Volume 1
Capitulo 7: Cicatriz
Mirror, utilizando de seu próprio Kor, acessou a alma de Seth. Encontrou-se em um corredor branco que parecia se estender infinitamente, silencioso e opressor. Seguiu em frente, guiada pelo instinto, até sentir a presença do Kor dele. Mas, em vez de alcançá-lo, deu de cara com um obstáculo.
Um enorme cadeado roxo, envolto por grossas correntes, bloqueava o caminho. Ele estava emanando uma pressão tão intensa que fazia ao redor estremecer. A cada passo que Mirror dava, o peso aumentava, como se aquilo tentasse esmagá-la antes mesmo que pudesse chegar perto.
Por um instante, ela hesitou. Mas sua sede era maior que qualquer ameaça, que o cadeado transmitia. Seu instinto gritou mais alto que a razão.
Parada diante dele, Mirror estendeu a mão. No instante em que seus dedos tocaram a superfície fria, uma descarga atravessou seu corpo. A dor veio rápida, como se correntes elétricas percorressem cada nervo ao mesmo tempo. Ela arfou, o peito travado, e por um momento sentiu como se não conseguisse respirar.
Era uma dor que não parava, que ia se acumulando em ondas. As mãos tremiam, os músculos se contraíam contra a própria vontade, e a cabeça latejava como se fosse explodir. O suor descia pelo seu rosto, frio, e o gosto metálico de sangue surgiu em sua boca quando percebeu que havia mordido os lábios com força demais.
Tudo dentro dela pedia para soltar, para recuar. Mas, mesmo ofegante, mesmo com os olhos marejados pela dor, ela manteve a mão no cadeado. Rangendo os dentes, forçou seu Etheryn contra aquilo, ignorando a sensação de que a qualquer segundo seu corpo cederia e desabaria no chão.
Então algo começou a mudar. Primeiro, as correntes: uma a uma, a cor roxa se dissolveu até se tornar vermelho-sangue. Logo depois, o próprio cadeado começou a se transformar, seu tom escurecendo até brilhar em vermelho.
Leves estalos começaram a ser emitidos do cadeado, junto de rachaduras que se abriram. Mirror pressionou mais uma vez com sua mão e o objeto se despedaçou como vidro, se desfazendo em fagulhas luminosas.
No instante seguinte, sua visão foi engolida por um clarão intenso, tão forte que por alguns segundos ela achou que seria jogada para fora ou morta ali mesmo. Quando conseguiu abrir os olhos de novo, estava em outro lugar, finalmente com sua razão recuperada.
Mirror estava deitada, flutuando em uma imensidão que se estendia até onde a vista alcançava. À primeira vista parecia um oceano, mas não era água. Eram correntes de energia, uma quantidade de Etheryn inexplicável, que seu corpo estava absorvendo só por estar ali.
Com esforço, conseguiu se erguer e, para sua surpresa, seus pés se firmaram naquela superfície líquida e instável, como se o oceano aceitasse seu peso. Ao olhar ao redor, percebeu as cores que o formavam: vermelho e azul. O vermelho, claro e vibrante, cintilava a cada onda como fogo líquido, enquanto o azul emanava serenidade.
Ela não conseguia se lembrar do que tinha acontecido, nem de como havia parado ali. Apenas seguiu em frente, seus passos ecoando como se o próprio oceano respondesse ao seu movimento. Após alguns minutos caminhando sobre aquela superfície instável, um tremor começou sob seus pés, suave no início, mas crescendo rápido.
Assustada, tentou correr, mas no mesmo instante o solo líquido a engoliu. Seu corpo afundou no oceano de Etheryn, e tudo ao redor se transformou em uma mistura caótica de cores. Vermelhos, azuis e tons que ela não conseguia identificar, todos se contorciam como se estivessem vivos, dificultando qualquer noção de espaço.
Foi então que uma voz surgiu, distorcida, ecoando ao redor dela:
— Você não é bem-vinda aqui…
— Quem disse isso!? — gritou Mirror, tentando encontrar alguém, mas apenas conseguia enxergar aquele caos cromático.
— Mas… como agradecimento… vou permitir que saia.
— Sair?
Nesse instante, algo tocou seu ombro. Era gelado, fazendo um arrepio percorrer todo seu corpo, então se virou para trás e por apenas um segundo, conseguiu ver um rosto formado entre as cores, como se alguém estivesse sorrindo para ela.
