Dualidade Brasileira

Autor(a): Pedro Tibulo Carvalho


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 18: No caminho para a Montanha Nevoenta, parte 1

A Montanha Nevoenta era um território proibido para humanos, desde os comuns aos usuários de Energia. De fato, as áreas seguras de Juvicent acabavam no vigésimo distrito.

Depois dele, havia apenas dois tipos de escória. Ladrões e assassinos. Eles eram pessoas que dominavam as ruas ao ponto que a polícia se recusava a chegar perto daquele lugar.

Como se não fosse o suficiente, até mesmo alguns bruxos tinham receio de entrar na Montanha Nevoenta devido ao número absurdo de Nors.

— Deixa eu ver se eu estou entendendo… — Olhei profundamente nos olhos de Zozolum enquanto sentia as minhas chamas querendo explodir. — Lewnard esteve partindo em busca do Xamã e você não estava fazendo nada para ajudar?!

O imperador das sombras apenas bebericou um pouco mais de seu café e olhou fundo nos meus olhos. — Sim. Não, o que fazer. O selo, impede, ajudar.

É… é mesmo. Quando paro para pensar, Zozolum é um dos, se não o bruxo mais poderoso do mundo. É dito que sua força é tamanha que, se ele entrasse na guerra, não haveria mais um único Nor vivo depois de alguns anos.

Havia, contudo, um motivo para ele não entrar na guerra.

Ninguém sabe com exatidão o que o Selo que ele guardava com tanto zelo fazia, o que estava por trás dos portões do inferno… Apenas sabíamos que ele não podia desperdiçar sua Energia Astral, se não, esse alguém seria liberto.

Acho que é esperado. Zozolum viveu mais do que todos os humanos da atualidade, sendo contemporâneo dos primeiros portadores. Ele devia estar velho e acabado, mas mostrava uma face juvenil e serena.

Isso se dava devido ao controle que tinha do fluxo de Energia Astral ao redor do corpo dele. Por isso que ele continuava firme e forte, apesar de velho.

— Isso, lembra. Será, pode ir e manter, olho, Lewnard?

— Sim… óbvio que estou a poder — respondi, saindo da sala. Lewnard era como um irmão para mim… nunca que eu vou deixá-lo morrer.

Abri a porta do escritório de Zozolum e me deparei com a última pessoa que eu esperava encontrar.

— Mas Você…

— Não há tempo… se quer ajudar Lewnard Hollick, venha comigo.

 

Após impedir a execução, peguei o primeiro elevador possível e fui para o décimo nono distrito de Juvicent.

Para minha irritação, o vigésimo não tinha um sistema de teleporte devido a falta de policiamento nas ruas. Eram poucos loucos o suficiente para trabalharem como policiais naquele lugar.

Correr por um distrito inteiro seria, normalmente, um passeio no parque. Contudo, atravessar vinte deles enquanto tenta não chamar atenção para si e evitar confronto era difícil.

— Você… — Quando estava no vigésimo quarto, uma mulher se aproximou de mim. Ela tinha cabelo e pele suja, com olhos vazios e não havia nada cobrindo suas intimidades. — Socorro…

Arregalei os olhos ao ver uma mão enorme agarrar sair da névoa e agarrar o crânio dela. O sangue corria solto e os gritos dela cessaram após a cabeça ser esmagada.

Droga, pensei enquanto me afastava, onde eu tava com a cabeça? Como não senti algo desse tamanho na minha frente?

Olhei profundamente através da névoa enquanto permitia a Energia Astral percorrer meu corpo. — Faminto… — Dois faróis verdes se acenderam por trás da cortina e a mão tentou me agarrar.

Desviei com um salto e reforcei meus olhos. Havia uma silhueta ali, grande. Quase do tamanho de um apartamento de dois andares. Tinha pelagem cor de grama e dentes serrilhados.

Um Wendigo? Por que ele está aqui?

Desviei da mão do monstro novamente enquanto reparava na ausência de vida humana no local. Normalmente, haveria pelo menos uma ou duas presenças próximas, mas aqui… não tinha ninguém. Era mais como um deserto onde só havia eu e o monstro.

Será que ele devorou todos os habitantes? Não… algo assim seria noticiado e os membros da polícia secreta resolveriam…

Droga… não tenho tempo para isso! Preciso ajudar minha irmã… eu sei disso, mas…

É parte do dever sacro de um Portador servir como um pastor e manter a inocência de suas ovelhas… E esse monstro é, sem dúvidas, um lobo bem grande.

Tenho que matá-lo e rápido. Ele já tomou vidas o suficiente…

Pulei em direção ao estômago do monstro, a energia fluía do meu punho com incrível facilidade, mas…

— Não hesite! — Ouvi o espectro gritar enquanto lembrava das memórias de Lumis. — Desvie!

