Volume 1 – Arco 2
Capítulo 19: O caminho para a Montanha Nevoenta, parte 2
A situação não ia nada bem para ele… quer dizer, eu sei que meu Pai me ordenou a vigiar Lewnard Hollick, mas como vou fazer isso se ele está quase morto?
Não só isso, mas o velho também pediu que eu não interferisse na jornada dele até aqui. Que perda de tempo! Mesmo sendo um Portador, ele não merece toda essa atenção.
Enquanto debatia como podia o ajudar, olhei a forma como ele lidava com os vários Nors que apareceram. Tinha de tudo lá, desde Carniceiros até Ogros. Eram espécies comuns da Montanha Nevoenta, comandados pela rainha da colmeia. Ela já havia enviado vários pedidos para que meu pai se juntasse a ela como um consorte.
Só de imaginar os dois já me dava náuseas.
Olhei mais atentamente para o Portador enquanto observava o estilo dele. Era uma mistura de Boxe com Karatê, com enfoque pesado nos punhos… Não, não era isso. Ele só usava as mãos!
Mesmo com essa limitação, ele já havia derrotado mais de três dos Nors ali… restavam cinco.
Eles começaram a circular o Portador, procurando uma abertura. Engoli em seco, pronta para agir. Contudo, houve uma mudança no ar ao redor dele. O que é isso… esse sentimento que faz meu corpo inteiro se arrepiar? Meus pelos ouriçados e meus sentidos focados apenas nele… o que…
— Canhão… Astral! — gritou ao pular e apontar a mão para baixo. Assim que fez isso, o mundo inteiro foi pintado com cores berrantes.
Bem… merda.
Senti o ar me escapar do pulmão quando a onda de choque me atirou contra o telhado de uma casa. Sorri apesar da dor enquanto olhava aquele fogo intenso.
— Eu imaginei que fosse fazer uma idiotice, mas não achei que chegaria a esse ponto — falou o Espectro enquanto eu tentava me levantar. Droga… nem de pé eu consigo ficar direito. — Disparar uma Bala seguida por um Canhão ainda no seu nível… estou surpreso que seu corpo ainda esteja intacto.
— Bem, funcionou, não é? — Apesar disso, eu prontamente cai de joelhos enquanto tossia sangue. Droga… achei que não sofreria mais com essa dor. Vou precisar dos poderes do Diário…
— Nem pense nisso. Sabe o quanto sua conexão foi forçada com esse último ataque? Se usar o Diário, só vai piorar a situação…
— Então o que eu faço? Se acha que eu vou…
— Você vai esperar até que esteja um pouco recuperado.
Merda, ele leu minha mente de novo. Bem, não importa o que ele diga, eu só preciso andar mais um… Um grito escapou de minha boca quando tentei dar mais um passo. O que é isso? Minhas pernas estão queimando…
Olhei para elas e notei como meus músculos se moviam de uma forma estranha, quase como se estivessem sendo remodelados…
— E é por isso que eu falei para esperar.
— O que raios é isso… — Forcei-me a dizer conforme a dor corroía minha mente. Droga, se isso continuar…
— Sua conexão Astral é muito forte e, como você a forçou muito em outras ocasiões, ela acabou se manifestando no seu corpo de uma forma bem… incomum. Podemos dizer que é um mecanismo de prevenção que Deus colocou nos humanos para evitar que eles sejam que nem você.
O que quer dizer com isso? Se tem um problema, fala logo, velho desgraçado. Bem, não é como se eu tivesse tempo pra isso… enquanto pensava numa forma de descer e continuar minha jornada, o Espectro balançou a cabeça.
Bem, acho que só tem uma forma de sair daqui no momento… não que eu estivesse empolgado para isso. Quer dizer, é uma bela queda até o chão…
— Você só pode estar de brincadeira… — Arrastei-me até lá enquanto sentia a dor me consumir. Eu tenho que planejar bem como vou usar a Energia agora, tem um timing bem específico e se eu errar, posso acabar morrendo… — Lewnard, não. Você não vai pular do prédio.
— Vou sim, quer ver? — falei e comecei a correr, ignorando o protesto dos meus músculos. Sem hesitar, eu deixei a gravidade me levar.
Como era de se esperar eu precisava de uma precisão bem alta para fazer isso. Assim que estava a alguns centímetros do chão, explodi minha Energia para fora e impedi o impacto. Ainda me senti um pouco zonzo, mas não sabia o porquê.
— Seu… imbecil! — Ouvi o Espectro gritar ao meu lado, estranhamente irritado. — Se a queda fosse um pouco mais alta, a diferença na pressão ia te matar!
— E daí? Da forma como você age, parece muito que você quer me ver morto…
— Eu ganhei uma chance única roubar as férias do Davi. Eu não vou deixar que ela seja abreviada por sua estupidez.
— Férias? Férias do que?
— Deixa quieto… eu falei demais. Vê se não morre, pirralho imbecil.
Com isso, ele desapareceu.
Conforme me arrastava pelas ruas do vigésimo nono distrito, mais e mais pessoas me olhavam. Não que eles tivessem coragem de vir até mim, não depois do que fiz com o último grupo.
Claro, levei umas facadas e alguns tiros, mas nada que o Diário não resolva.
Eu estava próximo da entrada para a Montanha Nevoenta. Depois dali, sairia de Juvicent e estaria em um território desconhecido. Apesar da minha promessa, não pude deixar de sentir apreensão com isso.
