Dualidade Brasileira

Autor(a): Pedro Tibulo Carvalho


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 16: Kruger Hollick

Kruger Hollick…

Na família, aquele nome era importante. O tio avô era o terceiro mais importante da família, ficando atrás de um primo de segundo grau e, é claro, o líder da família.

Quis perguntar o que íamos discutir, mas Edwars já estava me puxando.

Kruger era alguém difícil de lidar. Sempre teve inveja de meu pai, visto que era ele que herdaria o Diário caso o pai não tivesse sido aceito no seio da família principal.

Desde que eu o conheço, ele sempre foi alguém ardiloso e manipulador, jogando no lado que o beneficie mais. Um verdadeiro político.

Não entendo no que ele pode ser útil nessa situação. Alguém como ele, sem nenhum princípio ou valor, nunca vai ajudar alguém como eu.

O que ele ganharia? E o que Edwars via nele? Não faz sentido algum, mas… eu quero acreditar nele. Não… eu tenho que acreditar nele.

Esse cara é o único que está do meu lado no momento… Não acreditar nele seria injusto.

Cada passo trazia uma memória diferente para minha mente. Meu aniversário de 3 anos, quando comecei a treinar, a primeira aula prática, a decepção do meu clã…

Eu odeio tudo isso, mas me recuso a esquecer. Mesmo que eu não sentisse nada se não desprezo, o passado é importante. Promessas são feitas no passado e são essas promessas que me fazem ser, bem, eu.

É por isso que eu não esqueço, por isso que eu não me permito deixar uma promessa para trás, pois, se eu o fizer…

Sai daqueles pensamentos ao ver a porta aberta e um rosto que esperava não ter de ver nunca mais. Era de um velho, com cabelo prateado e olhos azuis, trajando um manto baio.

Kruger Hollick olhava para mim com uma mistura de desprezo e arrogância. O mesmo olhar que todos os anciões tinham.

— O bom filho a casa torna… Pronto para ver sua irmã sendo executada? — Senti o sangue sendo derramado de minhas mãos. Calma… calma. Você precisa da ajuda dele…

Mesmo que eu duvidasse que ele fosse nos ajudar, podia ver bem o porquê de Edwars querer alguém como ele do nosso lado. Ele poderia nos trair num piscar de olhos, mas também podia nos dar uma ajuda enorme.

Só tinha que não arruinar tudo.

— Se possível, queria impedir isso.

— É mesmo? Eu esperava isso do filho de John Hollick… mas não de você, Edwars. — Kruger parecia desapontado… eles se conheciam? — Que decepção… depois de todo o tempo que investi em você.

— Não confunda as coisas — disse Edwars, sentando na poltrona mais próxima da porta. — Não estou fazendo isso por bondade. Ele me ofereceu um cheque em branco. Achei que gostaria de ganhar um pouco do lucro.

— Se houver lucro, meu jovem aprendiz. Contudo, eu duvido que a vergonha da casa Hollick possa me entregar algo que nós já não tiramos dele…

O sangue começou a jorrar livremente, minha energia pedia para ser liberta. Eu posso acabar com ele rápido. Ele é um político, não um guerreiro…

Tudo que preciso seria um bom golpe no coração… Zozolum já cobriu essa matéria comigo. Se eu acertar o peito com uma onda Astral, posso fazer o coração de um humano parar…

E ele não faz nenhuma questão de parecer receoso. Seria tão fácil que nem graça teria… E o melhor de tudo? A lei não pode interferir, visto que os clãs tem seu próprio sistema de governo.

— Se bem que… sim, tem algo que eu quero. Algo que só você pode me dar…

— O diário — rosnei, irritado com a forma como olhava para mim, procurando o livro. — Pode esquecer. Não me importo de queimar ele ou de jogá-lo fora, mas eu me recuso a dar essa responsabilidade pra alguém da minha família… especialmente se essa pessoa for um verme invejoso.

Demorou alguns segundos para eu perceber a mudança que surgiu no ar. Após eu notar, olhei fixamente nos olhos do meu tio avô. Havia algo lá que eu nunca vi nele… ou em qualquer um dos outros anciões do clã…

Normalmente, eu só veria desprezo, inveja ou indiferença. Eles se achavam tão superiores que me dava vontade de vomitar. Mas… essa foi a primeira vez que eu vi aquela emoção.

Ódio.

Ódio genuíno e cultivado por anos a finco.

Droga… acho que falei demais.

