Volume 1
Capítulo 13: À aquela que quero ser
—Desde quando a guilda ficou tão exigente?!
O grito do rei ecoou pelo corredor do gabinete real, carregado de indignação. Enquanto isso, Haru, Laki e Grim aguardavam no salão ao lado, cada qual com expectativas diferentes. O aparente sangue‑frio do recém‑chegado incomodava a arqueira, que andava de um lado a outro sem conseguir sossegar; queria ver os dois rapazes tão nervosos quanto ela, pois isso a consolaria.
A Dragoa Vermelha acomodou‑se na terceira poltrona, próxima à mesa central; inclinou‑se para a frente, apoiando os cotovelos nos joelhos. O silêncio opressivo, quebrado apenas pelo tique‑taque do relógio, era seu pior inimigo naquele momento.
—O que terá acontecido de tão grave para nos convocarem assim? —murmurou, soltando um suspiro e encarando os companheiros.
—Também me pergunto —respondeu Grimm, inclinando‑se na direção dela. —Nunca vi um grupo ser chamado dessa forma.
—Alice comentava que, logo após a queda de Anfell, era comum membros recém‑condecorados serem acionados —continuou Laki, entrelaçando os dedos. —Mas, depois de tanto tempo de paz…?
—Ficar ansioso agora não ajuda em nada —observou o recrutado, recostando‑se e fechando os olhos. Pensou em tentar ouvir a conversa do outro lado da porta, mas conteve a curiosidade.
—Você está calmo demais para quem chegou aqui há menos de uma semana —alfinetou Grim.
—Já disse que há coisas que ainda não entendo —replicou o recruta, ignorando o tom provocador e voltando‑se para a arqueira. —Mas sei que precisamos manter a compostura.
—Francamente, até quando vai manter essa postura…
—Não comecem, vocês dois! —interrompeu Laki, erguendo a voz. —Temos problemas maiores do que egos feridos, concordam?
Haru deu de ombros; Grimm cruzou os braços em silêncio. Laki reconheceu que o espadachim estava coberto de razão, o que só agravou o seu nervosismo — mas também lhe trouxe certo alívio ver alguém tão sereno.
O espadachim amaldiçoou o pouco tempo que tinha naquele castelo; por mais que não admitisse, gostaria de partilhar da inquietação dos companheiros. “Quando foi a última vez que me senti como eles?”, questionou‑se, apertando de leve o flanco até sentir a cicatriz sob o tecido. Quis dizer algo, mas a porta se abriu e Magnus entrou à frente.
—Perdoem a demora —disse o rei, inspirando fundo para conter a irritação que ainda transparecia no rosto. —Estávamos acertando detalhes com o mensageiro da guilda.
—Então…? —adiantou‑se Grim.
—Sim, Grimm —respondeu Alice, trazendo debaixo do braço um grande rolo de papel. Vestia um traje azul‑claro, sem mangas, que lhe dava leveza. Aproximou‑se da mesa. —Não havia como recusar; tratava‑se de uma convocação de urgência.
—Convocação de urgência? —Laki ergueu‑se num salto.
—O duque Gustav Melnyk apresentou‑se na guilda há poucas horas, alegando que sua vila fora invadida por goblins —explicou a rainha, estendendo um mapa sobre a mesa e cruzando os braços. —Segundo ele, o ataque ocorreu na noite passada: mataram os guardas e sequestraram mulheres e crianças.
—Pragas malditas… —murmurou Laki, mordendo o lábio para conter a repulsa.
—São inimigos bem astutos —acrescentou Haru, aproximando‑se do mapa. —Em campanha, davam um trabalho enorme.
—Fico aliviada em saber que você tem experiência com eles —comentou a Dragoa Real, lançando um olhar de soslaio ao recruta.
Magnus retirou algumas miniaturas do bolso e distribuiu‑as sobre o mapa, simulando as posições inimigas. A vila Melnyk não era grande, mas a proximidade com centros civis tornava a ocupação preocupante; em poucos dias, os goblins poderiam voltar‑se para cidades maiores.
—Considerem que isso é apenas o relato do mensageiro —alertou o rei, afastando‑se para analisar a disposição das peças. —No terreno, pode haver diferenças.
—Alguns goblins estão mantendo as crianças presas em corredores da vila —prosseguiu Alice, após um suspiro breve. —Peço que as ignorem num primeiro momento.
—Como?! —exclamaram Grim e Laki em coro.
—São iscas —explicou Haru, abaixando‑se sobre os joelhos para examinar o mapa mais de perto. —Eles querem que tentemos resgatar os reféns primeiro. Admira‑me ver esse nível de organização.
O Rei agradeceu em pensamento à deusa‑fada Sortis por contar com alguém de experiência militar; a análise de Haru lhes pouparia minutos preciosos.
—Mesmo assim —insistiu o Dragão Negro —não podemos deixá‑los nas mãos daquelas criaturas por muito tempo.
—Teremos de eliminá‑los antes de tudo —concluiu a arqueira, encostando‑se à mesa.
—Mais que isso —apontou Magnus, deslocando‑se para o flanco leste do mapa, ao lado de Haru. —Precisamos garantir que não reste nenhum deles.
—Se libertarmos os reféns antes da hora, corremos o risco de que fujam, sejam vistos e denunciem nossa presença —completou Alice. —E isso seria desastroso.
—O mensageiro não pôde permanecer tempo suficiente para dar mais detalhes — explicou Magnus, trocando um olhar inconformado com a esposa. — Limitou‑se a dizer que tomemos cuidado.
