Dualidade Brasileira

Autor(a): Pedro Tibulo Carvalho

Revisão: Arisu


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 2: Lewnard Hollick, parte 2

Acho que nunca estive tão na merda como agora.

Olhei para os dois Nors. O macho estava em posição de luta enquanto a fêmea, minha colega de trabalho, tinha uma mão no pescoço de Truman.

Por mais que odiasse Galliar, não podia envolver um normal nesse tipo de assunto. Fechei os olhos enquanto pensava numa saída daquela situação.

Tinha que descobrir quem montou a barreira. Ainda não sei moldar Energia Astral, não ao ponto de conseguir escapar.

Rosnei enquanto lembrava da oferta de ser treinado pelo imperador das sombras e de como ele prometeu que eu ia me arrepender de recusá-la.

— O selo de proteção ainda está ativo. Vai estar assim até meu décimo oitavo aniversário… não podem me tocar. — Enquanto tentei transparecer confiança, sei bem que aquilo era mais uma forma de me acalmar.

"Pensa, porra." Qual dos dois era o feiticeiro e qual dos dois era o lutador? Ambos eram fortes fisicamente e não tinha ideia do que eles escondiam por trás das formas humanas.

— E quem disse que precisamos tocar você para matá-lo, portador?

Arregalei os olhos enquanto via o macho puxar algo do bolso e, quase instintivamente, me escondi embaixo de uma mesa. O estrondo que se seguiu confirmou o que eu já suspeitava.

— Vocês, humanos, tem invenções realmente interessantes… sério, nunca achei que aço pudesse ser combinado com pólvora — riu, enquanto disparava contra a mesa.

Se tinha algo que podia me deixar tranquilo era que tinha certeza de quem era o criador da barreira. Contei até a oitava bala e, com o máximo de força possível, atirei a mesa contra o Nor e corri em direção a outra, que arregalou os olhos.

A surpresa dela virou um sorriso arrogante e eu só pude perceber do que se tratava um pouco antes do meu punho impactar contra o rosto de Galliar.

A raiva me cegou de tal forma que eu contornei o escudo humano e fui contra ela, pronto para matar, se necessário. Acho que, naquele momento, o que mais me irritou foi o sorriso no rosto daquela coisa.

Eu odiava esse tipo de ser. O tipo que se acha apenas por importunar aqueles que são mais fracos, o tipo que usa de qualquer tática suja para vencer, mesmo contra adversários “inferiores”.

Não sei o porquê disso, apenas que minha irmã sofreu nas mãos de pessoas como ela e que eu não estava lá para salvá-la. Não estava lá para cumprir minha promessa.

Aquilo era revoltante. Eu odeio todos que portam esse sorriso. Essa marca clara de alguém que não tem respeito por nada!

Meu punho impactou contra o rosto da coisa, a raiva explodiu em forma de Energia Astral. Acho que devia estar satisfeito ao ver a forma que as feições se contorciam enquanto uma fumaça negra saía dali.

Queria sentir algo, qualquer coisa que fosse… mas, como já era costume, apenas senti um vazio. Um que me lembrava dos meus dias de delinquente e do que significava perder o controle.

— Maldito! — O urro do monstro me trouxe de volta a realidade. Antes mesmo que ele pudesse recarregar a pistola, corri na direção dele, pronto para causar o mesmo dano, mas meu punho não foi rápido o suficiente.

O hall do bar ficou soterrado com a pressão do oceano. Era tamanho poder que a madeira das cadeiras quebrou e algumas mesas já afundaram no próprio peso.

Olhei para meus joelhos e notei, com irritação, que eles tremiam na presença daquele ser. O corpo do Nor expandiu e se contorceu, a roupa foi substituída por um pelo de morcego, o rosto era parecido com o de um rato gigante e as orelhas eram enormes.

“Um carniceiro?” Por mais que as lendas levassem a acreditar que eram apenas escravos de vampiros, aquela espécie tinha como traço uma vitalidade imensa.

Acho que em algum momento da guerra entre Humanos e Nors, os Carniceiros se rebelaram contra os vampiros e saíram vitoriosos. Meu pai sempre disse que um vampiro era capaz de dizimar cidades inteiras em uma noite e que muitos portadores morreram enfrentando membros da aristocracia.

Logo, era claro para qualquer historiador que se preze que, se os vampiros ainda estivessem no campo de batalha, a guerra teria sido decidida há tempos.

Desviei da mão do monstro e tomei espaço, tendo o máximo de proteção com o corpo desacordado de Truman.

Analisei tudo sobre meu inimigo, desde a forma como lutava até a força bruta que ele tinha, e, para a minha irritação, estava claro que não conseguiria vencer se fosse contra ele de forma justa.

