Dançando com a Morte Brasileira

Autor(a): Dênis Vasconcelos


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 144: Medroso

Não havia mais nada para fazer lá além de esperar a Limpeza chegar. Samanta começava o relatório escrito por mensagem da missão, que iria enviar para Alissa, enquanto os três esperavam sentados no meio-fio em frente ao condomínio.

Enquanto isso... Nino criou um pouco de coragem. Chegou à escola e parou em frente à porta de Alissa. A coragem foi embora. A vergonha veio com tudo. Não queria entrar sem que ela o tivesse chamado.

Mas Alissa notou algo esquisito no ar, e controlou todo o corredor. Sentiu algo em sua porta. Entrou na presença para controlá-lo, mas não conseguia ter acesso aos poderes. Parou o controle, dando uma olhadinha suspeita na direção da porta, com um sorrisinho estranho.

Hm...

Nino demorou bons segundos encarando o que o dividia de sua "mãe". Mas, finalmente, entrou. Alissa virou o rosto em câmera lenta, segurando uma risada quase maligna.

— O que você está fazendo aqui? — perguntou, contendo um sorrisinho malicioso. "Eu sabia que você voltaria."

— Tava passando por aqui e decidi dar um oi — respondeu, sem conseguir encará-la diretamente de vergonha.

Uhum... — Alissa o encarava com muita pressão.

— Que cara é essa? — Em uma jogada de canto de olho, viu o semblante besta da mulher.

— Vou sair para o meu EN-CON-TRO agora e j... — provocou falando com ênfase nas sílabas.

— Cinquentão no Pix que ele nem vai aparecer.

...Mas não esperava que o jovem voltaria com uma provocação tão rápida.

Interrompida, olhou para Nino com uma expressão mais séria. 

— Não vou me estressar com você hoje, nem tente.

— Aposta?

— Cala a boca! — gritou, já estressada.

— Você acabou de dizer que não ia se estressar — riu.

— Garoto, aproveita que está aqui e faz essa missão que acabou de chegar. — Alissa se virou de costas e pegou o celular em sua bolsa sobre a mesa de vidro. — Rua Oscar, é uma...

Nino não esperou ela terminar e já se dirigiu ao lugar.

— ...Poderia ao menos esperar eu terminar de falar? Sem educação — resmungou.


Enquanto isso, naquela manhã, Nathaly e Nina treinavam no Allianz. 

— Quando vocês vieram pra escola, lembro que no teste do Nino, o menino arremessou uma lança de fogo nele, que pegou e retornou mais forte na direção do outro. Você pode me ensinar isso?

Hm... É bem fácil, na verdade. Me manda uma bola de fogo — pediu, afastando-se alguns passos. Cerca de dois metros.

Nathaly estendeu a mão. As mechas em laranja do cabelo reagiram e a bola de fogo se formou sem tocar sua mão. Disparou. A magia cortou a distância das duas muito rápido. Eram pouquíssimos metros, mas Nina viu-a tranquilamente, podendo com facilidade, estender a mão na direção e mantê-la sobre a magia.

No mesmo tempo, fez uma rotação com o corpo, mantendo a mão sobre o fogo, enquanto adicionava mais magia de fogo, assim, tomando posse da inicial bola. Finalizou a rotação em seu eixo e a magia, anteriormente de Nathaly, flutuava sobre sua palma aberta, queimando com mais força. Fsh... fechou a mão. A magia sumiu.

— Viu? — Nina apareceu com um quadro escolar e começou a escrever e ilustrar tudo o que precisava explicar para Nathaly. — Basicamente, você não encosta no fogo, mas mantém a mão próxima enquanto usa seu próprio poder para aumentá-lo, controlando a bola de fogo. Com esse movimento circular, você pode arremessá-la de volta para quem te atacou. É simples, mas precisa ser rápido, dependendo da velocidade da magia que vem em sua direção. Uma magia gigantesca não dá, mas uma bola de fogo como essa — criou uma bola de fogo um pouco maior em sua mão — pode ser rotacionada e controlada. Além disso, não há perigo se você rotacionar a magia, pois, caso não consiga controlá-la, ela passará direto. No entanto, se houver alguém atrás de você, pode ser atingido e morrer, então decida rapidamente o que fazer em uma situação assim! — Nina terminou com um sorriso e dois joinhas.

— Por que você explicou isso tão feliz?

