Dualidade Brasileira

Autor(a): Pedro Tibulo Carvalho


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 6: O Ogro

Sai do orfanato em busca da minha irmã. Ao que parece, ela estava me procurando tem um tempo, por conta do meu aniversário. Os Herdeiros se tornam Portadores ao chegar na maioridade e Grace queria comemorar esse último aniversário que teríamos em normalidade.

Por mais que eu ainda não tenha me tornado um Portador por completo, eu já sou parte desse mundo e dificilmente poderei voltar para a sociedade.

É dito que, quando atingem a maioridade, o vínculo dos Herdeiros se torna ainda mais forte e, se o que Zozolum me explicou estiver correto, minha ligação com o Plano Astral será uma das mais fortes em séculos. Mesmo antes ela era poderosa e, agora que meus sentidos estão abertos para a energia, ela está crescendo num ritmo ridículo.

Tudo o que eu preciso para me tornar um dos mais fortes Portadores de Davi é controle, algo que virá com o tempo.

Aquilo arrancou um sorriso orgulhoso enquanto caminhava. Eu ficarei mais forte e usarei meu poder para proteger minhas promessas.

Sorri ao sentir a energia de minha irmã.

Era estranho o fato de que eu sabia como ela era mesmo que não tivesse sentido antes… havia algo naquela energia que era tão… Grace. Não sei explicar e nem acho que um dia saberei.

Fui até onde ela estava, num velho parque onde costumávamos brincar, enquanto lembrava de dias mais simples, um sorriso pintado no meu rosto.

Após uma longa caminhada eu enfim cheguei no meu destino. Como esperava, estava sentada num dos bancos enquanto olhava para baixo, deprimida.

— Grace — chamei enquanto a observava. Tomou um susto e se virou em minha direção com um sorriso que logo se tornou uma carranca.

— Onde você estava? Eu estava preocupada! — Soltei um suspiro com a familiaridade daquela situação. Várias vezes que voltaria para o orfanato, cheio de ferimentos que conquistei em disputas contra outros humanos. Nesses dias ela era uma das poucas pessoas que estavam lá. Sempre me esperando e nunca me abandonando.

Para alguém assim, mesmo sem uma promessa, dediquei minha vida a protegê-la, pois isto era a única forma que alguém como eu podia expressar gratidão.

Sentei-me do lado dela e a puxei para perto, um sorriso satisfeito no meu rosto. Essa poderia ser a última noite que teríamos momentos de paz e eu queria aproveitar ela ao máximo, mesmo que esse direito não me pertencesse.

Não acho que eu mereça tranquilidade mas nunca me considerei alguém justo com outras pessoas, nem comigo mesmo. A verdade era que eu sempre fui egoísta em vários aspectos e ganancioso em tantos outros, prova disso era como eu ainda não aceitava o destino que me fora dado.

Mesmo que não lutasse contra isso, ainda era algo que me causava revolta.

Enquanto pensava nisso tudo, ambos caímos num silêncio agradável. Ela parecia querer dizer algo mas não sabia como expressar aquilo, enquanto eu fitava as nuvens no céu.

Já era noite e a neblina ficava mais densa e fria. A umidade de Juvicent sempre foi algo sobrenatural, até para meus padrões. Sempre quis saber de onde vinha tanta água na atmosfera, mas nem os cientistas tinham a resposta.

— Quanto tempo você ainda tem? — perguntou-me, os olhos cinza fitavam os meus azuis. Sempre achei curioso as diferenças que existiam em nossas fisionomias. Grace puxou muito de minha mãe, o cabelo loiro platinado era prova disso. Diferente de mamãe, no entanto, era a constituição da minha irmã.

Pequena e sem muita carne nos ossos ela poderia facilmente se passar por alguém 5 anos mais jovem.

— Não tanto quanto eu queria — respondi, lembrando do comprometimento que firmei com os nobres. Tinha jurado que salvaria Elizabeth e eu não quebro minhas promessas. — Em três dias, começarei a estudar a fundo o Diário e suas capacidades… depois desse período começar, não nos veremos por um longo tempo.

Ficou quieta e então seu pequeno corpo começou a tremer de frio. Sorri com aquilo, puxei um cachecol do bolso do meu sobretudo e amarrei o mesmo no pescoço dela.

Enquanto pensava no que faria a seguir, senti uma energia adentrar na área. Era quente e intensa, contendo sentimentos de ódio e desespero… um Nor.

— Grace… saia daqui — sussurrei e me levantei com um salto. Senti o peso familiar do Diário de Davi no meu sobretudo, ansioso para ser usado naquela situação. — Agora! — Minha irmã despertou do choque em alguns segundos e me olhou preocupada.

Eu nunca gritei com ela, o que só deixava mais claro o perigo quecorria.

Após alguns segundos, um homem enorme entrou no meu campo de visão. Tinha em torno de 3 metros de altura, com músculos pulsando e um sorriso psicótico no rosto.

