele, mas a minha posição tirou muito da força do ataque.

Eu esperava, no entanto, que ele mostrasse alguma reação quando foi empurrado, mas apenas entrou em outra postura com o bastão e correu em minha direção.

Ele é forte e resistente…

Estreitei os olhos enquanto a minha espada voltava para a bainha e meu corpo entrava, ainda que subconscientemente, na postura do Battoujutsu.

Pulei para o lado e então para trás. Esperei ele entrar na minha área enquanto o observava com olhos estreitos. Não só sua força era monstruosa, ele também tinha a técnica de um mestre.

Quando estava perto o suficiente, movi-me e interceptei o bastão com um corte, usando da velocidade do ataque para causar mais impacto. Em seguida, entrei na área dele e dei um forte soco no peito.

Consegui afastá-lo e voltei para a posição inicial. Ele me olhou surpreso.

— Você certamente praticou muito o Battoujutsu. Não só sua velocidade de corte é elevadíssima, como também consegue criar janelas para voltar a posição inicial — falou. Estava claro que ele não queria admitir que eu consegui o respeito dele. — Diga-me, que tal sair da polícia e se juntar a nós? Tenho certeza que ouviu o discurso do Mestre… Não tem nada que te revolte na sociedade atual?

Ouvi uma vez mais as palavras cheias de paixão do Moedor. Eu fui movido por elas e estava tentado a ajudá-los… mas eu tenho uma jura a manter.

— Sinto muito… enquanto a causa de seu mestre parece ser justa, eu não concordo com os métodos dele. Além disso… — Aumentei meus sentidos enquanto via a expressão do careca fechar. — sinceramente, eu prefiro estar do lado vitorioso.

— Lado vitorioso, é? — Começou a rir enquanto olhava fundo nos meus olhos. — E o que faz você pensar que essa guerra já está decidida?

Nada respondi. Não havia porque dar informações a ele. Se realmente haverá uma guerra, prefiro manter o nosso trunfo escondido o máximo de tempo.

— Bem, que seja… Eu lhe dei a escolha.

Meus olhos acompanharam o movimento dele, por mais que fosse rápido. Num segundo, ele se aproximou e no outro, minha espada se chocou contra o bastão. Quanta força!

Mesmo com a velocidade de saque do Battoujutsu eu ainda consigo sentir tanta pressão. Também tem esse bastão…

Novamente, tentou outra pancada acima de minha cabeça. Dando dois passos para o lado, uma grande nuvem de neve e poeira se espalhou com o impacto.

A onda de choque me forçou a recuar e deu uma cobertura para nós dois. Antes mesmo que ele pensasse em avançar, eu pulei numa árvore atrás dele e, com a mesma postura de antes, tentei decapitá-lo.

Foi no último segundo que ele se abaixou e, com o mesmo movimento, bateu a ponta do bastão em meu estômago. A força me fez voar para longe e eu ignorei a dor. Podia me preocupar com isso depois.

Girei o eixo do meu corpo e pulei em outra árvore.

Estava claro que não conseguiria vencer na curta distância, além disso, a média distância também não era opção. Não enquanto ele tiver aquele bastão.

Suspirei em frustração. Não esperava que teria de usá-la tão cedo.

Uma curiosidade dos Nors é que, devido a forma como são criados, eles não conseguem canalizar a Energia Astral devido a quantidade ridícula de Energia Negativa que deformava o corpo deles.

Enquanto isso é padrão para todos os Nors, os mestiços são diferentes. O motivo pelo qual não há muitos como eu se dá pelas condições que somos impostos desde a concepção.

Se tivermos um pai humano, a criança resultante é consumida pelo corpo da mãe. Se tivermos uma mãe humana, o corpo dela não aguenta a carga de Energia Negativa e, como resultado, as duas energias entram em conflito.

O resultado é quase sempre o mesmo. Um mestiço não chega nem ao menos a nascer.

Os raros casos em que isso não é verdade são aqueles em que a força e energia dos pais são parecidas. Nesse caso, os mestiços nascem e são amaldiçoados desde esse momento.

Devemos, desde cedo, aprender a lidar com um mundo hostil, mas há alguns benefícios.

As duas energias dentro de nossos corpos estão em equilíbrio perfeito, o que cria uma outra energia. Basicamente, enquanto os Nors subjugam as leis do mundo com sua energia e os humanos manipulam elas, os Mestiços conseguem usar ambas as formas.