— Tente, vou mandar uma fraca. Não se esqueça: primeiro desvie, depois rotacione seu corpo adicionando magia e então arremesse de volta.

— Ok! — Nathaly se concentrou ao máximo.

— Foco, lá vai! — Nina afastou-se mais dois metros, por segurança de Nathaly, e mandou uma bola de fogo.

Nathaly desviou e começou a adicionar magia.

"Adicione e vol..."

Triiiiii! Triiiiii! 

Levou um susto com uma ligação que recebeu no celular e acabou adicionando muita magia, criando uma bola imensa de fogo.

Ambas olharam para a bola com os olhos arregalados.

— Você criou outro sol?! Manda pro céu! — ordenou Nina.

Desesperada, Nathaly lançou a bola imensa para o céu.

Nina manteve-se calma, embora tivesse ficado surpresa inicialmente. Estendeu o braço esquerdo na direção do "planeta" de fogo, mirando-o perfeitamente enquanto subia. Estendeu o direito e o puxou com calma, criando uma luz esbranquiçada e azulada. Uma flecha de gelo se formou com muita beleza.

Sil!

Disparou.

Froooosshhh!

As magias se colidiram e a bola desapareceu em uma explosão de fumaça branca. Bilhões de pequenos cristais de gelo como neve começaram a cair do céu. O calor da manhã parecendo mais um dia comum no Canadá.

Era uma beleza imensurável. Os brilhos pequenininhos descendo... mas Nathaly rapidamente pegou o celular no bolso traseiro. Percebeu que deixá-lo no short, enquanto usava um sobretudo era horrível para pegá-lo... mas agora era tarde para pensar nisso.

Pegou-o, atendeu e colocou no viva-voz:

Era Alissa:

— Onde você tá?

— Tô no campo com a Nina, por quê?

UhuNmMnh...

Hãm?

Hmhum... Nino saiu correndo em uma missão sozinho. É na Rua Oscar Freire, uma anomalia que não se sabe ao certo, mas visualmente foi classificada como Ruína 1. Segundo as denúncias, é uma aranha cabeluda gigante.

— UMA ARANHA?! — gritou Nina, visivelmente agitada.

— Sim... Por quê? — respondeu Alissa, confusa por pensar que só Nathaly a escutava.

— Rua Oscar, certo? Estamos indo. — Nina agarrou a mão de Nathaly e saiu arrastando a menina quase voando.

— Tão... tá.

Alissa desligou a ligação.


Mais de três quilômetros e meio depois, as duas chegaram à R. Oscar Freire... mas não encontraram Nino por lá. Não inicialmente. Estavam próximas da Academy do Paris Saint-Germain. Nino estava um pouco distante... correndo por sua vida na Av. Rebouças. 

As duas notaram pessoas correndo, subindo a rua na direção das duas bem distante. Carros acelerando desesperados.

As duas chegaram rápido.

Cr-rraashh!

De repente, ouviram um barulho vindo da esquerda na esquina em que estavam indo na direção. Nino surgiu dobrando a esquina igual um louco, passando ao lado de uma banca de jornais, enquanto uma aranha gigantesca de cinco metros de largura e três de altura o perseguia.

Não havia alterações significativas em seu corpo externo. Parecia muito uma anomalia natural comum. Uma Ruína que sentiu muita fome e saiu de sua toca embaixo da terra. Uma aranha-lobo com proporções ridiculamente tenebrosas para pessoas com aracnofobia.

— SOCOOOORRO!!

Nino berrou ao ver sua irmã. Nem se atentou que Nathaly vinha junto. Somente recorreu à proteção de sua irmã que o "ajudou" no passado... coitado. Nathaly arregalou os olhos, abriu a boca levemente e inclinou a cabeça, surpresa, enquanto Nina já gargalhava, rolando no chão de tanto rir... fez a mesma coisa que na infância... babaca.

Skrunch!

Nathaly imbuiu sua espada com fogo e atacou as pernas da aranha gigante. Pahmm... quando aquela coisa caiu, a regeneração foi imediata, criando novas pernas, mas, Shk! Nathaly não deu tempo e cortou o corpo a aranha ao meio, atingindo o coração — de forma cagada — eliminando-a.

Olhava na direção da anomalia, confirmando que de fato havia morrido. Não se mexia, mas outra coisa sim. Nino surgiu rastejando no chão quase como uma minhoca, e abraçou as pernas da menina com força, o rosto próximo das coxas.

