Dançando com a Morte Brasileira

Autor(a): Dênis Vasconcelos


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 146: Desanimo

Dispensados.

Depois do sermão, o quarto esquadrão saiu da sala dos professores. Pouco tempo depois, Louis e Katherine se dirigiram ao escritório particular do mesmo, para trabalharem com mais privacidade. No caminho, uma mensagem foi enviada para o esquadrão de Katherine. Uma missão surgiu de repente.

Vinícius não sabia onde pôr a cara. Sua mente ecoava: "Mentiram pra mim... Mentiram pra mim..." mas a mensagem chegou, e vibrou o bolso de todos ao mesmo tempo: "Uma anomalia foi vista aqui mesmo em Pompeia, Rua Desembargador do Vale, 179, SP, 05010-040. Vão até lá e resolvam. A denúncia veio de uma sorveteria, peça informação lá se precisarem. Pelas informações, pré-classifiquei como Ruína 1".

O líder respondeu a mensagem encaminhada de Louis, por Katherine, com um simples "ok" no grupo, mas pessoalmente, não fez mais nada além de colocar no GPS o endereço. Ninguém dizia nada. Um clima horrível, um velório sem um defunto. Seguiram até o local. Chegaram e não encontraram nada.

Passaram mais de duas horas olhando os arredores e não encontraram nada. Nem destruição, pânico... nada. Reuniram-se no endereço novamente. Acharam estranho. Geralmente só era informado o nome da rua, nunca era um endereço tão preciso, já que a anomalia poderia simplesmente sair de lá, até que chegassem ao local.

Olharam para a fachada. A parede verde. Cadeiras e mesas de madeira. Olharam para Vinícius que permanecia distante. Fora de si. Olho com marcas roxas. O nariz destruído, mesmo sob curativos em peso.

— Temos que pedir informação — lembrou Manoela, Vinícius virou o rosto em sua direção, antes de dar um passo entrando no lugar.

Entraram, e por uma moça de pele parda, redinha marrom segurando o cabelo, uniforme verde e avental marrom, foram recepcionados por trás de um balcão branco com a superfície de madeira e cheia de docinhos e casquinhas de sorvete.

— Boa tarde, fomos enviados atrás de uma anomalia mas não encontramos nada. É aqui mesmo? — perguntou Vinícius.

Com um sorriso, a moça respondeu:

— Isso... É aqui. Só não tem anomalia. Uma mulher chamada Katherine Kubitschek, meio que reservou o lugar hoje. Ligou e deixou um crédito de 600 reais, 100 por aluno que ela disse que iria mandar, para vocês comerem de sorvete. Disse que era uma surpresa, então me avisou que iam perguntar sobre uma anomalia mesmo.

Todos olharam meio frustrados. Duas horas procurando algo que não existia, mas por um lado ficaram alegres — exceto Vinícius. Mesmo que já recebessem, ganhar coisas de graça era sempre algo bem vindo, ainda mais comida.

O ânimo individual aumentou quando juntou com os outros. Todos pegando sabores para experimentarem... menos Vinícius, que sentou-se isolado, olhar baixo, pensamentos a milhão... um recipiente com o nome da sorveteria foi estendida na sua direção. Seus sabores preferidos: morango, manga e limão. Bolinhas perfeitas, revestidas de granulado.

Olhou para o rosto de Helena.

— Pega — disse ela, com um sorriso.

Vinícius recebeu o sorvete e todos sentaram-se ao lado. Ninguém comentou sobre o ocorrido. Todos ignoraram e brincavam com outras coisas. Tentavam deixar o clima leve. Vinícius não conseguiu entrar na conversa, mas o rosto entristecido deu lugar a um pequeno e quase imperceptível sorriso de boca fechada.

Todos queriam vê-lo bem. Mesmo que fosse só uma conversa normal, brincadeiras cotidianas e o estresse do Semáforo pistola com seu apelido... ainda era uma tentativa de tirar uma risada do rosto do líder que muitas vezes era um pé no saco de chato e apressado com tudo.

No fim... não conseguiram mais que aquilo.

O crédito acabou. Todos de barriga cheia, menos o menino que quase nada pegou.

Três horas juntos dentro daquele lugar. Três horas que pareciam mais que isso. Horas de tortura. Horas segurando as lágrimas e tudo que queria deixar sair de dentro de si... Foram embora, direto para o Bloco Dois.