Permiti que minha energia flutuasse e torcesse o espaço ao redor. Pulei em direção ao monge e desapareci, voltando apenas a “existir” atrás dele, com minha espada coberta de sangue.

Essa é a Arte que eu gastei tanto tempo aperfeiçoando. Meu adversário pareceu não entender o sangue que jorrava do peito dele, nem a fraqueza que sentia nas pernas.

Ele apenas caiu no chão, tossindo e tentando ficar de pé.

— Nem tente. Não quero ter que carregar um morto de volta para a cidade — disse enquanto me preparava para estabilizar o corpo dele.

— Ainda… não… eu… ainda não… perdi…

Estreitei os olhos e caminhei lentamente até ele, levantando-o pelo cabelo e me preparando para injetar meu veneno e o deixar desacordado. De relance eu vi uma siringa e arregalei os olhos quando ele injetou o líquido na perna.

Uma enorme Energia consumiu o corpo dele e me fez voltar para trás. O corpo dele começou a mudar, a pele se tornou vermelha, a altura duplicou e os músculos começaram a pulsar.

Bem, isso complica as coisas…

 

Quando foi a última vez?

Há algumas horas, eu despachei Edwars e Shiki para a montanha nevoenta e esperava ter um pouco de paz, ainda que momentânea.

Contudo, qualquer noção disso foi arruinada. Ainda que não fosse comentado, não era segredo algum que Lewnard era quase meu protegido… Por isso eu passei as últimas oito horas acordado, lidando com vários nobres, todos querendo saber aonde o Portador de Davi estava.

Alguns queriam o conhecer, outros apenas reclamar do comportamento dele para com o líder da família Hollick.

Quando enfim terminei de atender o último idiota, peguei uma garrafa da bebida mais forte que tinha no meu escritório e me servi.

Até que eu senti uma presença… familiar.

Eu nunca fui um sensor, mas ao menos era proficiente em ler a energia dos outros. Cada humano tinha uma energia única, quase como se fosse sua identidade. Enquanto parecia uma habilidade útil, havia um problema simples nisso.

Eu, que vivi mais de um milênio, guardava poucas energias na minha memória. Claro, se eu sentisse a energia de alguém importante ou influente, eu conseguia lembrar da pessoa… mas foram poucos os que realmente ficaram gravados eternamente em minha memória.

Olhei para trás, uma profunda tristeza e nostalgia encheu meu peito.

— Você cresceu, pirralho de merda. — O ser Étereo parecia se divertir com minha confusão e prontamente se sentou de pernas cruzadas no meu sofá.

Quando foi a última vez que alguém me chamou assim? Quando foi a última vez que eu o vi? Ele, que morreu há mais de um milênio, quando eu ainda era garoto.

— Não é possível… — sussurrei, indo até ele. — Você jurou nunca mais pisar nesse plano… Jurou que nunca mais voltaria…

— Achei que ficaria feliz em me ver. Eu, pelo menos, estou. Faz muito tempo mesmo… é a primeira vez que fui chamado como um Espírito Guardião.

— É você mesmo… — Senti minhas pernas fraquejarem enquanto o estudava. Um véu cobria seu rosto e seu corpo inteiro era envolto por um manto ametista. Contudo, eu conhecia bem aquela energia. — Sigmund…

— Eu sinto muito mas não vim aqui falar sobre o passado.

Ele olhou fundo nos meus olhos e falou em Astraius.

Arregalei os olhos quando decifrei a mensagem… então é por isso que veio.

Com um suspiro pesaroso acenei e o vi desaparecer.

Bem, isso certamente complica as coisas. Senti um desconforto nas sombras ao meu redor e suspirei. O choque de vê-lo foi tanto que quebrei momentaneamente o contrato… Bem, ainda tenho o mínimo de controle sobre elas, mas não vou poder fazer nada mais que não seja as acalmar.

Não que eu pudesse me meter nesse assunto. Contudo, ainda tenho opções. Com um suspiro, decidi que era hora de cobrar alguns favores.

Sério, Lewnard… em que encrenca você se meteu dessa vez?

 


Bem, para quem tem dúvida, Battoujutsu é um estilo de Kenjutsu em que o praticante foca em puxar a espada da bainha o mais rápido possível. Eu poderia ter explicado isso no último capítulo? Poderia, e peço desculpas por isso.

 

Dito isso, vejo vocês num próximo dia.



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