Dualidade Brasileira

Autor(a): Pedro Tibulo Carvalho


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 14: A determinação para enfrentar a morte

Minha cabeça dói…

Ela dói tanto que mal consigo pensar! Meu corpo tá quente… parece que estou cozinhando em magma…

Meus pulmões queimam apenas por inspirar o ar e algo está amordaçando minha boca… Onde eu estou? Cadê meu irmão?

Eu… eu vou morrer?

Como que as coisas chegaram nesse ponto? Quis chorar, amaldiçoar o Licantropo, a guerra, minha família… tudo culpa deles! Se não fosse por eles, eu não estaria sofrendo…

Eu vou me libertar e rasgar o pescoço de cada um deles. Vou me banhar no sangue dos inocentes… só assim… só assim eu terei paz.

Uma imagem veio a minha mente… Não, não era isso. Está mais para uma memória… Eu lembro desse lugar, desse balanço e dessas árvores.

Eu também lembro dessas crianças… eles eram mais velhos que eu naquela época, acho que tinham treze anos… Minha memória tá embaralhada, mas lembro bem desse dia.

— Essa é a filha do grande Johnathan Hollick? Que piada de mau gosto.

— Bem, ninguém mais vai ver um gênio como ele mesmo. Ainda mais sabendo quem é o sucessor dele.

— Parem de falar do meu irmão!

Eu sempre detestei esse tipo de comportamento. Eles não conseguiam falar o que queriam direto para Lew, seja pelos guardas ou pela rotina de treino que ele tinha…

Não era segredo que todos no clã admiravam e muito meu pai e, por isso mesmo, todos tinham expectativas altas com o herdeiro…

A frustração dos adultos facilmente era transmitida para as crianças, de uma forma ou de outra.

— Que tal ensinarmos uma lição a ela!

Lógico que eu sofreria com isso… se eu tivesse a chance de voltar no tempo, eu com certeza…

— Deixem ela em paz! — Abandonei o pensamento ao ver a memória continuar. É mesmo, ele nunca desistiu de mim… sempre se machucando, sempre avançando em frente…

Não sei o que está acontecendo, mas, pelo meu irmão, vou aguentar essa dor…

 

Dói…

Não consigo sentir nada além de dor. Desde que a luta acabou, só sinto isso. É quase como se meus órgãos internos fossem sugados para fora do meu corpo por um canudinho.

É mesmo… eu disparei o canhão quando estava quase sem energia. No que eu estava pensando? Usar tanto poder é pedir para sofrer o recuo. Mesmo depois de tanto tempo eu ainda sou inexperiente a esse ponto?!

Será que eu vou morrer? Depois de tudo?

— Não… idiotas como você não conseguem entender o conceito da morte, e vaso ruim não costuma quebrar com facilidade.

Merda… ainda tem esse porra aqui comigo. Quis falar algo, mas minha garganta estava seca. Senti a contração da traqueia, quase como se ela tentasse esmagar um pedregulho. Tentei respirar e quase perdi a consciência, mas ela relaxou no final.

Droga… nem responder ele eu consigo!

— Você não consegue fazer nada sozinho.

Cala a boca… eu consigo sim…

— Quando quis salvar seu colega de trabalho, acabou matando-o e precisou que Zozolum viesse ao seu resgate. Quando enfrentou o Ogro, se não fosse a interferência do Weissbreak, teria morrido… e, olha só, tá quase morrendo de novo, mesmo com todo aquele treino. E ainda tem gente que diz que a história não se repete.

Me deixa… não é como se você entendesse. Tenho certeza que era um portador forte no seu tempo… não sabe o que é ser fraco. O que é ser incapaz de mudar a si mesmo, quem dirá o mundo ao redor. Não sabe o que é virar uma noite treinando só para falhar nas tarefas mais simples…

— O que você sabe? — Forcei aquelas palavras para fora e encarei ele. Mesmo com aquela dor, eu não ficaria quieto com ele me humilhando assim.

— Mais do que você poderia imaginar — sussurrou, os olhos ocultos pelo véu me encaravam, dissecando cada parte da minha alma. — Eu vi portadores que tiveram mais dificuldades que você. Vi pessoas que dariam a alma para o diabo só para ter o que você tem. Então me diga, Lewnard Hollick… o que você sabe?!

Senti uma enorme pressão crescer no meu peito com cada palavra dita. Não podia fazer nada enquanto aquela sensação de uma mão gélida esmagando meu coração se propagava no meu ser.

Olhei para ele, que ainda esperava uma resposta… eu não conseguia falar. A dor era tão intensa que mal conseguia respirar…

— Viu… não consegue nem ao menos responder. E não venha me dizer que dói… se isso fosse algo que te impedisse, não faria perguntas cretinas. E então? Qual a sua resposta?

