Crônicas Divinais Brasileira

Autor(a): Guilherme Lacerda


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 5: Brigada de Estrelas

Akito e Corrin tomaram um bonde no centro da cidade e, ainda assim, tiveram de caminhar por mais de um quarto de hora até que o castelo surgisse diante deles.

A grande estrutura de pedra, que funcionava como sede da guilda, fora erguida no topo de uma colina, cercada por um bosque denso. Um par de torres ameadas vigiava uma estradinha de cascalho, que permeava a mata para desembocar num robusto portão de madeira reforçada, que o novo companheiro do filho do deus da guerra se assegurou em trancar, logo que conferiu se ninguém os seguira pela trilha até ali.

Ao entrar no forte principal, Akito foi surpreendido com a presença de iluminação moderna, sistemas de aquecimento e ar-condicionado, banhos com água quente, uma cozinha moderna e uma sala de treinos equipada com simuladores de combate e testes físicos. Havia também vários quartos com camas confortáveis, que o fizeram estremecer pelo cansaço, com armários individuais para armazenamento dos equipamentos e roupas. Por fim, um jardim interno com uma fonte e espaço para treinamento ao ar livre, além de um misto de estábulo e garagem subterrânea com um modelo esportivo estacionado e meia-dúzia de cavalos.

— Esse lugar é incrível! — ele se admirou, fitando Corrin de olhos arregalados. — Ouvi dizer que as guildas internacionais não tinham tanto luxo.

— A propriedade em si não custou tão caro — respondeu o anfitrião, dando de ombros. — As guildas maiores preferem ficar mais perto do centro. Acho que já vimos quase tudo, com exceção da biblioteca e do escritório da administração, mas podemos deixar isso para outro dia se fizer mesmo questão. Por hora, os outros devem estar nos esperando no salão comunal.

Ele guiou Akito até o andar superior, sem mais nenhuma palavra a respeito da fortuna que decerto gastara naquele lugar, até uma aconchegante sala com lareira, em que os outros Caçadores relaxavam em sofás e poltronas. Assim que eles adentraram o cômodo, notaram uma garota de longos cabelos dourados e olhos cor de rubi que, encolhida numa poltrona, correu para se esconder à vista deles.

Diante da cena, Corrin pigarreou.

— Esta é uma nova recruta, assim como você — ele explicou a Akito. — Mila Ambrósio, uma curandeira da classe “B” que eu encontrei enquanto te procurava.

— O que tem de errado com ela? — Akito indagou, perscrutando a loirinha. Ela possuía um corpo esguio e curvilíneo, mas que evocava pouca sensualidade por conta de sua postura tímida e infantil.

— O que tem de errado com você?! — perguntou outra mulher que estava na sala, colocando-se entre Akito e Mila, que se encolheu feito uma lebre encurralada atrás dela. — Seu desempenho nesta tarde foi lamentável.

Esta tinha longos cabelos castanhos, presos numa trança adornada com enfeites delicados, e fitava Akito de cenho franzido e braços cruzados, que lhe avolumavam ainda mais os seios, acentuando sua figura voluptuosa.

— Akito? — chamou Corrin, mas ele não desviou o olhar dela. — Esta é Jenna Spencer, uma Caçadora de ocupação Guerreira.

O rapaz a mediu de cima a baixo. Era alta, talvez uma cabeça mais alta do que ele, o que adicionava uma presença dominante em qualquer ambiente e tinha os músculos torneados, provavelmente resultado de um treinamento rigoroso e disciplina física. A combinação de força e curvas sensuais criavam nela uma aparência impressionante, mostrando que era uma mulher tanto de poder físico quanto beleza.

— Que tal se eu der a você o mesmo gosto de Nicol Chevallier? — Akito a desafiou.

— Por que não tenta a sorte? — Jenna respondeu, cerrando os punhos. — Eu já conheço seu estilo de luta. Não serei descuidada como a Cavaleira das Duas Rosas.

Uma atmosfera de tensão pesou na sala, porém Corrin foi mais rápido em evitar o pior. Com um tapa mais forte no ombro de Akito, ele obrigou o espadachim a se sentar numa poltrona, evidenciando toda a sua fadiga quando as pernas dele cederam sem maior resistência.

— Onde é que eu estava mesmo? — perguntou-se, como se nada tivesse acontecido. — Explicando o funcionamento da guilda, não era? Pois bem, eu sou o mestre e Jenna a vice-mestra. Somos ambos membros fundadores e Petr foi nosso primeiro recruta.

Sem dar mais espaço para novas provocações, Corrin apontou para um homem jovem, de rosto harmonioso e traços delicados, com maçãs do rosto suavemente delineadas e testa estreita, complementando a linha fina das sobrancelhas que se curvavam de forma graciosa.  Seus cabelos eram cinzentos, puxados para trás em um penteado impecável e os olhos dourados brilhavam com intensidade, refletindo uma alma astuta, apesar de sua expressão neutra.