Minhas pernas tremiam como bambu, meus músculos travados tal qual pedra… bem, isso certamente é ruim. Mal sai da cidade e já não posso mais usar a Energia.
Olhei para a área em minha frente, a névoa me impedia de ver muito além, mas já conseguia ver os galhos sem folha de algumas árvores, junto da plantas cobertas por uma fina camada de água. Era inverno, mas ainda não nevara hoje. Não nos arredores de Juvicent.
Adentrei a floresta até meus pés não aguentarem mais. Com um grunhido, caí no chão, minha visão turva notou que a neve começara a cair…
Bem, isso é um problema.
Tentei me levantar, mas meus braços não se moviam. Tentei me arrastar e fui punido com uma intensa dor. A neve começara a cobrir meu corpo enquanto eu sentia o frio me consumir.
Zozolum não viria ao meu resgate dessa vez… e eu também estava longe da civilização… merda. Merda! Se eu dormir, vou morrer… não posso morrer…
Fiquei em posição fetal e tentei trazer alguma forma de calor para meu corpo. Ainda estava cansado demais para usar a Energia e me fortalecer mas, ao menos, já sentia minha conexão voltar.
Com isso, usei dela para criar um cobertor ao redor do meu corpo. Estranho… eu tenho tão pouca energia agora e, ainda assim, consigo manipulá-la tão bem…
Com um suspiro, criei um pouco de fricção entre o cobertor e minhas roupas. Não o suficiente para o desfazer, mas o suficiente para esquentá-lo, criando assim uma fonte de calor temporária.
Agora é só uma questão de me manter concentrado na tarefa atual.
Passou-se algumas horas e meus ferimentos ainda não se curaram por completo. Acho que subestimei o dano interno, visto que demorou muito para parar a hemorragia.
Conforme a minha conexão voltava, também sentia mais dificuldade em controlar o cobertor e tive que deixar ele para trás. Já conseguia me mover direito e isso era o suficiente.
Andei mais um pouco enquanto a dor diminuía. Eu acho que meu corpo se acostumou a reconstruir órgãos rasgados, algo que me deixava apreensivo mas, estranhamente, orgulhoso.
Isso era uma prova do quão longe eu cheguei como Portador, e uma prova do quão imprudente eu sou. Senti um grupo de presenças a minha frente e me escondi num montinho de neve.
Eram Nors.
Engoli em seco conforme se aproximavam. Enquanto não teria problema em os enfrentar em qualquer lugar, Zozolum teve a certeza de me fazer entender a importância de não lutar contra um inimigo que tem vantagem de campo.
Eu até iria, se não fosse uma presença em específico. Uma familiar, cujo poder e força eram semelhantes a visão da lua cheia.
Lumis.
Contudo, não eram só Nors ali. Havia outras presenças incomuns. Eram humanos, um grupo com o mesmo número. Não só isso, mas havia um entre eles… um homem, pelo que parecia. A sensação de sua energia era a de diamante cortando vidro, mas mil vezes pior.
Se eles se enfrentassem, os Nors perderiam… ao menos era isso que eu pressenti…
— Então, como vão as preparações? — perguntou o homem, sua voz macia como ceda. — O Mestre deseja saber quando poderemos queimar Juvicent.
Pera… o que?
— Estão indo. A droga que seu grupo está distribuindo está deixando a polícia ocupada. Graças a isso, podemos caçar livremente.
Eles estão agindo juntos? Não, não pode ser… humanos e Nors nunca trabalhariam em equipe, né? Além disso, eles estão caçando? Então é por isso que aquele Wendigo…
— Devo admitir que você e seu grupo são estranhamente eficientes… Nunca achei que conseguiríamos todo o terreno que a droga nos deu… O que me leva a perguntar, por quê? Por que traíram sua espécie?
Um silêncio permeou o lugar, a tensão se tornou densa. Quando achei que lutariam, senti alívio com a resposta do homem.
— Isso não é da sua conta. Também não sou eu que posso responder. Se quiser, terá que perguntar diretamente ao mestre…
— Claro, claro… quando o Moedor quiser aparecer no meu quarto, diga que é bem-vindo. — A resposta caustica criou um silêncio longo e senti que ambos se preparavam para algo. — Falando nisso… até quando vai se esconder aí, Lewnard Hollick.
Após falar isso, senti um calafrio na espinha e pulei para fora da neve, algo que se provou o correto com o barulho de tiro que se seguiu.
Apontei minha mão para o grupo e estava para disparar o canhão. Claro, talvez não mate os Nors, mas pelo menos conseguiria eliminar os humanos… relaxei meu corpo por um momento apenas… um único momento.
O mais perigoso dali, aquele homem, desapareceu da minha vista e eu senti uma enorme dor no estômago. Minhas costas impactaram com algumas árvores e as atravessaram. Antes que pudesse levantar, ouvi o barulho de tiros e então uma leve dor, que desapareceu instantaneamente.
Olhei para meu corpo e vi os vários dardos ali. Senti minha consciência escapar enquanto olhava para o homem que me derrotou em apenas um segundo.
A face dele… o cabelo também… me lembram… o… rei…
Sim, terminaremos num cliffhanger porque eu sou um desgraçado.
Bem, como puderam ver, as coisas mudaram um pouco. Agora não são só Nors que são o inimigo e espero que essa mudança seja bem-vinda.
Sobre o Lewnard, eu poderia dizer o que vai acontecer com ele, mas isso seria Spoiler, e odiamos Spoiler, não é mesmo.
Com isso dito, entrem no meu server para receber anuncios e ofertas de capítulos extras:
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Até um próximo dia.