Fiz como ordenado, escapando por pouco da mão do monstro. Olhei para o abdômen dele e grunhi irritado. Aquele soco devia ter ao menos feito algum efeito, mas não era visível.

Droga, pensei enquanto desviava dos pés. Eu estou simpatizando com esses monstros? A imagem de minha irmã veio até mim e olhei para os olhos verdes da aberração a minha frente.

Será que você também foi um humano antes? Ou nasceu nessa forma? Acho que, no final, não importava.

No momento, era uma ameaça e precisava ser eliminado. Não pense em mais nada. Não pense em sua irmã, em Lumis, esqueça tudo e vire a perfeita ferramenta para o trabalho…

Pulei e dei mais um soco, dessa vez sem hesitação. Um rugido de dor e agonia foi ouvido e eu relaxei por um instante…

Isso foi tudo que o Wendigo precisou.

A sombra cobriu meu corpo enquanto ainda estava no ar, a criatura me segurou firmemente. Tentei me desvencilhar mas não consegui.

Ele me trouxe à frente do rosto dele e abriu a enorme boca. O medo começou a consumir meu coração e eu tentei me soltar, conseguindo tirar meu braço esquerdo dali… e quando eu o fiz, senti uma forte dor nas costelas e criei uma película de Energia ao meu redor.

Isso é ruim… ele tá tentando me esmagar…

Olhei no abismo atrás dos dentes. Era um espaço pequeno, mas que, sem dúvida, conseguiria me engolir. Merda… para…

Não sou presa para morrer assim!

Ele estava para trazer a mandíbula sobre meu corpo. Segurei o vômito que o cheiro daquele lugar trazia e empurrei os dentes para cima. Eles eram afiados o suficiente para perfurar minha carne…

Isso… dói…

O aperto dele afrouxou e eu apontei minha mão direita, agora solta, para dentro do abismo enquanto relaxava meu corpo. Se é assim que você quer brincar, vou te dar algo que vai te dar uma bela de uma indigestão, seu porra…

— Gah! — Mesmo ali, não tinha pausa. O monstro sentiu o que eu ia fazer e apertou ainda mais meu corpo. Senti o gosto de sangue na língua e minha visão ficou turva por um momento.

A dor no meu braço, contudo, não me deixava cair. Eu vim aqui com um objetivo e não vou morrer até que tenha o cumprido. Se eu não posso deixar fluir do meu corpo inteiro… então que seja de uma pequena parte…

Relaxei o direito enquanto deixava uma pequena esfera de energia ser formada ali. O aperto voltou ainda mais forte e senti os dentes dele tocarem os meus ossos.

— Volta pro inferno, filha da puta — disse, deixando a energia sair numa pequena explosão que queimou o interior do monstro. Ele me atirou para longe enquanto tentava em vão apagar o fogo. Como não havia água por perto, a conclusão final era óbvia…

Ele apenas caiu depois de alguns minutos, como uma marionete sem fios.

Tentei me levantar mas a dor e a tontura me colocaram no chão novamente. Merda… tossi um pouco de sangue e forcei meu corpo a levantar.

Segurei meu braço e foquei a Energia Astral ali para curar o membro. As feridas eram profundas o suficiente para quebrar os ossos.

O Diário flutuava ao meu lado enquanto costurava os tecidos rasgados. Vai demorar um pouco para eu conseguir lutar no meu máximo.

— Sinceramente… é por isso que eu te chamo de idiota. Porém, devo dizer que fez um bom trabalho protegendo a cidade. Muito bem, idiota.

— Seu… — Antes de começar outra discussão, eu percebi algo. Não… isso não pode ser… — Só pode ser piada…

— Bem, isso é certamente um problema.

— Mas não me diga!

Vários Nors se aproximavam. Não tenho certeza de quantos devido a força deles… cada um deles… tem o mesmo poder do Wendigo.

Engoli em seco e estava pensando numa possível rota de fuga quando lembrei o que estava atrás de mim. Minha cidade natal, cheia de pessoas importantes, pessoas que não tinham nada a ver com isso.

Não… não posso deixar que eles sejam mortos.

Levantei-me e olhei para o céu. Para minha irritação as várias nuvens cobriam a lua. Com isso, nem ao menos dava para ver quão próximo estávamos do amanhecer.

Será que eu vou morrer sem sem saber se teria outra alternativa?

— Serei sincero… você vai morrer se ficar aí… Ao menos, é isso que eu diria antes de te conhecer.

— O que quer dizer?

— Que você é estúpido demais para entender o conceito de morte — disse, com um tom presunçoso. É sério que ele vai continuar me insultando até mesmo agora? — Você não vai morrer, nem vai desistir. Não passa de um imbecil estúpido…

— Não sei aonde quer chegar, mas… — Permiti que a Energia Astral rodeasse meu corpo e crescesse em tamanho conforme as sombras se aproximavam. — Vou levar isso como um elogio.

 



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