Nathaly olhou-o meio embaraçada, mas notou que não era um toque erótico, era um toque desesperado. Nino tinha os olhos cheios de lágrimas, enquanto a boca escancarada gritava de forma trêmula o seu choro dramático:

— OBrigAAaAdO!

O problema...? Anomalias — exceto Ruínas 3 para cima — tinham muito medo dos humanos. Mais por parte da existência de Alissa. Sua presença era sentida em todo o mundo pelas aberrações. Sair de seus esconderijos não era algo que cogitavam. Como qualquer ser, o maior medo era o de morrer.

Então... por que aquela Ruína 1 saiu de sua toca...?

Pss-srrh-rr-sh...

Barulhos de aracnídeos ressoaram de trás do Primordial... O menino, cheio de medo, olhou lentamente na direção. Ainda abraçava as pernas de Nathaly, que também guiou o rosto para a carcaça da anomalia... Milhares de filhotes da mamãe aranha saíram do seu corpo, pulando e avançando na direção dos dois.

A mamãe saiu atrás de comida para alimentar-se, assim como seus filhotes protegidos dentro de seu corpo... morreu, e suas crias foram vingar-se, mesmo que também sentissem medo.

Os dois se desesperaram e começaram a correr enquanto gritavam como loucos. As aranhas passaram como um tapete vivo no chão, enquanto Nina continuava rolando pelo asfalto, chorando de rir abraçando sua barriga, assistindo à situação vergonhosa que o seu irmão egocêntrico se colocou.

Nathaly deixou-se levar pelo desespero do menino. Quando percebeu isso, virou-se, segurando sua lâmina alemã modificada, imbuindo-a de fogo novamente... Mas dessa vez, mais fogo, MAIS FOGO! 

Brrrummm!

Lançou uma explosão nas aranhas. Um mar de chamas avançando pela rua como ondas na praia... mesmo que tivesse usado pouco do poder, perdeu a linha. Foi mais que o necessário. Os filhotes foram cremados. Petrificados em "carvão" de carne, mas o fogo continuou se espalhando, atingindo tudo ao caminho, assim como carros.

Nino olhou na direção ao ver que o seu medo havia morrido. Mais lúcido, parou a reação em cadeia do fogo com magia de vento, mas o estrago já havia sido feito... e esse estrago, era ínfimo perto do que Nino causou.

Uma grande área da avenida foi destruída. Postes e fiações caídos. Tudo por que o menino preferiu correr, deixando aquela coisa destruir tudo no caminho do que enfrentar seu medo e eliminá-la rapidamente.

Nathaly olhou chocada na direção das milhares de pequenas estátuas. A rua ficou carbonizada. Murmurou quase que somente para si:

— Isso vai dar um problemão.

Nina ainda ria alto, rolando e desafiando a física subindo paredes e prédios, passando e rodando ao lado do irmão, o que deixou Nino muito irritado.

— Não ajuda, né? Sua praga — resmungou.


Embora Alissa fosse convocada somente para exterminar Calamidades, sua vida era bem ocupada... ler livros não era tão fácil... aparentemente. Arthur, Samanta e Thales já haviam sido liberados pela Limpeza que confirmou não haver mais perigo no hotel, e o relatório da missão já havia sido enviado para Alissa, mas Alissa não havia tocado no celular ainda. 

Vestia um vestido tubinho midi com decote quadrado, sem fenda, alça fina e de cor branca, mais justo ao corpo do que suas roupas normais. Decidiu confiar na dica de Mirlim — que dessa vez não sugeriu algo mais "vulgar", na medida sinistra da pervertida — mas ao pedir para Mirlim acompanhar com uma escuta e guiá-la no que tinha que falar com o homem em que iria se encontrar, Mirlim riu tão alto que Alissa desligou o celular... indignada.

Uma pequena bolsa de cor prata lhe acompanhava. Suas luvas brancas, os olhos azuis se destacando como gelo azul em neve... Usava um sutiã tomara que caia para não deixar outras alças visíveis. Mesmo que Mirlim não tivesse sido tão pervertida nas dicas, ainda disse para Alissa não usar um, para que assim, o bico dos seios marcassem no vestido, e assim garantisse sua primeira vez... Obviamente Alissa não acatou tal dica.

O problema não era esse... O problema?