Vinícius ficou no seu andar... mas Helena saiu junto. Entrou no apartamento em silêncio. Tirou o sobretudo e equipamento. Sentou-se no sofá e ligou a televisão. Não queria falar nada. E com esse nada, era incluído pedir para ela sair de lá.

Não foi para o quarto tentar dormir. Ficou na sala na tentativa de se distrair... mas não funcionou. A televisão ligou, e seu choro reprimido começou a descer. A namorada viu e o abraçou no sofá, mas o menino não reagia e só queria chorar.

Soluçava.

Mais uma vez provou não ser nada.

Mais uma humilhação em sua vida fadada a derrota... Escolhas?

Helena sentia a tristeza. O choro quase provocava nela também a vontade de chorar, mesmo não sentindo o mesmo sentimento intenso que o menino demonstrava sentir. Abraçou mais forte. Rosto próximo do dele. Sentia-o tremer. Mesmo que fosse impossível segurar, ainda tentava reprimir.

O normal seria sentir o arder do quente e salgado da lágrima querendo descer, e logo reprimi-la... mas dessa vez não teve como. Ergueu as mãos, passou os braços nas lágrimas. Só as espalhava por todo o semblante destruído. Parou ao sentir dor. Passou o braço sem jeito e tocou no nariz.

— Vou tomar banho — balbuciou, a voz tremendo de dor.

Helena o soltou. Vinícius se levantou sem olhá-la e foi direto para o banheiro. Lá, costumava deixar roupas prontas para vestir após o banho. Geralmente uma cueca boxer ou bermuda leve.

As feridas exigiam um pequeno cuidado extra. Lavou-se enquanto chorava com a cabeça baixa, fora d'água. O líquido quente levando embora seu suor e todo o peso que sentia. Uma pequena terapia. Olhos fechados, só faltou uma musiquinha.

Pouco tempo depois saiu do banho e secou-se. Vestiu sua bermuda e parou em frente ao espelho. Seus olhos vermelhos. O roxo espalhado por tudo. Seu curativo de tala nasal moldado ao nariz. Pegou um pano, molhou-o e limpou o rosto com cuidado. Não queria molhar os tecidos do curativo.

Enfim acabou.

Foi até o quarto... e se deitou.

— Posso dormir com você?

Uma voz suave ressoou na escuridão do quarto. Vinícius ergueu o olhar na direção.

— Pensei que tinha ido embora — respondeu.

— Não queria te deixar sozinho assim.

O menino desviou o olhar.

— Posso? — insistiu.

— Pode... Apaga a luz, por favor — pediu e deitou-se.

Helena desligou e deitou-se ao lado. Vinícius deitava-se à direita, virado para a sacada. Helena ficou em sua frente, também virada para o lado da sacada... Silêncio... nenhuma palavra. Vinícius não tentou nada. Só... silêncio e olhos fechados... exceto os dela.

Helena olhava com impotência para frente. Queria ajudar mas não sabia como. Sentia-se inútil. Um bolo, um pudim, um mousse ou qualquer doce que pudesse fazer não surtiria efeito. Passaram a tarde comendo sorvete.

— Viní...

— Oi? — sussurrou em tom deprimido.

— Se a gente fazer, você vai se sentir melhor? — Um nó na garganta. Prometeu-se esperar até sua maioridade, mas não aguentava vê-lo daquela forma. Queria que fosse especial, mas não seria com ele de todo jeito?

— O quê?

— Vai ou não?

— ...Vou.

— ...Vamos fazer então.

Helena virou-se na cama. Vinícius tinha os olhos abertos, olhando-a. Sentiu-se estranha. Ansiedade. Medo. Não sabia o que fazer... e o menino ergueu-se. Os sentimentos dela triplicaram. Queria desistir, mas quando viu, o namorado já estava em cima de si.

— Tem certeza? — perguntou ele... e com essa pergunta, ela teve certeza que...

— Sim — respondeu em meio ao medo. O jovem continuava cumprindo a promessa de nunca mais tentar nada. Aquilo a deixou muito feliz. Fez com que se sentisse pronta para o próximo passo em seu namoro.

Começou... Vinícius se deitou por cima depois que retirou as peças inferiores. A menina se sentiu invadida. Era estranho demais. Vê-lo gemendo de dor era mais ainda. O cansaço, as dores se juntando ao prazer do que imaginava experimentar por anos.