—São apenas goblins — resmungou Grim, deixando a ansiedade transparecer.
—Não é só isso — ponderou Haru.
—Há algo estranho — acrescentou Laki, passando os dedos pelo mapa. — Por mais astutos que sejam, como tomaram uma vila tão depressa?
—Mataram guardas — Haru levou a mão ao queixo, pensativo. — Sabe se algum deles tinha experiência com mana?
—Não — respondeu o rei, pousando a mão no ombro do aluno, ainda agachado sobre o mapa. — Infelizmente não podemos averiguar; seria considerado espionagem.
—Reputação a zelar, não é? — Haru ergueu‑se, soltando um suspiro.
Laki e Grim trocaram olhares rápidos, tentando adivinhar o que se passava na cabeça do companheiro. A ideia de ignorar reféns contrariava o princípio basilar do clã — cuidar de cada cidadão como um familiar — e isso explicava a reação de ambos.
—Vamos precisar reconhecer a área primeiro — concluiu a arqueira, inspirando fundo. — Quando partimos?
—O quanto antes — respondeu Alice.
—O plano de ataque fica por conta de vocês — continuou Magnus, cruzando os braços.
—Como? — exclamaram Haru e Grim, surpresos.
—Precisamos testar o trabalho em equipe — declarou o rei, fitando‑os de modo a fazê‑los encolher.
—Confiamos plenamente em vocês, apesar da inexperiência de alguns — completou a rainha. — Estão dispensados.
Antes que Laki seguisse os companheiros, Alice segurou‑lhe a mão, esperando que os rapazes se afastassem.
—Agora é quando mais precisará confiar na própria liderança — disse, apertando‑lhe os dedos. — Mostre o que te ensinei.
A Dragoa Vermelha assentiu, retribuindo o aperto com igual firmeza. As duas trocaram um último olhar confiante antes de se separarem. Entre todos os membros do clã, Laki era a maior esperança — e também a maior preocupação — da rainha.
Haru caminhou em silêncio ao lado de Grim; apenas olhares denunciavam sua inconformidade. A urgência deixara‑o tempo justo para um banho rápido antes de vestir o uniforme, abotoado até o pescoço. Ao fitar a própria mão, notou‑a tremer por um instante. «É esse o máximo de nervosismo que consigo sentir?», refletiu.
—Ei, garoto! — chamou Oz, esgueirando‑se pela porta entreaberta do quarto de Haru. — Soube que foste convocado.
—As notícias correm depressa por aqui, pelo visto — devolveu o recruta, fechando a mão antes de enfiá‑la no bolso.
—Acalma‑te, venho em paz.
—Desculpe — suspirou Haru, voltando‑se para a janela.
—Relaxa. — Oz retirou a espada de monstros das costas e lançou‑a ao rapaz. — Toma.
—O que é isto? — Haru apanhou a arma no ar.
—Chama‑se Predadora. Estou emprestando‑a a ti — explicou o guarda‑caça, virando‑se para sair. — Seleie também o Gládio.
—Por quê?
—Não sei… apenas achei que devia ajudar.
Com um dar de ombros e um aceno, Oz se afastou. Haru admirou o brilho prateado da lâmina e prendeu‑a nas costas; sentiu o peso da bainha — e, talvez, da responsabilidade.
Laki foi a primeira a selar a própria égua e aguardar junto ao portão. A besta de pelagem alva chamava‑se Marine, homenagem à primeira rainha citada no Testamento Real do grimório elysiano. A arqueira afagava a crina do animal, perdida em pensamentos, quando viu Haru sair dos estábulos com uma espada nas costas. Reconheceu o brasão prateado de Oz na guarda e sorriu. «Então o rabugento amoleceu o coração?», pensou, contendo uma risada.
Ao vê‑lo conduzir um corcel negro, gritou:
—Esse é o teu novo amigo?
—Quem diria que ele me deu tanto trabalho — replicou Haru, antes de o animal cutucá‑lo com o focinho.
—Parece ter gostado de ti — comentou a arqueira, ajustando a sela de Marine — um gesto que lembrou Haru de conferir a do próprio cavalo. — Estás nervoso?
—Um pouco — admitiu ele, numa confissão que a fez estremecer. — Apenas aprendi a disfarçar bem.
—Se um dia puder ensinar‑me isso, agradecerei — ela riu, nervosa.
—Não precisas. — Haru abriu um dos bolsos da sela, encontrando‑o vazio, salvo por alguns biscoitos de aveia para Gládio. — Ser sincera consigo mesma também é uma virtude.
—Como assim?
—Você tem muita responsabilidade nos ombros, não é? — continuou o recruta, notando Grim aproximar‑se. — Isso significa que te importas com as expectativas colocadas em ti.
Laki ficou fascinada com aquelas palavras; a sinceridade dele era reconfortante — justo no momento mais crucial de sua vida.
O silêncio tenso de Grim mereceu o soco brincalhão que ela lhe deu no ombro. Ambos sorriram, como se voltassem no tempo. Em seguida, os três montaram. Tempesta, a égua de Grim, mostrou‑se arisca, mas cedeu ao pulso firme do cavaleiro.
Cavalgaram até o portão principal. Laki ergueu o relógio de membro oficial para o guardião — sinal inequívoco de que partiam em missão. Assim que os portões se abriram, ela ajeitou arco e aljava, instigou Marine com os calcanhares e tomou a dianteira, com Haru e Grim logo atrás. Lá de cima das muralhas, Alice e Magnus oraram aos Doze, rogando à sorte que os acompanhasse.
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