Eu não consigo responder… não consigo pensar. Só consigo sentir aquela dor impossível. Era como se estivesse travado no limiar da vida e da morte, preso numa espiral continua de sofrimento.

Não… não era isso.

Eu conseguia pensar bem claramente. A minha memória me levou ao Licantropo, Lumis. Ele lutou por anos e anos para ser aceito, vivendo no limite entre a humanidade e barbárie…

Eu conseguia lembrar bem do que senti ao ouvir as histórias de Shiki e das similaridades que elas tinham com a minha própria vida…

Eu sabia que Grace também sofreu…

Eu sei que ele tem razão, mas não consigo aceitar. O mero pensamento me enche de raiva, ódio e todo o tipo de sentimento ruim.

Eu não quero aceitar isso. Não posso aceitar isso.

Ele não pode ter razão sobre isso. Caso tenha, eu… caso eu seja o errado…

— Proteja sua família, Lew… — A voz de minha mãe soou, repetindo aquelas mesmas palavras de antes… aquelas que firmaram minha promessa. Que definiram quem eu sou.

Se ele tivesse razão nisso tudo, meu sofrimento será invalidado. Se isso ocorrer, o que isso me torna?

Não… eu me recuso a aceitar isso como verdade.

— Sei o suficiente.

O espectro me olhou e suspirou. Com desprezo, ele disse: — Não, não sabe.

Foi aí que o mundo irrompeu num clarão.

 

Abri meus olhos enquanto via as sombras dançarem. Elas me observavam e demonstravam uma curiosidade que jamais estaria presente com o mestre delas.

Nem precisei olhar para saber da presença dele. Meus sentidos já estavam mais controlados, mas não importava. Duvido que um dia conseguiria ler alguma coisa daquela mente.

— Eu perdi, não é? — murmurei enquanto me levantava. Notei, com certa satisfação, que meu corpo estava melhor do que o esperado. Ainda sentia a dor interna e meus músculos ainda queimavam, mas agora era mais… leve.

Era estranho pensar dessa forma. Eu nem devia estar vivo. Já tive vários encontros com a morte, mas sempre a enganei. Pensei no Diário em minha possessão. Sem dúvidas era um dos motivos pela minha regeneração.

— Curioso, curioso de fato. — A figura do Bruxo apareceu em minha frente e se sentou no pé da cama. — Achei, estaria preocupado, irmã.

Senti a culpa me consumir conforme as memórias me consumiam. — Ela…

— Está viva… Por agora.

Tensionei meus músculos e senti uma enorme dor. Não me importei. Estava claro que meu corpo não estava pronto para que eu me levantasse, mas pouco importava. O bruxo reparou meu olhar e suspirou quando perguntei o porquê.

— Sua irmã, infectada pelo veneno de um Licantropo… ela, executada em algumas horas.

Meu coração parou de bater por um instante. Grace? Infectada? Ela… se tornaria uma Licantropo como ele?

A luta voltou a minha mente enquanto meus punhos seguravam fortemente a coberta. Senti um molhado na minha mão, junto a uma pequena dor, mas não me importei. Estava mais preocupado com um fato e um apenas.

Em questão de horas minha irmã seria executada.

Olhei para o calendário e foquei nas datas. Se meu senso de tempo não estivesse muito alterado devido ao treino na dimensão das sombras, teria se passado apenas 4 dias.

Esse tempo não é o suficiente para que o conselho de clãs decida algo tão abrupto quanto a execução da filha de um Portador…

Não era uma questão de leis, visto que os clãs antecedem a criação de Anjus e são uma organização sem fronteira alguma, logo, não poderia ser uma decisão externa.

Já vi alguns casos onde demoraram mais de alguns meses para decidir algo do tipo. Execução de um membro dos Hollick sem dúvida demoraria mais tempo do que isso…

Minha mente voltou ao líder do clã e senti a raiva crescer no meu interior.

Não, seguramente ele não ousaria…

Aquele velhote tinha um grande respeito pelo meu pai… seguramente ele não colocaria a filha dele em risco…

Uma parte mais cínica da minha mente lembrou que ele nos jogou na rua logo de início. Eles certamente não nos queriam, mas ordenar a morte da minha irmã… E por quê?

A mesma parte lembrou da fama do nosso clã… é mesmo, ele ligava bastante para isso. Todos os cabeças se importavam com isso. Quer dizer, meu pai teve que praticamente manter eu e minha irmã escondidos nas reuniões com famílias importantes.

A vergonha da casa Hollick retorna como uma traidora… que conveniente para eles…

— Não vou deixar — falei enquanto me levantava. O Bruxo ao meu lado não fez esforço algum para me apoiar, ainda que meus pés estivessem cansados e meu equilíbrio estivesse ferrado…

— Sugiro, não compre, briga.