Anos pensando na namorada e utilizando somente as mãos. Mas as mãos tinham a mesma pressão que uma vagina... Vinícius em menos de 20 segundos retirou de dentro e ejaculou na cama e pernas, enquanto o corpo caiu sobre ela, que olhava sem entender para o nada, sentindo o corpo do namorado pulsando em respirações pesadas sobre o seu.

Vinícius gemia em cansaço. Suspirava como uma chaminé de um trem velho... e Helena, pensava:

"Isso deveria ser tão rápido?"

Mal sentiu algo.

Sua vergonha, ansiedade e medo eram muito maiores que seu desejo ou vontade de realmente realizar aquele ato. Frustração. Arrependimento. Teria coragem de responder aos pais que fez aquilo antes do casamento? "Fez"...?

Um bater de corpos como se o menino estivesse em abstinência querendo acabar com aquilo o mais rápido que podia. Viciado em dopamina? Por que ir tão rápido? Os dois precisavam sentir-se satisfeitos, não apenas um. Idiota.

Apoiou as mãos na cama, erguendo o corpo com uma risada cansada e esquisita.

— Eu te amo — disse ele, descendo o rosto na direção dela, que não sabia onde colocar o dela.

Mwah...

Teve que deixar-se ser beijada. Um sorriso falso, Paff no tempo que o namorado se jogava para o lado como um soldado ferido em combate. De fato... aquilo deixou-o mais contente. Sorriso estridente em meio ao rosto suado da guerra mais rápida que conseguiu participar.

Helena puxou sua calcinha em uma tentativa desesperada de voltar no tempo. O short estava muito abaixo, não conseguiria buscá-lo sem que Vinícius reparasse.

Virou-se para a sacada.

Sua mão esquerda próxima do rosto... uma lágrima.

A vontade de chorar passou de um para o outro. Não deveria ter feito aquilo. Sabia, mas não tinha coragem de pôr em palavras em sua cabeça tal palavra dolorosa... Calma! Não escolheu ele para casar-se no futuro? O esperma em suas pernas, os risos atrás de si, o suor deixado em sua pele não iriam mudar no futuro... Por que tanto pânico?

Aaah... Descobriu que não era ele... não é? Descobriu que não era para ter sido com ele... a sua primeira vez. As palavras de Manoela pesaram? Sempre soube ou se fez de sonsa? Vai ter que se casar, agora. Talvez esteja gráv...

"Cala a boca... Cala a boca... Por favor..." implorou em pensamentos, para os pensamentos que atormentavam-na... Irônico.

Segurava o choro.

Os olhos brilhando em uma lágrima lutando para sair. Não deveria estar naquela cama. Não deveria estar com aquele sujeito. 20 segundos realmente faziam tanto estrago...? Ou só percebeu que ele conseguiu o que queria desde o início?

Um braço envolveu sua cintura. O corpo colando ao seu. O rosto dele ficando próximo ao seu. Shhhii... era como estar deitado ao lado de um monstro. Um desconhecido. Um estranho. Mas... você que escolheu isso. Engula o choro. Seu namorado... SEU.

O olhar mudou. Ficou caído. Sentia-se impura. Sentia-se... aprisionada.

O que os outros vão dizer? O que os outros vão dizer?

Nasceu em uma família religiosa. Regrada. Castidade.

Ahh... que balela.

Vai me dizer que não via os adolescentezinhos da sua igreja completando 18 e logo se casando por... "amor"? Vai fingir isso mesmo? Era só desespero. Queriam transar e só assim podiam sem pessoas o julgarem. 

"Cala a boca..."

Você que decidiu confiar no amor... Mas então por que foi justo se relacionar com alguém que nunca demonstrou isso...? Fingiu ser cega? Fingiu-se de santa o tempo inteiro? Queria sexo, procurou um que se mostrava safado, mas agora... ao ver que o mesmo não consegue nada... não o quer mais?

"Por favor... cala a boca..."

Escolhas são escolhas... Vai... finja ser virgem ao encontrar-se com sua família, e case-se o mais rápido que conseguir quando completar seus 18 anos... quem sabe assim, os OUTROS NÃO JULGUEM VOCÊ... Afinal... prefere viver a vida ao lado do homem que acabou de perder sua cega paixão... do que aguentar os olhares de pessoas que nunca estiveram aí por você.