— Você… é igualzinho ao seu pai — disse, o rosto não mostrava nada além de calma. Deu um passo meu minha direção e exibiu sua conexão. — Um pirralho mimado, que ganhou uma responsabilidade maior do que ele jamais poderia aguentar. Que ganhou um direito que não merecia…

— Meu pai foi muitas coisas… — retruquei, deixando minha conexão pronta para caso algo acontecesse. — Mas ele sempre cumpriu com suas responsabilidades.

De relance, vi Edwars se preparando para pegar a espada. Droga… Kruger é provavelmente um tipo de mentor para ele, então não é anormal pensar que ele ficaria contra mim.

Não tenho medo do velho, mas não sei nada do capitão.

— Não entendo o porquê de todo mundo ver grandeza naquele pobre coitado. Ele não fez mais que se meter onde não era chamado. Além disso, ainda teve deslizes no caminho… você e sua irmã são, bem, eram um deles.

— “Eram”? O que está querendo dizer, velho de merda?

— Que ambos morrerão hoje.

Assim que disse isso, ele balançou sua mão, permitindo que a Energia formasse uma espécie de teia. Uma técnica que os Hollick foram presenteados pelos Jugram, anos atrás, e que agora seria usada contra mim.

A rede cobria todas as rotas que eu poderia usar para avançar contra ele e, caso fosse pego por ela, conseguiria me matar com extrema facilidade.

Relaxei meu corpo e deixei minha Energia fluir nas minhas pernas. Com um salto, sai do alcance da rede e, assim que tive certeza que ela não seria um problema, avancei.

— Preguiçoso. — Uma força invisível me segurou. Merda, isso é a Psicocinese dos Hollick? Está num nível completamente diferente do que eu ouvi falar. — Perfeito, agora fique quietinho aí… Edwars, poderia ser um bom menino e me alcançar o vinho que está ali, quero apreciar esse momento.

Merda… merda… MERDA!

Eu não quero morrer… não posso morrer aqui. Mova-se, corpo idiota…

— Edwars? Eu te dei uma ordem.

— E eu escolhi desobedecê-la… Você está cometendo um erro terrível. — Edwars se aproximou de Kruger, que parecia disposto a, ao menos, ouvir o que seu suposto aprendiz tinha a dizer. — Em Juvicent, há um assassino rondando solto. Ele é o tipo de ser que não parará até ter seu objetivo concluído… um que eu tenho certeza que tem a ver com o conselho dos clãs. Ele é forte e esperto o suficiente para não ter sido capturado, mesmo por mim…

— E? Você espera que esse fracote seja capaz de capturar ele?

— Sim.

Ambos se entreolharam de uma forma desafiadora, ambos buscavam explorar qualquer fraqueza na determinação do outro. Mesmo eu podia ver essa luta… assim como o respeito que ambos tinham um pelo outro.

— Bem… que tipo de mestre eu seria se não atendesse um pedido de um aprendiz esforçado como você? Certo… eu vou ajudar, mas quero a mesma coisa que ele te prometeu… um cheque em branco, não… Três. Quero três favores.

Aquilo… era perigoso. Por um lado, teríamos o apoio de alguém influente nas decisões do conselho, por outro… não sei que tipo de coisa esse merda pode vir a me pedir.

Bem, se for pela Grace, acho que não tem problema.

— Certo… Temos um trato, então?

— Ainda não. — A forma como disse aquilo era semelhante a de um predador que encurralou uma presa após horas numa caçada. Com um aceno, ele permitiu que um pergaminho voasse até ele e então me libertou. — Não sei se está ciente, mas não confio o suficiente em você para aceitar apenas sua palavra. Quero uma garantia.

— Que tipo de garantia?

O sorriso ficou ainda mais sinistro. — A vida da pessoa mais importante para você.

— Só isso? — perguntei, assinando o contrato com minha Energia Astral. Estava ciente de como esses contratos funcionavam. Alguns termos eram dispostos para ambos os lados e era preciso aceitação verbal e escrita, com o Plano Astral como testemunha.

Ele pareceu surpreso por um momento mas voltou a mesma expressão de antes. — Que ousado… achei que iria ter o mínimo de hesitação da sua parte.

Estralei a língua, irritado. Sabia bem o tipo de promessa que eu fiz mas não ligo. Eu vou precisar de toda a ajuda possível e a vida de Grace já está na balança de qualquer forma.

Sim… isso é necessário, por mais que não gostasse. Eu manterei minha promessa, sem me importar com as consequências.

— Talvez eu devesse pensar mais nisso… mas não tenho tempo para refletir. A hora de hesitar já passou… agora, vou agir.

Recebi um olhar surpreso de ambos e que logo virou um de respeito. Bem, isso pouco importa. Tenho uma tarefa a fazer e não descansarei até que esteja concluída.

Nós três caminhamos até a saída e fomos para o salão de execuções.

 



Comentários