— Que alegria finalmente ter calouros — Petr aparentou comemorar, mas Akito não teve certeza, já que ele não esboçou nenhuma emoção no rosto. — Prometo ser um bom veterano.

— Ele é sempre tão animado? — o filho do deus da guerra perguntou a Corrin.

— Você se acostuma — respondeu o mestre de guilda, ignorando o sarcasmo. — Todos nós acabamos aqui por motivos diferentes, mas temos algo que nos une.

— E o que é? — Akito quis saber.

— Somos um bando de párias que se reuniu para desafiar o conceito de impossível. O que buscamos são objetivos inalcançáveis, nossos sonhos estão tão distantes como as estrelas, mas juntos cada um de nós será para o outro uma luz na escuridão e por isso criamos esta guilda: a Brigada de Estrelas.

— Eu… — Akito mordeu o lábio, imaginando se não os julgara mal de início. Ele sabia bem o que eram lágrimas no escuro, solidão e, por fim, uma luz… ainda que tênue. — De certo modo entendo o que você quer dizer e imagino que saibam do meu objetivo.

— Você não fez exatamente questão de esconder — comentou Petr em sua voz monocórdia —, mas qual é o motivo para desafiar os reis celestiais?

Akito hesitou em responder à pergunta.

— Você não vai chegar a esse objetivo sozinho — pressionou-o Jenna. —, ainda que se esconda por trás de toda essa empáfia. Se quiser nossa ajuda é melhor falar logo.

O rapaz a fitou com uma expressão dura.

— Eu sempre estive sozinho… — sua voz falhou ao olhar de esguelha para Corrin, que o salvara naquele dia mais cedo. — Está bem! Eu vim a Fantasia para reencontrar minha irmã.

Curiosos para saber mais, os outros se ajeitaram para ouvi-lo. Até Mila, que tinha verdadeiro pavor de Akito, se empertigou.

— Quando éramos crianças, prometi ao meu pai que eu a protegeria se alguma coisa acontecesse a ele. Quando os agentes das Nações Unidas a levaram, suspeitei que Mayumi estivesse na cidade da masmorra. Ela tinha prana suficiente para despertar um gear de classe S, mas quando consultei o sistema hoje mais cedo não havia registro dela. Logo, Terumi me disse que a única forma de se obter informações sobre o paradeiro da minha irmã seria desafiando os Reis Celestiais.

— Terumi? — Corrin indagou desconfiado. — Terumi Sonoda?

— Sim — respondeu Akito —, a presidente da Comissão para Recrutamento de Caçadores Novatos. Foi ela quem me recebeu na cidade.

A expressão confusa do mestre de guilda o fez ter uma pontada de dúvida.

— Por quê? Isso é estranho?

— No mínimo curioso — Corrin observou. — Terumi Sonoda, a Cronomante, é uma rainha celestial.

A revelação deixou Akito lívido, mas não tardou para que a palidez em seu rosto desse lugar a uma furiosa vermelhidão.

— O que ela está planejando, afinal? Acabaremos nos enfrentando.

— Não faço a menor ideia, mas temos assuntos mais urgentes — lembrou Corrin. — Como o Submundo, por exemplo.

— O que o Submundo tem a ver com isso? — Jenna indagou, estranhando a súbita mudança de tópico.

— Um contrato de assassínio foi encomendado logo que Akito derrotou Nicol Chevallier.

A vice-mestra bufou.

— Já estou me arrependendo de deixar você trazê-lo para cá. Apesar de um pingo de intenções nobres, esse daí é muito arrogante, um pervertido e já está nos empurrando seus problemas.

— Eu não estou pedindo nenhum favor a você — Akito desdenhou.

— Acalmem-se, os dois! — Corrin tentava esfriar os ânimos mais uma vez. — Jenna, você sabe que isso era inevitável se planejamos mesmo desafiar os Quinze Reis. Akito só foi mais rápido.

— Mas afinal, o que é o Submundo e quem são os Bestiais?

— É uma organização criminosa — explicou Corrin — que reúne Caçadores para trabalhos escusos.

— Eles agem do mesmo jeito que a máfia — Jenna detalhou —, numa rede de influência que oferece proteção em troca de favores. Seus integrantes mais perigosos são os Bestiais: Cão, Carneiro, Cavalo, Cobra, Coelho, Dragão, Galo, Macaco, Porco, Rato, Tigre e Touro.

Jenna nomeava cada um deles, enquanto os contava nos dedos, a fim de não se esquecer de ninguém.

— Muito impressionante! — comentou Akito, revirando os olhos. — Se eles agem principalmente em Fantasia, por que o Comitê de Segurança não faz nada para detê-los?

— Os lobos vivem para enfrentar esses fora da lei — elucidou Petr —, mas para acabar de uma vez com a organização seria necessário derrotar o seu líder: Hashimoto Henzo, o Ceifeiro de Almas. Ele é um dos Quinze Reis Celestiais.