Olhei chocado para Zozolum, aguardando ver alguma pista da piada que acabou de falar, tentava em vão achar algo naquela expressão que indicasse que ele me apoiaria… mas não vi…

Estava sozinho.

— Ela é minha irmã… Fugir está fora de questão.

Nisso, caminhei até a saída, sem ter uma direção concreta para onde ir. Identifiquei a enfermaria como a que pertencia a polícia secreta e, conforme caminhava, me lembrava mais do lugar.

Já tive vários ferimentos curados nesses corredores.

Ao sair da ala médica, deparei-me direto com o capitão do esquadrão da meia-noite.

— O que está fazendo fora do quarto? — Vi ele me olhando com curiosidade, aqueles olhos eram como os de um legista dissecando um corpo. — As ordens são para não sair dali.

Grunhi mas avancei contra ele. Tentei passar pelo lado, mas ele pôs o corpo na minha frente. — Quem muito ajuda, não atrapalha, sabia? — Tentei passar pelo outro lado, mas ele me empurrou e, ainda que tentasse ficar de pé, não consegui.

— Patético. Como pensa em enfrentar o conselho de clãs dessa forma? Só vai fazer papel de ridículo.

Aquilo era verdade, mas…

Eu já estava cheio.

Cheio de perder.

Cheio de fraquejar.

Cheio de ter gente me dizendo o que fazer, quem eu devo ou não devo salvar.

— Eu não me importo! — rugi, ignorando a dor enquanto levantava. — Deixe que eles pensem que sou fraco, que sou inútil. Sempre pensaram assim mas nunca me incomodaram. Agora, eles estão ameaçando uma pessoa importante pra mim… Não posso deixar que fique assim!

Os olhos dele se estreitaram e ele me puxou para perto dele, permitindo que eu pudesse encarar bem aquele carmim. Era como o mais sagrado vinho, com uma única fenda em cada. Senti um calafrio me percorrer mas não desviei o olhar.

— Você não tem medo?

— De quê?

— O Mestre da casa Hollick me avisou que você tentaria interromper a execução… e me permitiu usar força letal contra você… não teme a morte?

Aquilo causou mais um choque em mim. Eles estavam tão desesperados assim para apagar a mancha que nós somos ao ponto de me ameaçar? De ordenar que alguém mate o portador de Davi?

Não… não importa.

Empurrei-o para longe e lembrei dos ensinamentos do Espectro. Pare de pensar… a hora de hesitar já passou!

Apenas decidi agir e confiar nos meus instintos.

— Se quer me matar, pode vir — disse, sem medo algum. Assim que vi ele segurar o cabo da espada, fiz meu Diário flutuar para perto de mim. Hora de ver se isso vai funcionar. — Só saiba que, se eu morrer, vou ter certeza de queimar o diário antes.

Os olhos dele se arregalaram e a mão que segurava a espada fraquejou um pouco.

— Você não ousaria…

— Pode apostar a humanidade inteira nisso? — sussurrei, aproximando minha mão, coberta de energia, à capa do Diário. — Sem minha irmã, esse mundo não tem sentido algum para mim… então me diz, por que eu devo me importar com ele se o desejo desse mundo é tirar a minha única fonte de luz de mim?

Ele me olhou, incrédulo. Ficou sem reação por alguns minutos e largou a arma. — Você é louco, sabia disso? — A voz saiu um pouco acima de um sussurro.

— É, já me disseram isso. Então, qual a sua resposta? — O capitão afrouxou a postura e saiu da minha frente.

Sim, era isso que eu esperava.

Havia uma razão para os Diários serem protegidos. Uma bem simples.

Eles funcionavam não só como potenciadores para os Portadores, mas também como uma forma de segurar o Plano Astral e o manter fora do nosso mundo…

Esses selos foram enfraquecidos devido a quantidade absurda de mudanças nos Diários e, justamente por isso, o Plano Astral, lugar onde todos os Nors mais fortes estavam presos, estava prestes a se fundir com o Plano Material.

Sem o Diário de Davi, um dos mais antigos selos ainda existentes, o mundo queimaria com a invasão de Nors capazes de destruir continentes inteiros.

Por isso que eramos treinados e protegidos, para ter certeza que esses selos não sejam rompidos.

Enquanto caminhava, ouvi um suspiro vindo dele. — Você… não vai conseguir nada sozinho. — Olhei de relance para Edwars, que parecia ter envelhecido um pouco. — Se falhar, vai ameaçá-los como fez comigo e isso só vai trazer problemas… vou com você… e terei certeza de adiar a execução… ao menos até achar uma cura.


Bem, vamos ao básico. Deem uma olhada na minha outra Novel, A Lenda do Destruidor. 

 

Também quero lhes contar que tenho um server do Discord onde posto novidades e socializo com meus leitores.

https://discord.gg/mJMfvC6U
Deem uma olhada, caso queiram.

 

Com isso, até um próximo dia. 



Comentários