Dualidade Brasileira

Autor(a): Pedro Tibulo Carvalho


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 11: O Licantropo, parte 2

Assim que o portal fechou, vi a área em que estávamos, a noite já chegara e o tempo havia acabado. Era hora de ver se todo aquele treino valeu a pena ou não…

O vento uivou e o céu estava nublado, como um presságio do que viria, de quem acabaria numa cova… Eu? Ou o inimigo?

Adentrei no cemitério e lembrei de algo. — Zozolum… aconteça o que acontecer, não interfira nessa luta.

Aquilo era importante para mim, e ele sabia bem o porquê. Todo o esforço desses dois meses que passamos, todo o sangue e suor… tudo levou a este momento.

Eu vou matar o desgraçado que raptou minha irmã e trazer ela de volta para casa. Enquanto caminhava notei que minha energia começara a sair do controle. Respirei fundo e tentei me acalmar.

Não adiantaria nada mostrar todas as minhas cartas agora. Tinha que ser esperto contra esse oponente. Eu sabia disso, sabia que se cometesse um erro, eu morreria. Que não podia deixar emoções influenciarem meu julgamento. Que devia ser o Portador que estou destinado a ser.

Mas…

Parei de andar e olhei para o céu nublado. O luar iluminava um único ponto, um que me trazia memórias boas e ruins de minha infância. Aquele era o mausoléu da família Hollick.

Eu sou o Portador de Davi e preciso agir como tal… mas eu…

Não havia dúvidas na minha mente. Nesse momento, não iria lá para cumprir meu dever. Eu falhei na missão que meu pai me deixou. Não tinha jeito de me manter imparcial ali.

Eu lutaria como o irmão mais velho de Grace Hollick.

Nem mais nem menos.

Retomei a caminhada e permiti que meus sentidos se expandissem. Senti o rancor dos mortos ao redor, visões da forma como vários homens e mulheres viveram e morreram entraram em minha mente. O fluxo em que essas memórias vinham me deixou zonzo por um momento, mas consegui retomar o foco.

Esse era o resultado de passar 2 meses treinando num lugar sem nada além de sombras e de alguém que não podia ser lido. Meus sentidos estavam mais aguçados do que nunca, bebendo cada sensação como um homem que passou anos num deserto e voltou para a civilização.

Meu campo se expandiu e agora conseguia sentir tudo numa circunferência de 20 metros. Além disso eu também comecei a experimentar o fenômeno chamado de Empatismo, a capacidade de um Sensor de ver a vida da energia presente no local.

Eu conseguia ver cada detalhe e sabia dizer com certeza que, ao chegar nas escadas do mausoléu, o que vi não era o esperado. Aquele Nor, o Licantropo, ele…

— Finalmente chegou… — disse, escorado num dos caixões que guardavam parentes distantes. Ele estreitou os olhos ao ver que eu não prestava atenção nele, a minha expressão devia ser a de um idiota.

Eu não conseguia acreditar no que vi. Aquele cara não viveu uma vida fácil. Longe disso, era um Mestiço que fez de tudo para ganhar a aprovação da Rainha dos outros Nors… treinou mais que todos e ganhou uma força inacreditável.

Não é isso… Ele apenas pôde mostrar a força que sempre esteve lá. Imagens de crianças como ele apareceram em minha mente, do ninho dos Nors que estava perto de Juvicent. Da descriminação que elas enfrentam mesmo de outros monstros…

Senti a preocupação de Grace e a frustração do inimigo. Ele se chamava Lumos… como o luar que dá a força que seus compatriotas se orgulham tanto.

— Sinto muito, Lumos… eu me distrai.

— Sabe meu nome? Então fez sua pesquisa sobre mim? Curioso, achei que era mais burro que isso… Bem, não importa. Vamos começar.

É mesmo, eu vim aqui para tirar a vida dele…

Uma dor e vazio se instalaram no meu peito. Essa situação inteira não me parece certa… mas eu… eu tenho que vencer. O desconforto me deixou hesitante, mas ainda desci as escadas iluminadas pela luz da lua.

Meu adversário caminhou até elas e, num instante, ele desapareceu. Eu sabia de onde ele atacaria e como desviar, por isso que pude dar um salto para trás. O chute era como uma marreta que rachou o chão.

Avancei e dei um soco carregado de energia. Meu golpe foi mais lento que a esquiva dele, mas o ataque ainda o tocou de raspão. Não tive a oportunidade de sentir satisfação pelo sangue que derramei visto que ele já estava atrás de mim.

Coloquei o máximo de energia nas minhas costas enquanto dava um passo para frente.

O golpe ainda conectou, o chute pesado me mandou para o chão. Consegui dar uma cambalhota e cair em pé mas ainda senti a dor daquelas duas botas.