Desde que sentaram-se à mesa, somente a mulher falava... O problema²? Já havia chegado na décima quarta história de missões onde exterminou Calamidades sozinha... e o homem, alguns anos mais velho que ela, só escutava em silêncio concordando com o rosto e mantendo um sorriso falso... que Alissa não conseguia reparar que era forçado.

— Aí vieram as duas Calamidades juntas e eu fiquei jogando elas pros lados enquanto tentavam fugir! — Alissa ria muito, sentia-se muito animada, nem se lembrava que o vestido possuía decote. Apoiava a mão na mesa, gesticulava, não ficava parada. Contar aquelas coisas era a única coisa que sabia fazer.

Era algo que se importava. Que gostava. Então era o que mostrava para as pessoas em que queria tentar impressionar. Por ninguém nunca ter coragem de desafiá-la, ou pedi-la para parar de falar, continuava falando e falando acreditando que somente pelo fato dela gostar muito daquilo, os outros também gostariam de escutar. Lia muitos livros de amor, mas sempre vinha o branco em sua mente por não saber como conquistar um amor.

Hahaha...

Brrrr!

O celular vibrou na bolsa em seu colo. Porém dessa vez não foi uma vibração única que sentiu quando Samanta enviou o relatório. Era uma ligação. Ficou visivelmente furiosa ao ver que era. Mas segurou-o na mão, acreditando que poderia ser importante.

Era Louis. 

— Me dá só um minutinho, é importante — pediu. O homem concordou com a cabeça. Alissa levantou e saiu na direção de um ponto mais silencioso naquela cafeteria cara em que estavam. — Estou muito ocupada, seja rápido.

— Estou recebendo muitas reclamações de destruição em uma missão que você passou para seu esquadrão. A última que aceitou, aquela que Katherine até reclamou que já ia pegar quando você respondeu e tal. Pode voltar para a escola? Quero te passar um relatório de reclamações que escrevi de pessoas que ligaram, junto de imagens de tudo que já estou providenciando com o governo para liberar uma verba.

"O que aquela peste fez?" pensou com Nino fazendo uma careta de bobão em sua mente. — Tá, devo demorar alguns minutos, mas daqui a pouco apareço aí.

— Tranquilo, tch...

Alissa desligou não deixando o homem nem acabar de falar.

Ao voltar para sua mesa... percebeu que o homem não estava mais lá. Uma mistura de raiva, vontade de chorar e frustração surgiu com força. Não era de se arrumar tanto. Se produzir, usar maquiagem, embora pouca, já que sua pele era sempre perfeita. Mas, novamente foi deixada sozinha por um homem que encontrou em aplicativo de namoro.

Sentia-se cansada daquilo. Os livros lhe traziam certeza de viver o que os casais viviam enquanto lia. Mas a vida era diferente, era difícil. No papel, tudo era possível, mas na realidade, percebia que ainda podia fazer tudo... menos ser amada de verdade.

— Igual a todos os outros...

Uma lágrima quase surgiu. Apertava firme o celular, mas não queria quebrá-lo. Controlou a força do braço, mas não mudava o fato dos músculos se contorcendo com a dor de mais uma frustração.

Mirlim se safou de ser mais uma vez ignorada para que a sua filha contasse milhares de histórias de extermínios para outro homem, mas ainda sim, não estava lá para ajudá-la no pós de destruir mais uma tentativa de achar um amor.

Aquele momento gerou uma revolta tão abrupta que Alissa saiu andando do café esquecendo até mesmo de pagar a conta, enquanto pensava em Mirlim. Enquanto... cogitava pedi-la por uma lista bem peculiar já enviada no passado.

— Melhor eu comprar um consolo mesmo, é mais fácil — resmungou, brava.


Os minutos que pediu acabaram sendo segundos da mulher chegando na escola quase que como um teletransporte. Quando foi ver o que havia acontecido com Louis, Katherine ajudava-o com a administração da verba recebida para consertar os estragos pessoais e públicos de toda a área afetada. 

A roupa da mais forte acabou provocando o ódio da prima, que precisou conter-se irritada enquanto Alissa ficava próxima de Louis, que mostrava as coisas na tela do seu monitor. Um tempo depois, Alissa se encontrava em seu escritório... Nina, Nathaly e Nino em sua frente, enquanto a mais forte permanecia com o vestido, mas sentada em sua poltrona, com a perna direita sobre a esquerda e um olhar indignado na direção dos três.

— Vocês me fizeram sair do meio do meu encontro por causa de uma anomaliazinha? — questionou, muito irritada.

