Crônicas Divinais Brasileira

Autor(a): Guilherme Lacerda


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 4: O Lamento da Assassina

Akito terminou na prisão.

Exausto pelo esforço da batalha, ele se retirou após derrotar Nicol Chevallier, deparando-se com o Dark Guardian no caminho de volta para o vestiário.

— Parabéns pela sua vitória — ele o cumprimentou numa voz grave e com um movimento rápido imobilizou o rapaz. — Ainda assim, deixar sua adversária nua é um ato de desobediência grave contra a moral pública.

O filho do deus da guerra sentiu o aperto como fosse de aço e caiu de joelhos, forçado ao chão. A diferença de um Classe A para um F.

O Lobo Alfa o conduziu até uma masmorra subterrânea na Arena Central e empurrou Akito para uma cela. Dois de seus subordinados vigiam o corredor mais a frente.

— Não perca seu tempo — Guardian alertou. — Estas grades são de Adamantino, um metal raro explorado somente na Babel Verdadeira. Forjadas com encantamentos poderosos que poderiam conter até mesmo um Classe S.

E ao dizer isso, ele se foi a passos largos. Sem nenhum gesto de desprezo ou carranca de intimidação. Não houve acusação formal ou direito a resposta. Quase como se o Lobo Alfa estivesse com pressa de sair dali.

Akito olhou ao seu redor, para o cubículo de pedra e sem janelas em que fora trancado. Tudo o que havia na cela era um banco de ferro suspenso por correntes numa das paredes.

Ele passou um dedo pela superfície de metal, constatando uma grossa camada de poeira, e deu de ombros. Deitou-se, afinal já dormira em lugares muito piores durante seu treinamento.

Para alguém como ele, a habilidade de descansar, mesmo nas situações mais desconfortáveis, era imprescindível. Conforme o sono lhe chegava, o Filho do Deus da Guerra quase ouvia o eco das palavras de seu velho mestre.

Então você quer ser forte, moleque… que ironia!

Quando os agentes das Nações Unidas vieram testá-los, descobriram que ele era tão fraco que não valia sua atenção. Tão fraco quanto sua irmã era forte. Um classe F e uma classe S.

Cada um nascia com uma quantidade definida de Prana em sua alma. Naquela época ele se frustrou com a descoberta. Prometera cuidar de sua irmã, mas o que faria com tão pouco poder?

Esta é toda a sua determinação? Patético! Esse é o problema daqueles idiotas… brincando de caçar monstros numa torre. Os seres mortais são: corpo, mente e espírito. Ainda que o último seja forte, o indivíduo que não treina os outros dois é fraco!

Ele ficara surpreso com aquela afirmação categórica. A lei de Fantasia era o poder. A energia da alma, que alimentava o gear dos Caçadores, era tudo o que importava. Assim ele havia aprendido.

E daí se você não tem muito poder em sua alma? Eu vou ensiná-lo que há mais do que isso em ser forte.

Foram estas as palavras que o fizeram se submeter àquele treinamento infernal. Todos os mortais nascem com algum nível de força física. Os Caçadores são ainda mais fortes que as pessoas comuns, mas ninguém, nem mesmo eles, consegue quebrar o limitador do extinto de sobrevivência.

Não é impossível aumentar esse vigor. Forte ou fraco é você quem decide como vai viver. Se está frustrado por ser o mais fraco, então prove que ainda não está pronto para desistir!

A solução para quem tinha pouco poder na alma era simples, bater mais forte! Akito aumentara o limite de seu corpo ao ponto de superar fisicamente outros Caçadores.

Nicol Chevallier não entendera como seu corpo ficou mais forte, mas essa conversão de energia em poder impunha um preço em constituição física. Nas primeiras vezes ele colapsara, mas após o treinamento aguentava pelo menos ficar de pé. O suficiente para não demonstrar fraqueza.

Até mesmo o Dark Guardian não seria páreo para a sua Broken Chain se estivesse descansado.

***

Ele abriu os olhos.

Quanto tempo se passara? Akito se deu conta de que não perguntou até quando ficaria preso.

— Ei, vocês dois! — chamou pelos guardas. — Já não está na hora de me soltarem?

Um deles deu um passo em falso e caiu para frente, enquanto o outro tombou de costas com um buraco em seu peito. Aquilo o sobressaltou e Akito ficou de pé num salto.

— Então era aqui que você estava se escondendo — disse uma voz feminina, vinda da passagem escura no fim do corredor.

Das sombras, emergiu a figura esguia, porém elegante de uma mulher de curvas suaves, que ressaltavam sua feminilidade. Seus longos cabelos loiros, presos numa trança, caíam-lhe até a cintura, destacando-se feito um raiar de aurora no ambiente lúgubre da masmorra. Ela vestia um macacão de couro, muito justo, que realçava sua abundante volúpia e o quadril torneado.