— Oi Portador de Davi! — gritou enquanto corria em minha direção. Assim que estava perto o suficiente, dei um salto para o lado e vi o ataque esmigalhar o banco em que estávamos e rachar o asfalto.

Tomei distância enquanto observava melhor meu adversário e a arena em que estávamos. As árvores criavam uma boa cobertura, mas considerando que Grace foi naquela direção, era melhor eu trazer a luta para um local aberto.

Entrei numa pose familiar de Boxe e me atentei a cada detalhe do homem. Assim que o vi pular em minha direção já me movi para o lado e dei um forte soco no rim, um golpe que nem surtiu efeito direito.

Permiti que a Energia Astral fluísse ao meu redor e, conforme o mundo ficava mais lento, observei meu adversário uma vez mais.

Não tinha nenhuma informação dele, desde sua verdadeira forma até suas forças, não sabia nada. Só tinha uma coisa que me importava.

Esse monstro era o tipo de ser que não evitaria matar crianças para atingir seu objetivo. Enquanto ele estivesse vivo, Grace estaria em risco, e, por isso, só havia uma opção.

O Diário ressoou no meu bolso e me deu ainda mais poder. Não havia outra escolha. Eu não gostava do fato pois matar ainda deixava com um gosto ruim na boca, contudo evitar deixou de ser uma opção no momento em que eu me tornei um Portador.

Com um passo eu estava na frente dele e, com outro, dei um soco carregado de pura energia na boca do estômago. O monstro não entendeu o que aconteceu e apenas foi lançado para longe.

Antes que ele percebesse, dei mais um soco no rosto dele, seguido por outro e mais outro. Estava para finalizá-lo quando senti um enorme perigo vindo de cima.

Coloquei meus braços em guarda e senti um chute quebrar ela. O ataque fora pesado e forte o suficiente para me mandar para longe.

Olhei para a direção do homem enorme e amaldiçoei minha sorte. Afinal eu havia esquecido um fato importante sobre os Nors… eles sempre me atacavam em dupla.

— Fique de pé! — ordenou o segundo, um homem das terras do extremo leste, com roupas de militar e botas de ferro. — Pare de se segurar… é evidente que ele não é o mesmo de antes.

— Eu percebi, seu merda. — Levantou e deu um passo para frente enquanto os músculos se expandiam. A névoa começou a virar vapor e o ar chiava com o aumento de temperatura. A pele começou a ficar vermelha e o tamanho dele aumentou.

— Meu nome é Valak, o Ogro. Lembre-se disso enquanto estiver indo para o inferno, Portador de Davi. — Assim que disse isso, a energia que liberava triplicou de intensidade e rompeu a barreira da carne humana.

O que restou foi uma pele como pedra fervente, as veias brilhavam como magma e os dentes afiados pareciam obsidiana.

Era como se o corpo inteiro de Valak fosse feito do mármore do inferno.

Ele saltou para cima e aterrizou na minha frente, o punho teria me amassado se não tivesse me movido. O calor era intenso e o vento me enviou para longe. Consegui me realocar e correr em direção ao Ogro e, com um pulo, dei um cruzado no rosto dele.

Enquanto ele sentiu o ataque, o calor da pele me queimou. Usei o poder de Davi para me curar enquanto armava outro ataque.

Senti uma dor inigualável no peito.

Em seguida, fui lançado contra a rua enquanto olhava o braço levantado do monstro. Tentei me levantar mas o pé enorme do Ogro me prendeu no chão.

Em seguida ele começou a pisar nas minhas costas, a sensação era como ser acertado por uma marreta de aço quente, várias e várias vezes.

Mantive o controle da Energia Astral. Sabia que se perdesse isso eu morreria.

O maldito pareceu se cansar de pisotear meu corpo e me pegou pelos cabelos enquanto me forçava a olhar no rosto dele. Naqueles olhos vermelhos e brilhantes.

— Sabe, eu sempre gostei de bater nos mais fracos… — disse e, em seguida, deu um forte soco no meu rosto, e então outro e outro. — A sensação de poder é como se eu estivesse gozando constantemente, ao ponto de que é a única razão pela qual eu existo… você entende, né?

Enquanto sofria das várias pancadas, minha visão se tornou vermelha. Não de raiva mas sim pelo sangue que começara a escapar do meu escalpo.

A minha consciência começou a se perder. Os vários socos começaram a tirar a fina camada de energia que me protegia e o próximo me mataria…

Antes que eu pudesse descansar, uma labareda de fogo azul impactou contra o Ogro. A Energia Astral era intensa e eu a reconheceria em qualquer lugar.

Percebi que se tratava de um Bruxo em particular, que trabalhava para Zozolum e que devia estar me procurando. Sorri enquanto lembrava do usuário das Chamas Demoníacas.

— Vou estar pedindo que largue ele — falou, com uma intensidade rara para si.

Shiki Weissbreak havia chegado.

 

 

 

 



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