— Nós não, essa anta do meu lado aqui — Nina provocou e deu uma risadinha debochada, com os olhos entreabertos.

— Seu cu! — Nino protestou.

— Por que demoraram tanto pra matar uma simples aranha? Só não teve mais destruição do que contra a Fênix, mas contra a Fênix era compreensível, PORQUE ERA UMA CALAMIDADE! — Alissa colocou a mão no rosto, estressada.

— Tenho medo de aranha, desculpa... — assumiu Nino, de cabeça baixa, tentando ser fofo para não levar um cocão.

Nina riu, Bam... e Nino deu um chute na perna dela. Bam! Nina respondeu com outro chute, PAHF! e ele se jogou no chão fazendo drama como um jogador de futebol ao ser atingido por uma mosca, porém estava próximo de um jogador adversário.

AIII! AIII! ELA ME BATEU AQUI Ó!...

Alissa o encarava com uma expressão muito séria.

— Levanta. Agora.

Nino surgiu em pé, ereto imediatamente.

— Queria estragar meu encontro, é? — provocou com um sorrisinho.

— Tenho certeza de que você fez isso sozinha — respondeu, seco e bem sério.

Alissa abriu a boca para responder tal afronta... mas desistiu de xingá-lo e abaixou o rosto quase em depressão severa.

— Você tem razão, eu tenho um dom para isso...

Os três se entreolharam não entendendo como Nino não levou um murro... mas não reclamaram também. Desanimada, Alissa olhou para o celular sobre a mesa. Duas missões haviam acabado de chegar, mas Katherine mandou o quarto esquadrão na mais interessante. Leu mentalmente rapidinho o relatório inicial, enviou um pedido por um agente motorista da ADEDA e repassou para os TriN:

— Como castigo, vocês vão resolver uma coisa. Em Pinheiros está tendo um surto, os animais domésticos de muitas pessoas estão desaparecendo. Como é bem próximo de onde essa Ruína surgiu, talvez fosse ela mesma a causa. Mas eu duvido. Ruínas não iriam se alimentar de animais tendo força suficiente para destroçar dezenas de humanos de forma simultânea.

— Isso não é trabalho da polícia? — perguntou Nathaly.

— Sim e não. Não sabemos se é uma anomalia, mas como vocês fizeram merda... — Todos disfarçaram, fingindo que não era com eles. — São vocês que irão resolver. Já deixei um motorista na porta da escola para levar vocês até o metrô; chegando lá, peguem a linha 4, a amarela, e parem na estação de Pinheiros.

Aaaaah... Pede pro diretor nos mandar, pelo menos — reclamou Nino.

— Não. Sem teletransporte e sem permissão para irem correndo. Esse é o castigo. Passar o dia inteiro nesse lugar. E só voltem quando resolverem o problema. Vão logo, antes que eu obrigue vocês a irem se rastejando com a cara no asfalto — rosnou, e os três desapareceram de sua sala.

Olhando na direção da porta fechada... deitou-se com os braços esticados para frente, na mesa, voltando ao seu estado de frustração.

O carro de fato já esperava os três com as ordens da mais forte em frente ao portão da escola.

Embarcaram.

Na estação de metrô, já com os bilhetes, entraram naquele transporte pela primeira vez. Experimentavam também pela primeira vez o que um paulista passava diariamente para chegar até o seu trabalho. Se sentaram entediados. Olhares diversos na direção. Sobretudos chamativos. Todos sabiam quem eram.

— Culpa sua — reclamou Nina, sem nem olhá-lo.

— Calada — respondeu Nino, com o mesmo rosto e também sem olhá-la, mesmo sentados um ao lado do outro.


Chegaram em Pinheiros e não perderam tempo. Se dividiram e começaram a bater de porta em porta atrás de informações. Não sabiam quase nada, e perguntar para os moradores da região sobre os desaparecimentos de animais era a melhor escolha. 

Descobriram que nenhum animal havia sido raptado de dentro das casas; todos desapareceram enquanto os donos passeavam com eles ou quando os animais saíam correndo para brincar ao abrir o portão.

— "Ele sempre saía correndo, mas depois de um tempo voltava" — Nino repetiu o relato de uma das moradoras.

— Comigo também foi só essa história — respondeu Nina.

— Porra, tamo aqui há umas oito horas já — reclamou olhando na direção de um muro claro. Mãos afundadas nos bolsos.

