Crônicas Divinais Brasileira

Autor(a): Guilherme Lacerda


Volume 1 – Arco 3

Capítulo 20.1: Cão, Macaco, Porco e Rato - Parte 01

Seu corpo era dor.

Logo que Akito apoiou as mãos no chão coberto de cinzas e lascas de osso, e forçou os braços para se levantar, cada músculo de seu corpo protestou. Não era exatamente uma sensação nova para ele. Não após o treinamento dos infernos pelo qual passara antes de chegar até ali e, mesmo assim, ainda que a dor fosse uma velha conhecida, ele era incapaz de se habituar.

O jeito era resistir e seguir em frente. Um passo lento e arrastado de cada vez.

Com suas pernas talvez pesando uma tonelada cada, ele cambaleou pelo Jardim de Ossos, de volta ao Vale dos Maus Espíritos, e então para a imensidão árida do Mausoléu, num percurso bem menos traumático, agora que a guardiã do Anhangabahú se fora. Não sem antes, é claro, seguir o conselho de Ienaga Senri e decepar alguns estilhaços de galhada do cervo branco, ao que ele fez Aglavros absorvê-los.

 

Parabéns!

Você aprendeu uma nova habilidade.

 

Skywalker

Esta habilidade permite ao usuário mover-se pelo ar, como se estivesse saltando por plataformas invisíveis. Quando ativa, os pés brilham numa aura azul etérea, que deixa um rastro cintilante no ar por um curto período. 

 

Muito útil! Será bom testá-la quando eu voltar à sede da guilda.

Não havia, contudo, mais tempo para ficar ali, uma vez que, mesmo ele tendo eliminado o perigo mais iminente, a Babel Verdadeira era imprevisível, e aquele andar estava em meio a uma guerra. Akito então não perdeu tempo e, ao alcançar a Night Engine, acelerou no caminho de volta a Lysentria, para devolver a motocicleta ao Sr. Cogsworth.

De novo, atravessando a paisagem estéril do Mausoléu, ele parava o veículo para alguns descansos curtos, apenas o suficiente para não ficar extenuado, e cochilava à sombra das lúgubres rochas que mais lembravam lápides, para se proteger do vento forte que cortava sob o céu pálido, tingido de violeta. Um grande alívio se apoderou dele quando finalmente avistou as muralhas da Cidade Necrópole, com os estandartes das guilda da Aliança dos Bálcãs drapejando acima do portão.

Sem perder mais tempo, sendo de imediato reconhecido pelos guardas, ele foi direto à Vapor Viajante, onde encontrou o Sr. Cogsworth esboçando a grafite o complexo projeto de outra de suas engenhocas.

— Rapaz Urushibara! — ele o cumprimentou efusivamente, tomando sua mão entre as dele para um aperto, nublado pela fumaça de seu sempre presente charuto. — É bom vê-lo outra vez e inteiro.

Akito esboçou um pequeno sorriso.

— De fato, foi um caminho tortuoso, mas sua Night Engine me poupou forças preciosas. Foi até mesmo uma ótima companheira de batalha.

O velho bufou, revirando os olhos como se aquilo não fosse novidade.

— E imagino que você tenha vindo devolvê-la?

— Acertou. É uma pena nos separarmos, mas, eu já cumpri meu objetivo neste andar.

— Ora! — retrucou o engenheiro, gesticulando como que para afastar o comentário. — E por que não levá-la com você?

— Desculpe, mas acho que não entendi bem — Akito ergueu uma sobrancelha. — O senhor quer vender para mim?

— Sim, e não farei mau preço. Esta Night Engine não é mais do que um protótipo, uma experiência bem-sucedida, com a qual você colaborou, ainda que não estivesse ciente.

Cogsworth então deu-lhe uma piscadela de cumplicidade e com um tapa na própria barriga, caiu na gargalhada.

Quer dizer que servi como rato de laboratório a esse velho salafrário?! Bem, suponho que eu não possa dizer que não mereci. Ele avisou que seus esforços estavam focados na guerra e surgiu com essa moto sem mais nem menos. Era de se esperar que houvesse algo por trás disso.

— E então, jovem? O que me diz?

Akito coçou a cabeça.

— Acho que o senhor está confundindo as coisas. Eu não tenho muito dinheiro.

— Besteira! — exclamou o velho, abrindo os braços como que para dar um basta naquilo. — Você não tem muito dinheiro agora, mas nós chegaremos a um preço adequado e eu parcelarei o valor. Veja bem, ela não me terá maior serventia aqui, a Aliança precisa apenas dos veículos maiores, mais robustos. Ouso dizer que a Night Engine nasceu apenas por um capricho meu e nas suas mãos ela servirá a um propósito maior do que acumular poeira no fundo da oficina!

O filho do deus da guerra semicerrou os olhos, avaliando o engenheiro. Suas palavras eram apaixonadas e a expressão corporal não denunciava nenhum engodo, desta vez. Era como um pai orgulhoso que, no entanto, carecia de tempo para dar atenção ao filho.

Em meio a esse pensamento, Akito se pegou olhando por cima do ombro, para uma fresta na porta que ficara entreaberta quando entrou. Por ali, ele vislumbrava apenas uma silhueta da motocicleta estacionada do lado de fora, e entendeu que a desejava.

Havia, contudo, um último problema.

— A tecnologia que você utiliza aqui é muito diferente dos veículos em Fantasia. Como vou fazer a manutenção dela se o único engenheiro capaz estará na Babel Verdadeira?

— Isso não é desculpa, filho — Cogsworth bufou. — É claro que eu vou fazer a manutenção pessoalmente uma vez por mês, durante a minha folga. Quero coletar dados sobre o desempenho dela e fazer melhorias também. Ou você acha que sou do tipo que abandona suas criações?

Assim, todas as objeções foram contornadas. Restava apenas fechar o negócio, e o engenheiro cumpriu com sua palavra ao fazer um bom preço pelo veículo.

Vendeu-lhe a Night Engine por cerca de três vezes o que Akito lucrara na incursão da guilda às Florestas do Inferno, sem contar o monstruoso gorila de quatro braços. Uma soma que qualquer Caçador que frequentasse a masmorra com alguma assiduidade e o mínimo de desafio, poderia levantar em menos de seis meses.

Ele acelerou com sua nova motocicleta, de volta ao elevador, diminuindo consideravelmente o tempo necessário para percorrer a distância entre ele e a Cidade Necrópole. A estrutura de latão polido parecia maior do que se lembrava e a motocicleta coube no interior da geringonça com alguma folga.

Foi Caronte quem o recebeu silenciosamente, Tânatos não estava mais lá, e não cobrou pela viagem. Uma janela do Sistema, porém, surgiu diante dos olhos de Akito: 

 

Aviso!

O preço pela viagem no elevador da masmorra foi reduzido do valor máximo de experiência pela missão.

 

O rapaz deu de ombros.

Antes isso do que ter de me desfazer de uma porção de Prana sem o meu corpo ter se recuperado totalmente.

Ele seguiu pelas ruas de Fantasia, afastando-se do centro, após chamar alguma atenção ao deixar o Átrio na Night Engine, e vendeu alguns dos espólios da incursão para a Administração Central.

***



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