Dualidade Brasileira

Autor(a): Pedro Tibulo Carvalho


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 9: Treino ante as Sombras, parte 2

Com um suspiro pesaroso que comecei a mover minha energia interna enquanto relaxa todo o meu corpo. Enquanto podia parecer uma solução simplista para liberar a massa de energia presa atrás dos meus músculos, aquilo era extremamente perigoso.

Todos os outros usuários de Energia Astral tinham um corpo normal e que podia fluir aquilo para fora. Os músculos não deviam bloquear a energia e forçar um resultado deles poderia ser desastroso.

Por isso eu tinha que me acalmar e me mover com calma. Soltei o ar dentro do meu pulmão enquanto sentia os músculos do braço e pernas amolecerem. A sensação me lembrava vagamente de cair no sono, quando tudo que estava pesado de repente fica mais leve.

Limpei minha mente e deixei meus sentidos se expandirem. Uma imensa pressão foi livrada dos meus ombros conforme o poder que segurava dentro de mim saia de dentro. Ao abrir os olhos que eu notei a diferença entre agora e antes.

Onde havia escuridão e uma pequena iluminação agora tinha um enorme farol iluminando tudo numa luz ametista. Tentei guiar aquela luz para meu punho e moldá-la numa esfera mas não tive sucesso.

Era tanta energia, tanto poder, que nem dava para se concentrar direito. Forcei a Energia Astral a me obedecer e comecei a notar como uma massa de poder se formava em minha mão.

A esfera cresceu a um nível preocupante. Ficou grande o suficiente para parecer uma daquelas bolas de praia que eu vi na TV, uma vibração percorria a superfície enquanto sentia minhas veias pulsarem e queimarem com todo aquele poder na minha disposição.

A Energia Astral era a materialização do Plano Astral no nosso mundo. Uma energia que simbolizava as leis da natureza elevadas a um nível descomunal.

Se a Lei da Inércia ditava que um corpo não pode se mover sozinho e necessitava de outro para altera seu estado inicial, a Energia Astral seria tão dura e indivisível quanto um átomo e a introdução de outro elemento, um capaz de alterar a condição inicial dela, criava uma reação semelhante a bomba atômica que varreu Kryste do mapa mundial.

Nesse caso, a lei que eu experimentava era o Princípio da Impermeabilidade da Matéria. Se dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo, a Energia que trazíamos para o mundo buscava ser liberta pois não podia ser contida devido à quantidade que tinha.

Junte isso a Lei de Gravitação de Massas e de Ação e Reação e você tem uma energia que consume tudo ao redor. Essa era a base do Canhão Astral, a técnica padrão de todos os Portadores que vieram antes de mim. E era também a técnica que acabei de executar.

Com um grito assustado, mirei no primeiro ponto que conseguia ver e deixei aquela enorme quantidade de poder escapar. Ouvi que aquela energia era capaz de destruir cidades inteiras se não fosse detida ou consumida, além da radiação deixada por ela contaminar a área ao redor.

Por isso que fiquei tão surpreso quando um portal apareceu e começou a absorver a energia. Era surreal que alguém conseguisse conter aquele nível de poder, mas o vento resultante das duas energias conflitantes me forçou para trás.

Só pude ver o resultado quando o brilho ametista diminuiu e, no lugar da massa de poder, estava Zozolum, sua mão esticada como se segurasse algo. Antes mesmo de processar o que vi, o cansaço começou a tomar conta do meu corpo.

 

Quando acordei, notei também o quão macia era a superfície em que estava. Para meu corpo arrebentado e exausto, sair era uma tarefa impossível, mas perseverei. Notei que a cama era feita de sombras, que acariciavam meu corpo e invadiam minha mente com palavras doces, pedindo que eu descansasse.

Meu olhar caiu sobre Zozolum, que parecia estranhamente quieto. — O que houve…

O homem suspirou e forçou as sombras a retrocederem. Vendo isso, pus-me de pé e o encarei com dúvidas. Notei o quão relutante ele estava em falar, quase como se tivesse dúvida do que aconteceria a seguir.

— Você disparou um Canhão Astral… e um bem forte — disse enfim e mostrou a mão esquerda. Imediatamente senti uma forte ânsia de vômito. Aquilo mal podia ser chamado de um membro, invés disso, parecia mais um amontoado de carne queimada, com as veias pulsando e alguns pedaços de osso visíveis. — Se fosse alguém menos capacitado na Abjuração, sem dúvida teria morrido.

Aquele ferimento não era normal e demoraria para sarar. Mesmo um Bruxo como Zozolum não poderia manipular os ferimentos enquanto ignora a radiação originada da Energia. Só o meu Diário tinha tal poder.