Peguei uma cadeira e atirei contra o monstro. Ela se estilhaçou com um mero balançar de mãos, mas não importava. Peguei o meu colega pelo cangote.

Em disparada, atravessei a porta e suspirei aliviado ao ver que a barreira desapareceu. Contudo, não tinha tempo para contemplar isso.O monstro quebrou a parede já estava no meu encalço.

“Ótimo! Carniceiros não são conhecidos por exibirem velocidade acima do natural mas essa tralha é tão rápida quanto eu.”

Sabia que era uma situação desesperada e que era mais fácil abandonar meu colega. Talvez fosse até prazeroso mas era algo que não podia fazer. Mesmo que eu odiasse Truman, não queria que alguém morresse nessa noite.

Meu pai foi bem claro na necessidade de um Portador defender humanos normais, e, mesmo ainda não sendo um, era um herdeiro.

Dobrei a velocidade do meu passo.

Tinha que sobreviver apenas até o sol nascer. Depois disso, o Nor seria forçado a voltar à forma humana e eu teria alguma chance.

Enquanto pensava nisso, Truman começou a se debater. Olhei para ele e ordenei que ficasse quieto, mas apenas fui cumprimentado por olhos amarelos.

“Merda!” Atirei o meu colega para longe e pulei para o lado oposto. Mesmo com a névoa perpétua de Juvicent, eu ainda podia ver a forma dele se transformar num monstro.

Mas como era possível? Ele teve várias oportunidades de me atacar nos últimos meses mas não o fez…

— Vejo que os efeitos do veneno enfim estão fazendo efeito. — A voz distorcida do Carniceiro soou próxima. — Bem, o que vai fazer agora? — Que bosta! Não posso permitir que um Carniceiro recém-despertado ande nessa cidade.

Antes que pudesse pensar no que fazer, Truman já estava no meu encalço. Desviei de um golpe e dei um soco no rim. “Ótimo, isso deve me dar um tempo pra lidar com o outro.”

Pulei contra o Nor e dei um forte soco no rosto dele, mas o golpe não surtiu efeito algum. Cruzei os braços contra o peito e senti um forte impacto me jogar contra uma parede.

Dor. Tanta dor que não conseguiria me mover sem usar mais da Energia Astral. “Não sei quanto eu ainda posso usar… mas é melhor do que morrer sem fazer nada!”

Um brilho ametista me envolveu e curou minhas feridas. Tudo estava mais lento, meus sentidos mais aguçados, meu tempo de reação mais rápido.

Antes mesmo que o monstro pudesse pensar em fazer algo eu já estava sobre ele. Com um único soco no estômago, o Nor se ajoelhou. Com mais um no queixo, a cabeça dele saiu voando.

Olhei para Truman com uma expressão de arrependimento. Meu colega se levantara e me olhava com ódio. Decidi acabar rápido com isso.

Assim que ele pulou contra mim, disparei um forte soco no rosto dele. A energia fora tamanha que o crânio estourou. Olhei para os restos de carne e entranhas com pesar na mente.

Era arrependimento que eu sentia? Mas do que estava arrependido? Acho que era da situação como um todo. Comecei o caminho de volta para o bar do Fives sem me importar com os corpos dos monstros.

O Sol cuidaria disso.

No meu terceiro passo, senti a dor corroer meu interior. No quarto, perdi a força nas pernas e, no quinto, cai de cara no chão. “Merda…” pensei, lembrando da lição mais importante de manipular Energia Astral.

Nunca pegue mais do que sua conexão consegue aguentar.

A única forma de combater os Nors em pé de igualdade era pegar emprestado a energia do Plano Astral. Quanto mais forte era sua conexão, mais se podia tirar daquilo. Quanto melhor era seu controle, menos se precisaria usar.

Minha conexão não era fraca, meu controle era, no entanto, um dos piores da história dos Portadores. Mesmo que pudesse tirar cem vezes mais do que o usuário normal, se não conseguisse controlar a energia, perderia o controle dela em um único tiro.

Eu desisti de controlar a energia assim que dei o primeiro soco e agora estou pagando o preço por puxar mais do que eu consigo… prova disso é a forma como meus órgãos estão sendo arrancados para o outro lado.

Não quero morrer ainda… não posso morrer ainda!

Tentei me levantar e ir para algum médico, mas a dor era infernal. Mal tinha consciência do que acontecia ao meu redor e, nessas condições, não conseguiria mover um único dedo.

A última coisa que vi antes de cair na inconsciência foram as sombras que se aproximavam.



Comentários