O encontro de Alissa foi por volta das 09:30. Tomar um café gostoso e conhecer um macho, como Mirlim costumava dizer. O homem trabalhava de noite, mesmo nos sábados, então era o melhor horário. Mas, já faziam de fato muitas horas que os TriN permaneciam caçando pistas em Pinheiros. Nada e nada. Absolutamente nada.

Por parte, acreditavam que o culpado era a Ruína... Mas como iriam provar para Alissa revoltada com os três?

— Bora encontrar a Nathaly e ir embora, já tá anoitecendo. Amanhã a gente volta e conta para a Alissa só depois que resolvermos essa merda.

— Tá aprendendo isso com quem? Delinquente — provocou ele.

— Não enche — respondeu-o com ódio.

— Irresponsável — zoou.

— Não me enche o saco. Pra começar, é culpa sua estarmos aqui! — peitou-o olhando no fundo dos olhos.

— Diz isso de cara limpa mesmo tendo ficado só rindo lá? — protestou voltando o mesmo olhar julgador.

Nina riu dele novamente.

— Ué, você desesperado com medo de uma aranhazinha é impagável.

— Calada — respondeu e virou o rosto, não querendo admitir sua fraqueza.

Nina riu provocando-o por mais um momento, e os dois começaram a procurar Nathaly nas ruas. 


— Ela desapareceu também, é? — Nino zoou após procurarem por todo lado e não a encontrarem durante alguns poucos minutos. Passaram tantas vezes pelas mesmas ruas que o cheiro dela ficou por todo o lado. Não sabia em qual direção a garota de fato poderia estar. 

— Repita isso mais uma vez e eu quebro a tua cara! — Nina arregalou os olhos, quase como uma ameaça de morte, olhando-o. — Vou ligar pra ela.


Nathaly andava próxima ao Rio Pinheiros. Já havia aceitado que não encontraria nada, e ficou curiosa ao ver uma capivara. Era muito fofa. Dentucinha. Parou a entediante busca e foi até lá. Só havia uma. Mas capivaras não viviam em grupos? E... por que estaria em um lugar tão sujo? 

Animalzinho fofo. Meigo. Indefeso. Amigável. Aproximou-se tranquila, queria fazer carinho e ganhar um amigo roedor... o maior do mundo.

Brrrr!

A três metros do animal, o celular vibrou em seu bolso. Foi buscá-lo no bolso de trás do short, mas aí lembrou que agora o deixava no bolso interno do sobretudo para facilitar, pegou-o, atendeu ao ver que era Nina e voltou a andar:

— A...?

— Onde cê tá?! — Nina perguntou, preocupada.

— ...Tô aqui no rio, tem uma capivara fofAAAAAAAH!! — Nathaly gritou desesperada, e Nina se desesperou ainda mais.

— NATHALY?! NATHALY?! PORRA?!

A capivara, embora parecesse fofa por fora, era uma anomalia medonha... porém internamente. Quando Nathaly se aproximou, a capivara abriu uma boca que cresceu do nada. A anomalia que de altura batia no joelho da menina, aumentou o tamanho da cabeça e boca para ser o suficiente de devorá-la com uma só mordida.

A boca era cheia de círculos perfeitos de dentes. Círculos dentro de círculos dentro de círculos que rodavam como uma máquina mortífera de lâminas para cortar mármore. Parecia mais uma máquina que uma criatura de carne e ossos.

No susto, Nathaly pulou para trás, e seu celular caiu no chão. O avanço daquela coisa cabeçuda veio, e mesmo assustada, puxou sua espada, imbuiu-a de fogo e, Frrrumnmnm! lançou um ataque que incinerou a anomalia por completo. Travando-a como uma estátua queimada.

Olhou sua nova arte. Coração batendo um tanto mais rápido pela ansiedade. Pegou o celular do chão e respondeu sua melhor amiga:

— Descobri o que que tá rolando. Cola aqui no rio!

Nathaly desligou.

— Nathaly... ai Nathaly... Nãããããoooo! — Nino começou a zoar sua irmã, se aproximando do ouvido dela e zumbindo como um pernilongo insistente.

— Não enche — reclamou e o empurrou.

Ain Nathalyyyyy... — continuou, rindo muito. — Só faltou chorar.

— Eu vou alargar tua cara, moleque — ameaçou e encurvou seus dedos como garras.

— Parei, parei — respondeu, ainda rindo.