O meu mentor era conhecido como o Imperador das Sombras e deus da Abjuração por ser aquele que está no topo em ambos os campos, seja em Magia Sombria quanto manipulação espacial. Não havia ninguém que superasse ele nos campos de especialidade que tinha. Era até mesmo possível que não houvesse um Bruxo mais forte que ele…

Então ver aquele machucado foi chocante para mim, que cresci ouvindo as proezas dele. — Então, você aprendeu a usar mais da sua conexão… vamos ter que exercitar isso. Consegue me dizer o que mudou no seu método?

Engoli em seco ao perceber o que ele deixou subentendido. Havia um método que minha família criou para manipular a Energia Astral e era diferente do que eu tentei… logo, dizer que um método era meu implicava que ele sabia bem que eu mudei algo naquilo.

Mentir não me levaria a lugar algum. — Enquanto meditava, notei como minha Energia estava dentro de mim… como um turbilhão descontrolado. Naquele momento eu percebi o motivo do porquê eu não conseguir controlar meu poder. Se eu liberar isso sem um preparo, meu corpo quebraria… aí, eu apenas relaxei os músculos do meu corpo e deixei a Energia dentro de mim fluir para fora…

Enquanto falava eu notei como Zozolum parecia mais e mais incrédulo. Ao acabar a explicação, ele ficou quieto, com um ar solene se instalando ao redor. Havia algo que estava escondendo de mim, não sei bem o que era.

— Você tem uma conexão muito mais forte do que eu esperava… acho que devemos nos focar em aumentar a circunferência do controle…

— Circunferência?

Aquilo trouxe a atenção dele de volta. — É um termo que nós, Bruxos, usamos. Pense no oceano, uma piscina e um copo. O oceano é o Plano Astral, a piscina é o quanto sua conexão aguenta e o copo é o quanto você tem controle sobre a energia dentro da piscina. Quando falamos em circunferência, nos referimos ao copo.

Sempre achei incrível o quanto os Bruxos sabiam sobre o Plano Astral e só agora comecei a apreciar isso. Eles eram os principais cientistas e estudiosos que levavam essas áreas a níveis que apenas gênios podiam compreender. Seja estudos de tecido de realidade como criação de pseudo-vida.

Eram assuntos que eu jamais conseguiria entender, por isso, preferia ficar apenas no básico. Como consequência, só conseguia sentir gratidão pela existência deles nesses momentos únicos.

— Você gostaria de aprender Bruxaria? — perguntou Zozolum, mudando de assunto.

— Acho que seria algo útil, mas não vou me aprofundar muito nisso… — respondi enquanto lembrava da minha situação atual. Como um Portador, minha expectativa de vida já não era das mais altas, se eu perseguir uma carreira como Bruxo, é provável que não chegue aos meus 25.

Afinal, todo conhecimento tem um preço e a busca eterna que eles estavam acaba trazendo inimigos de todos os lados. Essa é uma das razões pelas quais eu não me sinto confortável com minha relação atual com Zozolum.

Alguém tão poderoso como ele e que viveu tanto deve ter vários inimigos difíceis de lidar, e agora não tenho mais a proteção que meu pai me deixou.

Lembrei de Shiki e do laço que tinha com ele. O albino era alguém odiado pela própria família e claramente tinha mais inimigos que alguém da idade dele devia ter. Ser visto com ele seria uma escolha ruim, mas… acho que não consigo me imaginar deixando ele de lado.

Tenho muitas dividas a pagar, e Shiki e Zozolum sempre estavam do meu lado. Claro que o meu mentor tem seus segredos, todos tem, mas eu quero tentar confiar nele ao menos uma vez.

— Uma pena. Alguém com suas reservas atrairia muita atenção mas, como um Bruxo e meu aprendiz, é bem mais difícil que você acabe numa mesa de experimentos. — Suspirei com a franqueza dele. Tinha seus prós e contras, e eu entendia que a oferta que me foi dada era algo que muitos matariam para receber, mas aquela não era uma decisão só minha.

— Podemos apenas voltar para o treino? — perguntei e recebi uma afirmativa. Comecei minha jornada para aumentar meu controle enquanto aprendia mais do Diário de Davi e de minha herança.

Acho que os dois meses se passaram rápido e me senti pronto para tudo. Meu mentor sentia que não estava pronto ainda mas ele prometeu que me daria as coordenadas onde o Nor estava, assim como autonomia total para o perseguir.

Dessa forma, ainda com a circunferência relativamente pequena, fui salvar Grace.



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