Lágrimas saíram com efetividade, molhando o travesseiro. Ainda lutava contra si mesma. Era quase duas personalidades em conflito. Nenhuma palavra era fora de si. Todas eram ela mesma dizendo, ela mesma pensando, mas ao mesmo tempo, negando e aceitando.

Dormiu... não ela... mas sim Vinícius.

Soltou o abraço.

O corpo do jovem ficando de barriga para cima... sozinho?

Helena continuava imersa em sua batalha mental, olhando para o nada, em direção das cortinas dançarinas em contato com o vento. Vinícius, por outro lado... não dormia de fato. Estava travado em mais uma paralisia.

Tentava produzir sons com sua boca... mas não conseguia. Tentava gritar por ela... mas nada saía. Fazia força... mas nada se mexia. Medo. Pavor. Pela primeira vez em anos, não conseguiu manter-se de olhos fechados. Deixou-os escancarados... Deixou?

Era uma brincadeirinha... uma diversão. Em cima do humano, em pé, com o pé direito afundando cada vez mais em sua barriga desprotegida... uma anomalia o olhava, enquanto sorria se divertindo.

Corpo de uma alta mulher desnutrida. Braços e pernas quase do mesmo tamanho. Unhas grandes em dedos compridos e secos como galhos mortos. Olhos arregalados, vermelhos como sangue, não como as íris de Helena, aquele ser possuía todo o globo da cor vibrante.

Nariz comprido e para baixo do queixo grande e fino. Cabelos brancos, desgrenhados. Sua pele era pálida, mas a escuridão a camuflava, deixando-a inteiramente imersa nas trevas, tendo só sua silhueta e olhos visíveis. Além dos dentes podres em amarelo e marrom.

Cada vez mais fundo, o pé gigante se afundava no corpo do jovem, ia rasgar, ia romper, ia sangrar, ia... morr...

Bam! Pah! FRUSH!

Helena teve um pingo de lucidez. Com os olhos na direção das cortinas, com um forte vento que bateu, subiu o tecido e o vidro refletiu a cena aterrorizante atrás de si. Virou-se e ergueu sem medo, acertou um chute na anomalia e a arremessou na parede do quarto.

Colidiu com as costas, os ossos secos se rompendo. A jovem não perdeu tempo, avançou com magia de vento imbuída em seus punhos. Uma aura rosa formando-se enquanto seu soco na direção do rosto daquele ser pavoroso chegava ao destino.

Creeck!

A cabeça desgrudou do corpo. A anomalia não se movia. Não havia como explodi-la para uma eficiência maior ou uma maior certeza em relação à morte daquela coisa. Estavam em um quarto, não podiam explodir o prédio.

Correu e ligou a luz... olhou e o ser havia desaparecido.

Anomalia classificação... Impiedosa. No registro, recebeu o nome de Pisadeira. Uma anomalia diferente. Uma das anomalias que fez com que Louis cogitasse novas classificações oficiais. Já que, até o momento, "Impiedosa" era uma subclasse de anomalias. Como o Tibungue que atacou Marta.

Impiedosas eram anomalias que gostavam de se divertir, e não necessariamente matar para se alimentar. O Tibungue era uma Ruína Impiedosa, tinha poder suficiente para causar um grande estrago, mas preferia brincar com suas presas em um jogo criado pelo mesmo. 

A Pisadeira foi registrada anteriormente de duas formas: pessoas morrendo com um buraco grotesco em suas barrigas que estavam lotadas de comida, ou pessoas que morriam com um buraco grotesco em suas barrigas e depois era descoberto pelo marido/esposa uma traição que a vítima havia cometido.

Sua diversão era matar infiéis e matar pecadores do pecado da gula. Era quase um fantasma. Pior que um zumbi. Não conseguia se alimentar. Não podia comer carne humana, beber do sangue. E também não era uma mulher bela, não era bonita para tentar namorar. Logo, odiava quem podia comer e exagerava, e quem tinha o privilégio de namorar, mas não era fiel ao parceiro. 

Outra anomalia classificada Impiedosa, era o apelidado de "Bicho Papão". Seu modus operandi era o mesmo das outras duas citadas, atacar um único indivíduo por vez... mas, diferente das duas, só agia contra crianças até os 16 anos.

Era uma lenda popular. Muitas pais usavam sua história para assustar seus filhos e os fazerem obedecê-lo... péssimo erro. O Bicho Papão trabalhava justamente com o medo. Atuava de forma diferente para cada vítima. Buscava os medos e aparecia com sua aparência.