— E o que você veio fazer aqui? — Akito indagou, tentando soar despreocupado ao fitá-la diretamente nos olhos, de um azul intenso, tal qual um céu de verão.

— Não é óbvio? — ela respondeu. — Eu vim para te matar!

— Mas que falta de sorte — ele a provocou, lembrando-se do que o Dark Guardian antes dissera. — Há uma grade de adamantino nos separando. Aparentemente, mesmo que fosse uma Caçadora da Classe S você não conseguiria transpô-la.

A mulher testou a porta da cela e a abriu sem maiores esforços. Não estava sequer trancada.

— Obrigado? — ele mal disfarçou a perplexidade. — Por abrir caminho para a minha fuga… 

O punho da assassina explodiu contra a parede atrás dele. Akito não vira o golpe, apenas escapando graças aos reflexos de luta treinados à exaustão.

Havia uma cratera atrás de si e ele soube que o punho dela buscara sua cabeça. Sem titubear, o Filho do Deus da Guerra estendeu o braço, invocando o sabre numa batida de coração.

— Aglavros!

Aproveitando a proximidade, materializou sua espada para trespassar o peito da assassina. A mulher vomitou sangue quando a lâmina se projetou atravessando seu corpo e desmontou no chão da cela quando ele puxou o sabre.

— Você baixou demais a guarda.

Akito abandonou seu cárcere, deixando o corpo para trás, mas um som estranho o fez se virar antes de seguir pelo corredor. O traje da assassina tinha uma composição estranhamente gelatinosa e se movia como fosse vivo. Costurando por seu peito em linhas viscosas, aquele estranho poder não demorou a curar o ferimento.

— Para onde é que você está indo? — ela se levantou, com um sorriso inclemente. — Nós dois estamos só começando.

Uma gota de suor escorreu pela testa de Akito. Ao empunhar Aglavros, ele sentiu os braços tremendo pelo esforço e a cada passo suas pernas se transformavam em chumbo.

A luta teria de ser rápida.

Com um impulso que fez tremer o chão, a assassina investiu. Akito instintivamente recuou, aumentando a distância enquanto ela atacava com socos e pontapés. Aproveitando-se do pouco espaço no corredor de celas para o encurralar.  

O rapaz tentava usar a Visão Perfeita para determinar o padrão de ataque por detrás de toda a agressividade.

— Não vai adiantar — ela avisou, lendo suas intenções. — Ainda que consiga acompanhar os movimentos do meu corpo, não conseguirá deter o meu gear: Slime Hell!

Das roupas dela irromperam tentáculos da mesma consistência gelatinosa que usara na chaga em seu peito. Akito brandia a espada sem descanso, seu corpo estava no limite do cansaço, tendo de lidar não apenas com os punhos dela, mas estes apêndices que se solidificavam para ter o mesmo corte de uma lâmina ao atacar.

Não adiantaria usar o Broken Chain naquelas condições. Restara a ele uma última carta na manga.

— Quinteto de espadas: Homura!

Concentrando toda a energia que lhe restava na velocidade do jogo de pés, Akito criou uma pós-imagem de si mesmo ao se esquivar. Confundindo a inimiga, sua miragem desapareceu ao ser atingida pelos tentáculos e ele desferiu um corte à queima-roupa de cima para baixo.

Um talho se abriu entre os seios da assassina, que ficou estática. Todos os seus gelatinosos membros extras foram arrancados da base do traje.

Como há tempos não acontecia, ele estava no limite. A força das pernas o abandonou e Akito só não foi ao chão porque se apoiou na espada. Sangue escorria de seus olhos, feito lágrimas.

O som de lentos aplausos lhe chegou aos ouvidos.

— Eu estou começando a entender o porquê de quererem você morto — falou a loira, usando o traje mais uma vez para se curar. — Há uma coisa no seu jeito desesperado de lutar que há muito tempo eu não vejo: potencial de guerreiro. É mesmo uma pena ter que acabar desse jeito.

Ela arrancou uma das mangas do macacão, que escorreu feito geleia para endurecer numa estaca. 

Akito pensou em se desculpar com seu pai e irmã pelo fracasso em cumprir a promessa de proteger a família, mas decidiu que morreria de cabeça erguida. Usou as forças restantes para ficar de pé e encarar a loira num último olhar de desafio.

— Vamos com calma, senhorita — uma voz chegou a eles pelo corredor. — Eu tive muito trabalho para encontrar o Akito depois da batalha contra a Vice-Presidente. Não posso deixar que acabe com ele assim.

Era o encapuzado. A poucos metros deles, displicentemente repousando as costas numa parede.

— É mesmo? — a mulher riu da intromissão. — Por que não tenta me impedir?!

De suas costas um tentáculo arremeteu contra o estranho, mas num movimento rápido ele o agarrou antes que a ponta penetrasse as sombras de seu capuz.

