Dualidade Brasileira

Autor(a): Pedro Tibulo Carvalho


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 17: O salão de execuções

— Então, qual o plano? — Ouvi Kruger perguntar mas não respondi. Eu sinceramente não tinha um plano concreto para isso. Por mim, só entrar lá e tirar minha irmã já é o suficiente. — Por favor, você só pode estar brincando.

Ele lê mentes também? Cara, essa habilidade parece ser mais comum do que deveria… acho que eu devia tentar aprender a fazer isso. — Olha, não pensei nisso direito. Eu só me importo com a segurança da minha irmã, vocês podem cuidar do resto.

Os dois me olharam com nojo e o mais velho suspirou. — Você é tão parecido com seu pai em alguns aspectos, mas tão diferente em outros que chega a ser bizarro — sussurrou.

— Bem, desculpa se herdei os traços ruins do meu velho, só saiba que não vou mudar para agradar você. — Nisso, demos de cara com a porta e eu a empurrei, entrando no salão.

Não havia ninguém ali, ao menos não nas cadeiras. Eram numerosos os acento, cada um para o líder dos clãs e alguns acompanhantes que podiam trazer. Olhei firmemente ao redor e me deparei com uma cruz.

Senti um ódio imenso ao imaginar minha irmãzinha ali, com as mãos e pés pregados, como um tipo de mártir. Não… não vai acontecer. Eu não vou deixar.

Bem, só tenho que convencer eles que vou achar uma cura, não é? Como será que eu vou fazer isso? Agora que eu parei para pensar, não tenho a menor ideia do que eu posso fazer para ajudar minha irmã… Bem, isto é um problema para depois, eu acho.

Sentei numa das cadeiras e esperei. Só tenho que aparecer e tirar ela de lá, matando qualquer um que fique no meu caminho.

Enquanto esperava, vi as cadeiras sendo preenchidas lentamente. Vários nobres começaram a aparecer e eu não pude deixar de notar o quão indiferentes eles pareciam com tudo isso.

Vermes de merda, pensei que ao menos haveria alguém com uma consciência entre eles, mas não… eles só tratavam essa ocasião como um dever, alguns indo longe o suficiente para formar conexões.

— Cara, dá pra acreditar nisso tudo? — questionou um nobre ao meu lado, olhando para mim com um sorriso amistoso. — Quer dizer, tenho pena da garota, mas mesmo eu tenho que agradecer a oportunidade de um membro de uma família pequena como a minha de vir aqui…

— É mesmo? — Segurei minha raiva enquanto ouvia o tolo falar. As portas do salão se abriram e diversos guardas entraram, com alguns escravos carregando uma grande gaiola.

Olhei de relance para lá e vi minha irmã, vendada e com o corpo acorrentado. Nem ao menos trocaram as roupas dela, então ainda havia uma enorme mancha de sangue ali.

— Então essa é a filha de John Hollick? Pensei que era mais velha.

Não respondi. Devo admitir que mal ouvi o que ele falou, apenas me concentrei na minha irmã. Após descerem a cela, os escravos foram dispensados e os guardas a tiraram dali. A coitada parecia assustada demais, sem entender o que acontecia.

— Bem, é uma pena para ela, mas acho que nós, membros de famílias menores, temos que nos unir. O que acha de, depois da execução, irmos falar com o líder dos Hollick? Soube que ele estará aqui…

Ele acha que eu faço parte de uma família menor? Estranho, mas esperado. Um traço dos Hollick é o cabelo platinado, bem diferente do meu, que era um loiro berrante. Olhei para o velho decrépito, na parte mais alta da arquibancada.

Meu bisavô tinha um sorriso irritante no rosto.

— Ei, está me ouvindo? — O nobre me chacoalhou e eu olhei para ele. — Ei! Qual a desse olhar? Sabe quem eu sou? Meu nome é Julius Narla, o herdeiro dos…

— Cala a boca.

Levantei-me e fui em direção a cruz. Minha raiva aumento quando vi o executor pregar as mãos de Grace ali.

— Ei, aonde você vai?

O grito do palhaço atraiu olhares de alguns nobres, e os sussurros começaram a percorrer a arquibancada, até chegarem na área VIP. Olhei bem nos olhos do meu bisavô enquanto descia e vi uma fagulha de irritação ali.

— Ei, não pode entrar aqui!

Dois seguranças foram me impedir, mas assim que tentaram, eu dei um Jab na mandíbula de cada. É dito que, se um ataque for rápido e forte o suficiente, pode chacoalhar o cérebro de um humano, deixando-o sem equilíbrio.

Meus punhos, mesmo sem Energia Astral, tinham uma velocidade absurda, do tipo que deixaria lutadores profissionais impressionados… Dito isto, o corpo dos guardas cair era apenas uma conclusão natural.

Passei pela cerca e vi outros guardas indo contra mim. Esses já ativaram a conexão deles, o que era preocupante. O murmúrio dos nobres aumentou.