Então sua visão se apagou. Quando recobrou a consciência, estava de joelhos no chão da própria casa. Algo pesado e quente escorria pelo seu braço. Piscou, tentando entender, até que a cena diante de si se fixou.
Seth estava caído contra ela, arfando, e seu braço havia atravessado o abdômen dele. O sangue jorrava sem parar, descendo em rios quentes pela sua pele.
Mirror congelou. Seus olhos se arregalaram, o coração disparou com tanta força que parecia que ia rasgar o peito. Um nó sufocava sua garganta, tornando cada respiração foi se tornando ofegante e dolorida.
— Não… não… não… O que eu fiz…?
Ela puxou o braço e mais sangue explodiu do ferimento. Por um instante, tudo ao redor sumiu. A sala, o ar, o tempo, só havia ela e a vida de Seth escorrendo diante dela, escapando pelas suas mãos.
"Não… não de novo… eu não posso… não posso perder o controle assim de novo!"
O pânico ameaçou tomar conta, até que Mirror, graças a sua audição melhorada de Draconiana, escutou: o coração dele ainda batia, batidas fracas e irregulares.
— Ainda dá tempo… ainda dá tempo… — ela murmurava para si mesma, quase como uma reza.
Deitou Seth no chão, os olhos marejados, as mãos tremendo tanto que mal conseguiam se firmar. Mas forçou os dedos a se erguerem. O Etheryn respondeu.
O sangue espalhado ao redor começou a se mexer. Primeiro em gotas, depois em fios grossos que se erguiam do chão, vibrando como cordas tensionadas. Mirror puxou tudo para junto de Seth, moldando com desespero.
— Vai, vai, por favor… funciona! — murmurou, soluçando.
O sangue entrou em movimento, se torcendo e se costurando na ferida aberta, fechando carne, vasos e ossos, camada por camada ela restaurava Seth. Cada segundo parecia uma eternidade. Mirror ofegava, suada, a respiração descompassada, os dentes cerrados para não gritar com a dor de ver aquilo.
O cheiro metálico do sangue tomou o ar, o chão manchado, as mãos dela tingidas de carmesim até os pulsos. Mas ela não ligava. Continuava, pressionando, guiando cada gota, despejando seu Etheryn.
— Seu idiota… Por que se arriscar por alguém que quase te matou duas vezes!?
Seu corpo tremia inteiro, a ideia de novamente não conseguir salvar alguém que corre risco por sua causa, gerava um peso esmagador.
— Eu não posso… eu não posso matar alguém inocente… não de novo… — ela sussurrou, com lágrimas escorrendo. — Por favor… não morre… não me deixa carregar mais desse peso… Por favor…
Aos poucos, o ferimento começou a se fechar, mas Mirror sabia que aquilo não bastava. Seth ainda estava pálido, a respiração fraca, o coração batendo irregular como se fosse parar a qualquer instante.
— Não… não morre… não me faz passar por isso de novo! — ela implorava, lágrimas escorrendo pelo rosto.
Com os olhos marejados, ela pressionou as mãos sobre o peito dele, deixando o sangue responder ao seu chamado. As veias de Seth pulsaram em resposta, e Mirror guiou o fluxo
O sangue espalhado pelo chão se ergueu em fios finos, penetrando de volta em Seth, costurando vasos rompidos, substituindo temporariamente o que ele havia perdido. Mirror forçava a circulação a fluir, fazendo o coração dele bater mais forte, mesmo que fosse à base de sua própria energia.
Após um tempo, os ferimentos de Seth haviam se fechado, Mirror conseguiu ouvir seu coração voltar a estabilizar, sua respiração estava lenta, mas constante. O peito subia e descia em um ritmo frágil, e a cor voltava aos poucos em sua pele.
Ela sentiu a tensão sair de uma vez do corpo; o alívio foi tão grande que quase desmaiou. Estava exausta, mas ainda assim usou o Etheryn para absorver o sangue espalhado pela casa.
Se passaram alguns minutos. Mirror ainda tentava processar o que aconteceu, buscando encaixar tudo na cabeça. Acabou não percebendo que Seth já estava acordando.
— Hm… O que… aconteceu? — murmurou ele, com a voz fraca.
— Já acordou!? — espantou-se Mirror.
Seth tentou se levantar; todo o corpo doía.
— Ah… acho que lembro de algo. Como eu sobrevivi?
