Volume 1

Capítulo 14: Elmo e Espada

O som do trotar dos cavalos ecoava pelas vielas do distrito. Alguns moradores abriam as janelas, curiosos para observar a passagem do grupo dos Dragões, liderados por Laki. Haru, por não conhecer o caminho, seguia por último na fileira, montado em Gládio.

A mansão da Guilda localizava-se a alguns quilômetros do castelo Fénnut, a morada dos Kaiser Drache. Com as montarias, os cavaleiros chegavam em poucos minutos.

—Fiquem a poucos passos atrás de mim — ordenou Laki, com o olhar firme e confiante. — Como manda a tradição.

O recrutado não entendeu o motivo, mas apenas obedeceu, seguindo-a enquanto os grandes portões da guilda se abriam. O casarão se erguia de maneira imponente, refletindo o antigo poderio do reino de Anfell. Após sua queda, estruturas como aquela haviam sido transformadas em órgãos reguladores, uma em cada um dos doze distritos.

No alto da construção, próximo ao telhado, o brasão com um elmo atravessado por uma espada simbolizava o lema “a razão em proteger”, herança do maior dos reinos. As paredes externas, de madeira pintada em branco e dourado, harmonizavam com a bandeira tremulando no alto do mastro, carregando as mesmas cores e insígnias, à oeste do edifício.

Assim que os três Dragões cruzaram o limiar, todos os presentes interromperam seus afazeres para observá-los. Os olhares, em sua maioria, os acompanhavam com escárnio a cada passo.

—O clima hostil de sempre, hein? — murmurou Grimm, parando ao lado de Haru.

Os olhos de Laki percorreram o salão, encarando os rostos que agora a observavam — muitos dos quais remetiam a lembranças incômodas. Recordava-se de quando acompanhara Alice, aos catorze anos, e nem mesmo o peso de uma coroa garantira à rainha o mínimo respeito ali dentro. “Pelo visto, chegou a minha vez”, pensou, respirando fundo.

—Os Kaiser Drache se apresentam para o serviço na vila Melnyk — declarou com firmeza, batendo continência segundo o costume de Anfell: punho esquerdo cerrado contra o lado direito do peito, com o braço estendido horizontalmente.

—Agradecemos a disponibilidade — disse a secretária, estendendo um documento sobre a mesa à frente da líder. — Por favor, preencha o termo conforme solicitado.

O documento de aceitação deixava claro que o clã assumia total responsabilidade pela missão — inclusive no caso de perda de membros por morte, desistência ou invalidez. Não havia cláusulas que mencionassem a presença de recrutados, o que evidenciava a raridade da situação em que se encontravam.

Laki retirou a caneta tinteiro do suporte e assinou o espaço destinado ao líder do grupo. Enquanto isso, o espadachim observava os aventureiros independentes presentes no salão. Alguns traziam cicatrizes visíveis, e todos lançavam olhares duros — principalmente para a pulseira de ferro no pulso de Haru.

—Aqui é o único lugar onde você vai sentir que estamos em “pé de igualdade” — explicou Grimm. — Sempre vão nos tratar como intrusos, ladrões de oportunidades. Isso não vai mudar.

—Como assim? — perguntou Haru, franzindo o cenho.

—Eles acham que a gente nem devia existir — respondeu o rear, soltando um suspiro. — A Queda nos tornou essenciais para o Estado, o que significa que os aventureiros independentes passaram a ter menos missões disponíveis.

—O que implica em... menos dinheiro? — questionou o novato, já adivinhando a resposta.

—Exatamente — confirmou Grimm, ajustando o machado nas costas e lançando um olhar rápido ao redor. — Se uma missão como essa estivesse nas mãos de três “cães de caça”, como chamamos os independentes, eles teriam dias para se recuperar, equipar e lucrar.

—Pelo jeito que fala, parece que isso não significa tanto para nós — observou Haru, estreitando os olhos enquanto voltava a atenção ao companheiro.