Brincalhão... aproveitava o escuro para se esgueirar e esconder, provocando uma inquietação torturante em suas vítimas... Ele está lá... mas... onde? Puff... uma parte do rosto, uma silhueta no escuro e Puff... sumiu. Surgiu em outro lugar. Sorria, queria o pavor, se alimentava do medo.

Continuaria indo para um lado... Indo para o outro. Olhando-o torto. Olhando-o de longe, de perto... mas não o tocaria, não até ter se saciado. Mas, quando saciado, o mataria. Por pura e mera diversão. Não comeria ou tocaria sua carne. Só o mataria e iria atrás de outra criança que possui medo de algo... Claro... contando com as assistências dos pais que não sabiam o tamanho da merda que poderia estar fazendo com isso.

Assim como a Pisadeira, o Bicho Papão tinha uma fraqueza... A luz.

Todas as crianças que sobreviveram às aparições do Bicho Papão, relataram histórias quase idênticas: "Gritei pelo meu pai e ele veio correndo. Quando chegou, ligou a luz me perguntando o que estava acontecendo, e o bicho sumiu". "Eu fiquei com muito medo, mas corri na direção do interruptor e liguei a luz, depois disso ele sumiu".

Enquanto não saciado... não havia perigo.

Poderia estar ao lado do interruptor. Poderia estar sobre o seu corpo, quase beijando sua testa. Não havia perigo, até o seu medo deixá-lo saciado. Era um jogo, e jogos podiam ser vencidos.

Louis estudava cada vez mais adicionar algumas subclasses como essa para oficiais. Mas pelo motivo de serem casos muito isolados, não via razão para fazer isso. Criar novos nomes oficiais poderia trazer pânico na sociedade.

As classificações oficiais e suas numerações demonstravam o perigo ao coletivo de um povo, as anomalias Impiedosas traziam um perigo à unidade, pessoas sozinhas, sendo assim, seu lugar ainda era permanecer como uma subclasse das classificações oficiais.

Helena correu até o namorado. Vinícius continuava travado, aterrorizado.

— Viní!? Viní?! — Tocava-o sem entender o que se passava.

Vinícius enfim conseguiu mover-se. Ergueu o corpo suado de medo. Arfava ofegante olhando para baixo. Helena tocando seu ombro.

— O que aconteceu?! O que era aquilo?!

— E-eu não sei. Manoela, eu não sei — respondeu sem paciência. Sentia dor na barriga e sair daquela situação o deixou sem cabeça. 

O toque ficou frio... O rosto de Helena travou, olhando-o.

— O quê? — perguntou, com um tom tão baixo que Vinícius olhou-a por não ouvir direito.

— Qui foi?

— O que você disse? Do que você me chamou?! — perguntou inicialmente mantendo-se calma, depois explodiu em um grito que tentou conter por já ser noite.

— Helena, eu só te chamei pelo nome — respondeu mudando o rosto para um mais agressivo.

Helena viu o celular dele sobre o criado-mudo e correu para pegá-lo. Vinícius se ergueu e foi na direção, lançando os braços para tentar tirar da mão dela.

— Amo...?

— Me solta! Ou quer que eu comece a gritar aqui?!

Vinícius parou, um passo de distância. A jovem extremamente alterada segurando o aparelho. Só de regata e calcinha, nem sentia-se exposta pelo calor que sua raiva lhe trazia. Tentou entrar no celular, mas tinha senha.

— Amor, por que tá fazendo isso? Não tem nad...

— Qual é a senha?

— Amor, eu jur...

— QUAL É A SENHA?!

Vinícius olhou para a sacada. O grito foi muito alto. Ergueu as palmas na direção dela, gesticulando para se acalmar.

— Amor, se calme, não grita, por favor...

— Vinícius, qual é a senha?

— Só vira ele pra mim!

Virou-o e com o reconhecimento facial, o celular abriu.

O namorado, só de bermuda, olhava para os lados sem saber o que fazer. Sentou na borda da cama e quase que começava a roer as unhas das mãos. Helena foi direto no aplicativo de mensagens. Quando entrou, percebeu que abaixo dos 4 grupos com notificações, havia a conversa dela, embaixo, com o Pedro, e depois vinha a de Manoela.

Abriu.