— Um dos reis é um criminoso? — perguntou surpreso o filho do deus da guerra.

— A lei de Fantasia é o poder — Jenna disparou.

Akito estremeceu ao ouvi-la e caiu na gargalhada. Mila se encolheu ainda mais ao ver como o Rei Demônio se contorcia num riso vilanesco.

Jenna e Corrin estranharam aquela atitude e até Petr, sem nenhuma expressão no rosto, ergueu uma sobrancelha.

— Devo assumir que foi esse tal de Hashimoto quem redigiu o contrato de assassínio para mim? — ele indagou, limpando uma lágrima que escorrera de tanto rir.

— Apesar de ser o mais provável — disse Corrin taciturno —, não podemos assumir isso. Não é do feitio do Ceifeiro de Almas agir por meios indiretos. Ele já foi visto muitas vezes lutando contra o Dark Guardian nas linhas de frente. Se quisesse matar você, acho que viria pessoalmente.

O mestre de guilda coçou a cabeça, parecendo a Akito que ruminava seriamente aquele assunto, considerando todas as implicações, mas seu raciocínio foi interrompido por Mila.

— Talvez eu tenha vindo para a guilda errada — lamentou-se a curandeira.

— Apesar do caminho tortuoso, se você tiver algum sonho a realizar, nós ajudaremos — Corrin a reconfortou.

— Posto que estamos falando nisso — interrompeu Akito —, quais são os desejos de vocês, afinal?

Os outros ficaram estranhamente calados, não parecendo muito confortáveis de falar em seus anseios.

— Eu não devo nada a você para ter de expor minha vida — censurou Jenna.

Corrin olhou dela para Akito e suspirou.

— Estou procurando um vampiro — revelou o mestre, dando ao espadachim um voto de confiança —, mas é só o que posso dizer por agora.

Akito deu de ombros, era injusto, mas não adiantava insistir. Ele não conseguiria mais naquela noite.

— Será bom para nós se derrotarmos Hashimoto — Corrin avaliou. — Ele é o guardião de muitos segredos obscuros em Fantasia e isso pode nos colocar um passo adiante em nossas buscas, mas antes eu gostaria de ver como os novatos se saem na exploração de masmorra. Nós precisaremos de recursos para lutar contra os Quinze Reis e não há jeito melhor de obtê-los do que na Babel Verdadeira. Amanhã faremos um exercício de campo.

Corrin e Jenna se levantaram, dando a reunião por encerrada.

— A sede da guilda tem dormitórios masculinos e femininos —  explicou o mestre, olhando de Akito para Mila. — Apesar de podermos dividir quartos, não há necessidade disso. Akito, você vem comigo.

— Vou levar Mila ao quarto dela — Jenna avisou, mas, antes de partir, fuzilou Akito com o olhar. — Não se atreva a tentar nos espiar ou você morre!

— Você está presa aqui comigo, Spencer — Akito provocou. — Com o inferno diante de você, que tal dar um abraço no Rei Demônio?

Ele bateu os dentes com força e ganiu em direção a Mila, que saiu correndo assustada. Os olhos de Jenna faiscaram de ódio, porém, um aceno de Corrin a fez desistir da briga e ela se foi atrás da loirinha.

— Engraçado — disse Petr, com o simulacro de uma risada, mas sem esboçar nenhuma reação verdadeira.

Corrin afundou as mãos no rosto, temendo pela convivência na guilda.

— A propósito, mestre. Não tem problema eu ter simplesmente escapado daquela cela?

— Do que está falando?

— Como assim? — o espadachim franziu as sobrancelhas. — Eu fui preso pelo Dark Guardian. Você me encontrou lá, debaixo da arena.

— Você não foi preso, Akito — assegurou Corrin. — Ao procurá-lo eu fui até o Quartel General dos Lobos e não havia nenhuma denúncia registrada.

— Não pode ser! Eu fui posto naquela cela pelo que fiz a Nicol Chevallier. Dois guardas estavam me vigiando e…

Ele se deteve.

A cela não estava trancada.

— O que fez com Nicol não foi exatamente louvável, mas o mínimo que se espera de uma batalha entre dois Caçadores é que alguém saia humilhado. A lei de Fantasia…

— Sim — Akito o interrompeu. — É o poder. Eu sei e já estou gostando disso, mas e aqueles lobos? Os dois que morreram.

— Presumi que estivessem protegendo você — disse Corrin, enrugando a testa. — Afinal, se há um contrato de assassínio com seu nome nele, o Dark Guardian teria seus meios para descobrir.

Akito coçou o queixo. Não adiantava perder mais tempo naquilo.

— Já está tarde. Você pode me mostrar onde vou dormir.

Corrin não disse mais nada, despachando Petr com um aceno de cabeça, e os dois então se foram em silêncio.



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