— Primeiro de tudo… seu imbecil, que decisão foi aquela? Por que você não foi embora? Você quase morreu. Tem sorte que, por sua raça e pela quantidade de Etheryn, seu corpo aguentou um pouco mais e eu tinha poder pra te curar.
— Bom… poderia ter sido pior pra você também, não? — respondeu ele, com esforço.
— Mas por que isso te importa? A gente nem é amigo!
Seth ficou em silêncio por um instante, pensativo.
— Eu não sei… só senti que tinha que fazer.
— Seu…
— Mas me diz uma coisa então, por que me salvou? — cortou Seth. — Eu não me envolvi nos seus problemas?
— Por que te salvei? Porque eu… — hesitou, olhando para as próprias mãos — não queria carregar de novo o peso de matar um inocente. Você não entrou nos meus problemas por vontade própria; eu te ataquei porque tudo em mim mandava atacar o que estivesse à frente.
— Pra mim isso soa como desculpa, mas o motivo não importa. A gente tá vivo e isso já é o que importa, né?
— É… só que isso não some. — Mirror apontou para a cicatriz no abdômen dele.
Seth olhou para a marca, deu de ombros e sorriu torto:
— Tá tudo bem. É só uma cicatriz. De certo modo, valeu a pena.
— Vai te marcar pra lembrar de não agir por impulso — retrucou ela, mais branda.
Mirror ficou alguns segundos analisando Seth; antes ele quase não emanava Etheryn, agora parecia que o Kor dele estava transbordando.
"Então aquilo era mesmo Etheryn… Isso nem é metade do que ele já tem guardado…"
O silêncio se prolongou. Só o som distante do vento preenchia a casa. Ambos respiravam pesadamente, ainda tentando entender o que tinham acabado de passar.
Nenhum dos dois sabia o que dizer, era como se qualquer palavra pudesse quebrar o frágil momento de calma.
Até que Seth quebrou o silêncio:
Até que Seth quebrou o silêncio:
— Ah! Mirror!
— O quê agora? — ela respondeu, já cansada.
— Lembrei de uma coisa importante. — ele hesitou um pouco. — Sei que não é a melhor hora, mas… será que você poderia nos ajudar? Tipo, eu e a Laly descobrimos nossa origem né? Aí também que provavelmente a gente vai te muito problema no futuro, aí pro Green não treinar a gente sozinho, queria saber se pode dar uma força?
— Você tá pedindo ajuda pra quem tentou te matar? — a incredulidade dela soou mais ferida do que brava. — Por que eu faria isso?
— Pense como compensação, sei lá, por ter tentado me matar!?
— Ter te salvo já é o suficiente!
— Lembro que falou a primeira vez que me atacou, que tava sendo caçada ou algo assim… Acho que o Green pode te ajudar com isso!
Mirror mordeu o lábio, em conflito. A ideia de envolver outras pessoas nos dramas dela a deixava inquieta, ela não queria ninguém mexendo na sua vida ou se metendo em suas coisas. Mesmo assim, a ideia de ter alguém à ajudando contra o que mais lhe dava problemas, deixava difícil de recusar.
— Eu não sei… não quero envolver ninguém nos meus assuntos… Além de que não confio em promessas fáceis, como sei que ele pode me ajudar mesmo?
— Assim, nem eu sei o quão ele é forte pra falar a verdade, mas ele parecia saber de bastante coisa. Se você topar, a gente tenta primeiro algo simples, se achar que não vale a pena mesmo ou que tá se expondo muito, a gente para!
Houve um silêncio pesado. Mirror fechou os olhos por um segundo, pela primeira vez em muito tempo, ela sentiu confiança nas palavras de alguém, mesmo que não entendesse o por que, algo naquele garoto, transmitia algo para ela, que não sentia há muito tempo.
— Tá. Eu ajudo. Mas se eu achar que vai além do que eu estou disposta, eu não vou mais ajudar. Entendeu?
Seth sorriu aliviado.
— Entendi! Valeu, Mirror, só não sei como vou explicar o que aconteceu pra eles.
Ela não respondeu de imediato, mas pela primeira vez, criou esperança de que talvez não precisasse ficar mais sozinha, sem confiar em ninguém, mesmo que tentasse negar isso para si mesma.
Então, com um leve sorriso, que deixou Seth admirado, era a primeira vez que ele via ela fazendo aquela expressão, ela disse:
— Eu… quem agradeço… Só não faça eu me arrepender…
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