Não havia mensagem alguma. A conversa era limpa... impossível.

— Por que o contato dela está no histórico se não tem mensagens?

— E-eu não sei, eu juro, amor! Deve ter bugado, só isso!

Helena então... digitou: "Oi", e enviou.

Flon...

Quase que a mensagem foi visualizada no mesmo segundo do envio. Manoela respondeu rapidamente:

"Teve outro pesadelo? Quer que eu durma com você?"

O chão abriu.

Helena leu mentalmente e precisou se sentar na cama. Não conseguia acreditar. Não queria acreditar naquilo. O coração batendo a ponto de doer. Mais uma dor, mais uma decepção se misturando com o conglomerado de desgraças do dia.

Respondeu-a:

— Sim.

Pouco tempo depois os dois escutaram a porta de entrada abrir.

"Ela... Ela tem a senha?" pensou com angústia.

Cada passo que se aproximava ficava mais alto. Alto a ponto de deixá-la tonta e com vontade de vomitar. Manoela apareceu de repente. Abaixando a calça e já indo tirar o moletom. Helena se mantinha sentada próximo do criado-mudo em um ponto cego da porta.

Manoela pensou que estava tudo normal. Vinícius sentado na borda lhe esperando... mas então viu o short da amiga no chão. Quando notou, viu-a chorando no canto da cama à sua direita. Travou. Não sabia o que dizer ou fazer. Que desculpa poderia inventar? Chegou tirando a roupa deixando pele e seu conjunto erótico à mostra.

M-mmn... — ainda sim tentou, mas engoliu o que tentaria dizer.

Helena chorava muito... segurava o celular e o apertava para tentar se livrar da dor de tudo aquilo. Não era possível livrar-se. Duas traições. Três dores.

— Por quê...?

— ...

— ...

— POR QUÊ?! — gritou, ficando em pé. Manoela se assustou e abaixou o rosto, Vinícius não conseguia olhar para nenhuma das duas, só manter-se sentado com o rosto para o lado.

Choro.

Choro.

Não havia o que dizer. O choro daquela garota era falso. Crocodilo. Helena sabia. Manoela chorar justo agora era hilário. No segredo não... Da exposição... sim.

— Vocês dois... Vocês dois só mentiram para mim. V-vocês se merecem... é... se merecem. A menina que finge ser sua amiga. Finge apoiar e se aproveita de tudo que você pode prover. E o menino que finge amar, mas só queria transar. Eu confiei em você. Eu me entreguei para você, por que te amava... e você me trai com outra pessoa que dizia me amar.

Manoela olhou para Vinícius quando escutou o que o menino fez, mas Vinícius só escutava em silêncio. Nem ameaçou olhá-la para ver o olhar irritado de Manoela para si. Tirou a virgindade de sua "amiga", mas o combinado não era esse. Mas que combinado? Ser uma putinha tentando reconquistar o namorado que queria roubar a pureza de outra?

— Nunca mais olhem para mim. Não interajam comigo. Não finjam ser meus amigos. Vocês morreram para mim. E-eu não sei como descrever o que tô sentindo. Mas não existe explicação alguma nessa vida que possa justificar o que fizeram comigo. Não há como uma pessoa que diz te amar, te trair. Isso não é amor. Isso é ódio. Vocês me odeiam. Querem me ver destruída... Voc...

— Hele...

— CAALAA AA BOOCAAA!

Manoela tentou dizer... mas o pouco de controle emocional que Helena estava conseguindo manter caiu por terra quando escutou a voz da pessoa que jurou ser sua melhor amiga. Pulou com o grito que veio da alma. O corpo curvado em angústia. Um grito de dor, um grito que não tinha como explicar, só sentir a dor que ressoava.

— VOCÊS DOIS NÃO MERECEM NADA! NADA! NADA! NAAADAA!

O nervosismo. Nem sentia que era ela mesma. Não foi só os dois que morreram para ela. Helena morreu para si mesma. Avançou. O celular ficou na cama. Manoela achou que seria agredida, mas permaneceu parada, embora de olhos fechados.

Helena passou até a frente do quarto, pegou seus tênis e short e saiu do ambiente. Não queria agredir ninguém. Não era ela. Sabia que não era ela mesma naquele momento. Sua dor. Só queria silenciar as vozes que não cessavam. Só queria conseguir curar-se da dor que aquela noite reuniu em sua alma.

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