—Sapientia, Tempus e Ita abençoaram o clã depois de anos difíceis pós-queda — respondeu Grimm, evitando encarar o espadachim. — Hoje, estamos em posição de ajudar no reerguimento de cidadãos. Diferente desses “clãs bebês” que surgem por aí, atolados em impostos e sem estrutura.

Laki finalizou a leitura do documento, redigido à mão, tentando esconder a apreensão e seguindo o conselho de Alice: sempre leia com atenção tudo o que for assinar. O pigarrear discreto da secretária a fez levantar os olhos. “Os valores estão corretos”, pensou, relendo mais uma vez para confirmar.

As moedas dos Cinco Grandes Reinos eram chamadas de asas, divididas entre bronze, prata e ouro — sendo esta última a de maior valor. A recompensa pela missão na vila Melnyk era de quatro mil asas douradas, valor que seria dividido entre os membros do grupo. Descontando os 10% de impostos para a manutenção da guilda e mais 10% referentes ao distrito — obrigação do clã responsável — restariam 3.200 asas. Caso a missão tivesse sido entregue aos Cães de Caça, o valor subiria para 4.200, graças à ausência dessas taxas.

Um discreto pigarrear chamou a atenção de Laki, que imediatamente reprimiu o incômodo que sempre sentia com aquele som.

—Pois não? — perguntou a arqueira, mantendo a voz controlada.

—Gostaria de saber se aceitariam um quarto membro na missão — sugeriu a secretária, tentando disfarçar a desconfiança com um olhar sutil direcionado a Haru. — Poderíamos providenciar um, com pagamento à parte...

—Não entendi a sugestão — Laki estreitou os olhos. — A convocação não especificava três membros?

—Sim, senhorita Laki...

—Pode me chamar só de Laki — respondeu ela, voltando o olhar para o documento, agora recolhido pela funcionária.

—Perdão... é que soubemos da "não qualificação" de um dos integrantes — continuou a secretária, evitando encarar diretamente a arqueira, o que apenas alimentou sua fúria.

—Com licença, mas parece que você não entendeu o que isso significa — disse a Dragoa Vermelha, retirando do bolso o relógio prateado com o brasão forjado na tampa. — Todos nós temos um.

—Acho que ela não se expressou bem — interrompeu uma voz desconhecida.

Um lanceiro aproximou-se, vestindo uma armadura leve ajustada nos braços e pernas. Sua pele negra-clara e o sotaque arrastado traziam um ar tropical típico de Drastein. A postura relaxada com que apoiava a arma no ombro contrastava com sua fala excessivamente confiante. Parecia ter pouco mais de vinte anos. Laki o observou dos pés à cabeça com olhos felinos, avaliando-o.

—A guilda apenas deseja garantir o êxito da missão — disse ele, exibindo um sorriso largo. — É apenas uma precaução.

—Entendo — Laki respondeu com um tom neutro. — Peço desculpas se pareci rude.

—Imagina — a secretária suspirou, aliviada.

—Imagino que você esteja se oferecendo para a posição? — perguntou a arqueira, aproximando-se com as mãos nos bolsos. O modo como se movia, felina, chamou a atenção de Grimm, que entendeu onde aquilo ia dar.

—Se os Doze permitirem, não vejo problema — o lanceiro respondeu com uma reverência, prontamente dispensada por Laki.

—Me permite fazer algumas perguntas simples? — disse ela, abaixando a mão e estendendo-a em desafio.

—Claro! — respondeu o aventureiro, animado, olhando ao redor.

A confiança excessiva dele apenas aguçou a vontade de Laki de colocá-lo à prova. Não era raro que Cães de Caça ambicionassem uma vaga em clãs renomados como os Kaiser Drache. Por mais que muitos independentes desprezassem os clãs, apenas os mais radicais os rejeitavam por completo. Para a maioria, entrar em um clã significava riqueza rápida.