Chegaram ao rio, Nina tirou uma foto da anomalia incinerada e mandou para Alissa. 

Alissa, agora nua em seu apartamento, tomava um banho de hidromassagem enquanto bebia um bom vinho e ouvia uma música calma... chorando amargurada. Plinn... recebeu a foto. Olhou para o celular. O corpo esbelto sendo tampado pela espuma branca. Controlou-o com magia. Viu a conversa e enviou um👍joinha.

— Um joinha? Ela tem o quê? 45 anos?

— Ufa...

— Vamos embora.

Voltaram para a estação e pegaram o metrô de volta.

Dentro do metrô, os três sentaram juntos. Nathaly cochilou com a cabeça apoiada no ombro de Nino, Nino com a cabeça voltada para Nina, e Nina com a cabeça encostada na de Nino. Mesmo que fosse menos de 10 minutos de viagem.

Quando a estação certa foi anunciada, o sangue mantido acordado de Nino o acordou, e o Primordial sacudiu as duas. Nathaly acordou meio sonolenta, mas se levantou e saiu pela porta, enquanto Nina continuou dormindo feito pedra e babando como uma criança cansada após um longo dia brincando.

Tuc!

Nino a puxou pelo pé e ela caiu, batendo a cabeça no chão.

Não acordou, então ele continuou arrastando-a até a saída.

Vendo que ela não acordava de jeito nenhum, a carregou até o carro do motorista que os aguardava desde quando foram para a missão... coitado.


Já no prédio.

Mwah!

Quando o elevador parou no andar de Nathaly, a menina deu um beijo na boca de Nino, que nem prestava a atenção quando aconteceu.

— Até amanhã — balbuciou ela, saindo sonolenta para seu apartamento enquanto a porta do elevador se fechava.

— Que bom que tá desmaiada. Se visse isso, eu ia ser crucificado — murmurou Nino, depois que o elevador abriu a porta no sétimo andar. Saiu do elevador com uma expressão desanimada, abriu seu apartamento e foi direto para o quarto.

Pahfft!

Onde arremessou Nina na cama.

— O que que aconteceu agora? Eu tava junto. Não teve barulho nenhum. Por que tá desmaiada? — Olhava-a jogada na cama, indignado buscando uma resposta. Foi então que lembrou do desespero que Nina teve quando escutou Nathaly gritar.

Olhando-a dormir... decidiu se misturar com ela para entender o que aconteceu. Mesmo que fosse revelar sua conversa com Alissa. Era o preço para conseguir ajudar sua irmã. Olhava para ela com raiva, confuso. Mas sobre tudo isso, havia sua preocupação com o bem estar dela.

Estendeu a mão... mas ao chegar próximo da dela... hesitou por um momento.

— Foda-se — ignorou o receio.

Tocou as palmas.

Misturou-se com ela.

Viraram Um novamente, e nesse exato instante, PAHF! jogou-se com tudo para trás. Soltou a palma. Tudo que viveu depois da última vez que se misturaram foram para a cabeça dela. Quando Nina acordasse, já sabia que ia escutar um monte, mas isso era... nada.

Nino sentiu... tudo. Dor, amor, raiva, ansiedade, nojo. Viu-se transando com Nathaly, o nojo de cada cena se misturando com a dor que Nina sentiu ao escutar o grito da menina. Eram muitas coisas simultâneas gritando em sua mente. Coisas demais para absorver com tranquilidade.

— Qu-que isso...?

Continuava no chão. Costas apoiadas no guarda-roupa. As mãos tremiam e o Primordial ergueu as palmas, vendo-as sem conseguir controlá-las para pararem de tremer tanto. Suas unhas começaram a crescer como grandes garras... mas logo voltaram ao normal, quando a lágrima que distorcia sua visão caiu.

Não percebeu que chorava. Sentia-se extremamente confuso com tudo que havia sentido e com tudo que ainda sentia. Compreendia e não compreendia ao mesmo tempo. Experimentou o amor, mas como poderia saber que era amor se nunca amou?

Entendia o amor que Nina sentia por Nathaly, mas não conseguia entender como o amor realmente funcionava e o que tinha em Nathaly que fazia com que Nina sentisse tanta dor somente de pensar que ela poderia ter se machucado.

— O que é amar alguém? Como isso funciona? Se é sentir essa dor... Por que eu iria querer amar alguém?

Nino amava muito sua irmã... mas realmente não sabia como era o amor além desse de... irmãos.

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