Ele pulou em minha direção, uma velocidade muito mais alta que a anterior. Coloquei minhas mãos no peito e senti meu braço esquerdo arder com meu osso chacoalhando.

Observei aquelas botas e conclui que a sola devia ser feita de aço ou de algum outro material pesado o suficiente para causar aquele impacto.

Era incrível que ele ainda conseguia se mover daquela forma perfeita, mesmo com todo aquilo nos pés. Aquela era a prova do esforço que fez em busca da aceitação dos seus compatriotas… Um esforço que só seria recompensado com minha cabeça.

— Não me subestime — gritei e permiti que a energia ao meu redor fluísse de maneira perfeita pelos meus punhos e pés. Minha conexão não aumentou durante aquele treino, ao menos não de forma expressiva.

O que mudou foi o meu controle. Zozolum disse que agora eu podia controlar o dobro do meu máximo sem sentir exaustão. Eu estava mais forte, e meu oponente não devia me dar tanto trabalho…

Desviei de outro golpe e dei um soco no estômago, o ataque conectou mas não foi forte o suficiente para causar danos graves.

Estava distraído demais com o que vi, com o que senti vindo dele. Uma enorme frustração com a injustiça do destino, com a ansiedade do combate, tudo isso fluiu por mim enquanto dava meu melhor para sobreviver aos golpes dele.

Aqueles não eram meus sentimentos.

Não podia perder o foco. Não podia ser derrotado aqui!

Mas…

O desejo do meu adversário de ganhar era tão grande que eu queria perder… não queria ganhar… queria apenas ganhar o reconhecimento que ele desejava, queria acabar logo com isso e ir para casa, queria ajudar aquelas crianças…

Meu irmão vai perder?!

Aquele pensamento… aquela ternura…

— Morra!

Abaixei meu corpo, a mão que ia contra meu pescoço errou completamente o golpe, e então avancei com um cruzado na boca de Lumos.

“É mesmo…” pensei enquanto observava ele se levantar. “Eu não posso morrer ainda. Preciso tirar minha cabeça das nuvens e focar no que está ocorrendo agora.”

Olhei para o rosto do meu adversário, a carne amassada e rasgada revelava o monstro que se escondia ali. Como era de se esperar, ele rosnou e voltou ao combate.

Dessa vez não vacilei e me foquei em derrotá-lo. Agucei meus sentidos ao máximo e não pensei em nada, flashes de memórias que não eram minhas vieram em minha mente e eu tentei meu melhor para não as deixar me influenciar.

Desviei de outro golpe e então de mais um, os ataques ficavam mais rápidos conforme meu oponente permitia mais de seu poder vir a tona.

Vi uma abertura e dei um contragolpe com toda a minha força. Já podia sentir o gosto doce da vitória.

O ataque quase conectou, meu oponente desviou e desapareceu por completo dos meus sentidos. Mais rápido do que eu poderia prever, senti uma forte dor nas costas e fui lançado contra a parede.

Consegui minimizar o dano no meu corpo e me virar para encará-lo… ele não estava ali. Senti um vento soprar do meu lado e, como que por instinto, coloquei toda a minha energia no lado direito do corpo.

A pancada foi forte e, sem dúvida nenhuma, ela me mataria se eu colocasse menos poder ali. Consegui parar meu corpo antes de ir contra outra parede e olhar para meu oponente.

A mão dele estava doendo. — Você está diferente… — comentou enquanto entrava numa pose de luta que favorecia mais os chutes. — Esse golpe foi dado com a intenção de matar mas ele me deixou mais machucado do que você…

— Parece surpreso… Não me diga que não esperava que um Portador soubesse da lei de Ação e Reação — provoquei enquanto me lembrava de uma das aulas de Zozolum.

Se dois objetos de massa semelhante se encontrarem, aquele com a maior energia se sobressai… esse era um dos fundamentos da Ação e Reação. Posso não ser esperto mas até eu entendo algo tão simples assim.

Assim que tive a chance, dei vários Jabs no rosto do meu oponente. Lumos se recuperou e começou a desviar e manter distância, esperando uma abertura.

Senti orgulho. Aquele adversário sem dúvidas era forte e ser capaz de o forçar a me levar a sério parecia uma conquista que não seria possível sem o treino infernal que tive.

Decidido a vencer, avencei contra meu oponente e estava prestes a acertar mais um golpe, quando sinto uma forte dor no estômago.

Senti meus intestinos revirarem enquanto olhava incrédulo para a perna levantada do Licantropo. A força bruta fez minha cabeça girar e estava prestes a perder a consciência.

Merda…

 

 



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