—O que acontece ao se misturar chá de infusão de folhas de Astella com o orvalho da flor de Lírio-da-Lua de prata? — perguntou, cruzando os braços. A pergunta fez Grimm conter uma risada.

—Desculpa, o que isso tem a ver com...

—Qual o nome do antigo conselheiro do terceiro rei, conhecido como o Cavaleiro Justo, Alonzo Mustard? — cortou Laki, deixando o lanceiro visivelmente desconcertado.

—Essa pergunta...

—O que diz o artigo 5º da Lei de Concessão entre Estado e Cavaleiros?

—Espere... — ele tentou manter a pose, ajeitando o cabelo. — Não entendo a razão dessas perguntas. O que isso tem a ver com eu auxiliar na missão?

Laki suspirou, esboçando um leve sorriso de canto. Virou-se para Haru e perguntou:

—Você saberia responder?

—Claro. A mistura do chá de Astella com o orvalho do Lírio Prateado, outro nome da flor, resulta em um veneno extremamente potente, capaz de derrubar um orc em segundos — respondeu o espadachim, focado. — O conselheiro se chamava Alberto Fontier, também conhecido como Mão de Silen. E o artigo 5º garante a qualquer cidadão o direito de se tornar empregado estatutário do reino após três anos de serviço fiel a um clã, seja como cavaleiro ou em outra função.

Todos pararam para ouvir a resposta. Até Grimm, surpreso, assobiou.

—Eram perguntas do teste escrito para membro oficial — murmurou Haru, dando de ombros ao notar o assobio.

—Você errou essas perguntas? — perguntou, curioso.

—Cala a boca, Haru — respondeu Grimm, desviando o olhar.

O lanceiro mal teve tempo de reagir quando Laki o encarou com dureza.

—Você se julgou digno de integrar os Dragões. Se se considera melhor do que um dos nossos, deveria ser capaz de responder prontamente como ele fez — ela se aproximou mais, com o olhar de uma pantera. — Mas não conseguiu. Então, para mim, isso significa que você é inferior até a um recrutado.

Em seguida, ela prestou continência aos funcionários da guilda, solicitando licença, e se virou para seus companheiros. Haru e Grimm a seguiram sem dizer uma palavra. O espadachim levou as mãos aos bolsos, ciente de que talvez aquilo tivesse sido desnecessário — mas para Laki, não. Respeitar cada membro da equipe, independentemente de sua origem, era um princípio inegociável entre os Kaiser Drache. Um dogma que ela fazia questão de sustentar com firmeza.

Pouco antes de deixarem a guilda, um senhor se aproximou e segurou a mão de Grimm com desespero.

—Minha filha! — suplicou, com os braços enfaixados e mancando de uma perna. Seu rosto, apesar de marcado, parecia jovem para a idade. — Ela está na vila. Por favor, salvem ela!

—Senhor... — Grimm começou a responder, mas Haru o interrompeu.

—Nós a salvaremos — disse o espadachim, apertando suavemente a mão do homem e encarando-o com confiança.

—Por favor...

Haru assentiu e soltou a mão dele, voltando-se para a estrada.

—Você não deveria ter feito isso. E se ela já estiver morta? — sussurrou Grimm, sombrio.

—Então responderemos por isso — replicou Haru, sem desviar o olhar à frente. — É nosso dever servir à sociedade.

—No erro e no acerto — completou Laki com firmeza. — Mas vamos salvar todos os sequestrados. É uma promessa.

O episódio com o lanceiro havia acendido algo em Laki. Ela protegeria qualquer um de seu grupo — mas sentiu que aquele desdém não fora apenas contra Haru, e sim contra ela também. Isso a irritava. Queria mais tempo de treino, desejava ser melhor. Mas tinha plena certeza: aquela missão seria cumprida. E ela confiava profundamente nos parceiros ao seu lado.

Assim, subiram nas montarias e partiram rumo à vila Melnyk.

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