Assim que eles estavam perto, deixei a minha conexão com o Diário aparecer e, com um soco no estômago de cada, deixei-os caídos de joelhos.

— Esse cheiro… — Ouvi Grace sussurrar fracamente. A dor na voz dela cortou meu coração, mas tentei não deixar a tristeza transparecer no meu rosto. — Irmão?!

— Oi, Grace… vim aqui te buscar. — Gentilmente, comecei a tirar os pregos que a prendiam na cruz.

— O que pensa que está fazendo, Lewnard?! — Meu bisavô gritou do pódio onde estava, pulando para baixo e olhando para mim com claro ódio.

— Protegendo minha família!

— Seu pivete! Ela deixou de ser sua irmã no momento que se tornou um Nor.

— Mentiroso! — gritei, irritado. Nós dois trocamos olhares e nossas Energias aumentaram e muito o volume. — Minha irmã ainda não se tornou um Nor! Ela ainda pode ser salva!

Murmúrios começaram a preencher o salão, dessa vez mais altos. A atenção de todos agora estava em nós dois.

— Você pretende salvar essa coisa? Você?! O fracasso dos Hollick?

— Sim.

A minha resposta não carregava dúvidas, algo que pareceu irritar em muito o líder. Com calma, tirei o Diário de dentro do uniforme e permiti que ele flutuasse perto de mim. Podia sentir a surpresa dos nobres.

Bem, acho que o tempo pacífico que eu e Grace passamos teve seu custo. Quer dizer, esse bosta claramente escondeu a existência do Portador de Davi.

— O que vai fazer?

— Vou te dar um ultimato. Não só a você, como a todos aqui presentes… — Sorri com clara crueldade enquanto olhava para os nobres ao redor. — Como sabem, o Diário de Davi é um dos mais antigos, além de ser o segundo selo que guarda o Plano Astral… então, imaginem que desgraça seria se eu o queimasse aqui e agora?

Senti o choque em todos ali, inclusive em Grace, que parecia dividida entre protestar e chorar de emoção.

— Se eu destruir Davi, o selo se rompe, e se o segundo selo se romper, todos os outros caem… sabem disso, não é?

Era conhecimento comum que havia dois Diários de extrema pureza, que carregavam quase todo o poder dos diários de segunda geração. É dito que esses dois não devem se dividir nem serem alterados. Todos os outros da terceira geração eram descartáveis quando comparados aos Diários de Davi e Gabriel.

Um era o Diário híbrido que mais herdou características de Sete e Enos, e o outro era o Diário que conectava o homem com Deus, o Diário das Almas e Zênite.

Se a humanidade perdesse um desses, qualquer que fosse, seria o fim de tudo. Em suma, a humanidade inteira era minha refém nesse momento e os nobres sabiam disso.

— Seu…

— Isso é loucura!

— Tudo isso só para proteger um monstro?

— Você não é um Portador?

Ignorei os gritos e berros daqueles ao meu redor. Não passavam de ovelhas que seguiam um pastor… e esse mesmo estava me fulminando com o olhar.

Ficou quieto por alguns segundos, deixando as pessoas ao redor gritarem. Senti a visão de Edwars e Kruger, ambos prontos para caso aconteça alguma coisa.

— Você… pretende assumir a responsabilidade por ela? Se ela se tornar um monstro, você poderia a matar? Se ela devorar crianças e os pais a matassem, você a protegeria? Ou vai desrespeitar até mesmo o dever sacro de um Portador?

A voz era estranhamente calma e eu tive que calcular bem o que diria a seguir. — Eu vou achar uma cura… Não vou deixar que ela vire um Lobisomem.

— E como vai fazer isso?

— Bem, eu…

Droga… o que eu digo? Não tinha pensado em nada além dessas palavras. Meu silêncio pareceu enfurecer o velho mais e mais, mas antes que algo ruim acontecesse, Kruger interveio.

— Há um Xamã na Montanha Nevoenta. Ele mora além do vigésimo distrito… ninguém jamais conseguiu confirmar a existência dele, mas, dizem que ninguém sabe mais de venenos e infecções do que aquele homem.

Bem, eu aprecio a intervenção dele, mas bem que ele podia ter me dito algo assim antes! Com um suspiro, voltei o olhar para o líder.

Contrariado, ele suspirou. — Certo… te darei um mês.

Sorri, aliviado. — Ouviu isso, irmãzinha? — disse, tirando a venda dos olhos dela. — Seu irmão vai te ajudar, só espera um pouco.

— Enquanto está longe, Grace Hollick ficará sob a custódia do conselho dos clãs. Todos a favor?

Ela ficou quieta e olhou para baixo, triste. — Juro que vai ficar tudo bem.

Com isso feito, saí do salão, vaias e olhares incrédulos me seguiam, não me importei. Agora eu tenho um objetivo, então só preciso cumprir ele.

E eu sempre cumpro minhas promessas.

 

 

 



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