O que pareceu uma corrente de energia rubra então percorreu o pegajoso apêndice desde a mão do estranho até se descarregar na assassina. Ela soltou um gemido fraco e sentiu o corpo rijo.

As funcionalidades de seu traje pareciam desativadas e a roupa toda começou a se dissolver numa gosma. Akito aproveitou para se apoiar contra a parede e tomar fôlego.

Quando olhou de novo, ela já estava quase toda despida, coberta apenas pelo que pareciam restos de um chiclete mascado. Com as pernas à mostra e um seio escorregando para a vista.

O Filho do Deus da Guerra se permitiu uma respiração mais longa, mas seu alívio não passou despercebido pela assassina, que trincou os dentes ao entender que ele agora estava fora de seu alcance.

— O que você está fazendo aqui? — Akito perguntou ao encapuzado.

— Salvando você, talvez? As batalhas simuladas já acabaram e eu vim recrutá-lo para a minha guilda. Como prometido.

Akito suspirou.

— E quanto a você? — inquiriu, voltando sua atenção para a loira. — Por que está tentando me matar? E ainda por cima eliminou dois lobos. Não teme a represália do Dark Guardian?

Ela fitou os cadáveres, ainda sem conseguir se mexer.

— Esses lixos morrem feito moscas no Submundo. Você é um novato, ainda não sabe como as coisas funcionam. E se depender de alguns nessa cidade, jamais saberá.

Depois ela o encarou numa expressão pensativa, que indicava escolher bem as próximas palavras.

— Mais cedo ou mais tarde você vai acabar descobrindo mesmo — murmurou, mais para si do que para eles, e então ergueu a voz para falar a Akito. — Uma recompensa foi oferecida pela sua cabeça no Submundo. Logo que você derrotou Nicol Chevallier.

— Qual é o seu nome? — Akito quis saber.

Ela hesitou.

— Layla. Layla Pearson — disse, por fim. — Se vai me matar faça isso logo e não fique de joguinhos. Eu não sei o porquê de tudo isso, além do absurdo de você ter humilhado uma administradora executiva da cidade. E tampouco me importo.

Layla reuniu forças para um riso seco, mas seu corpo continuava imobilizado.

— Seu amiguinho pode ter chegado a tempo de me derrotar hoje, mas você não é grande coisa sozinho. Tome cuidado, Urushibara. Caso assassinos comuns não consigam dar conta do serviço, logo os Bestiais virão.

— Quem são os Bestiais? — indagou Akito.

— Eu explico a você mais tarde, quando estivermos num lugar seguro — o estranho os interrompeu. — Ainda há muito que você precisa saber, mas por hora o que faremos dela?

Akito assentiu para ele e logo depois derramou um olhar cruel sobre Layla.

— Ajoelhe-se — ordenou o Rei Demônio a ela.

A assassina o encarou perplexa.

— O que você está querendo?

Ele não respondeu, apenas fitando o encapuzado. Com seu poder, ele fez Layla cair de joelhos com a testa no chão.

Akito pisou sobre a cabeça dela.

— Melhor assim. Não é nada pessoal, apenas estou te colocando no seu devido lugar depois de todas as besteiras que disse. Nós não vamos matar você. Viva para se lembrar dessa humilhação e saber que foi incapaz de lidar com um simples classe F!

Lágrimas de ódio brotaram dos olhos dela. O Rei Demônio caiu na gargalhada ao perceber que a ferira onde mais doía, no orgulho.

— Era esta a expressão pela qual eu ansiava. Eu vou esperar por você, Layla. Quando vier em busca de vingança.

— Urushibara! — ela gritou, se debatendo enquanto Akito mancava com o estranho para longe dali.

— Você é mesmo desprezível — disse o encapuzado.

— Para alguém que ajudou de boa vontade você deveria parar de esconder o sorriso por debaixo desse capuz. Ainda vai demorar para ela ficar livre?

— O suficiente para sairmos daqui em segurança.

— Perfeito. Ficar com a bunda para cima deve fazer bem para ela ganhar um pouco de humildade.

— Você é mesmo o maior inimigo das mulheres nessa cidade — seu novo companheiro observou.

— Não me importa o que pensarem de mim — Akito o desafiou —, mas não vou a lugar nenhum sem que você me revele a sua identidade.

— Onde estão meus modos? — perguntou-se o outro de modo afetado. — Meu nome é Corrin Draoberth.

Ele baixou o capuz, revelando um rosto pálido, que ressaltava o brilho enigmático de seus olhos carmesim, e uma espessa juba de cabelos negros e encaracolados. Em sinal de amizade, os dois trocaram um aperto de mãos. 

Quando Corrin sorriu, Akito reparou em seus caninos pontudos e pensou que ele mais parecia um vampiro.



Comentários