Volume 1
Capitulo 6: Fome
Após a aparição repentina de Mirror, Seth notou algo diferente nela, ela parecia cansada, mas ao mesmo tempo muito mais agressiva do que no dia anterior.
— Ei, calma, eu só vim devolver o seu… — disse Seth.
Mas antes que pudesse terminar, Mirror avançou. Num piscar de olhos, surgiu à frente dele, o punho cerrado, mirando seu rosto com violência.
Seth só viu um borrão se aproximando. O ar se rompeu com um estalo, e o impacto teria o atingido em cheio se ele não tivesse girado o corpo no último instante. O soco passou raspando, tão perto que a pressão fez sua pele arder.
— Mirror, o que tá fazendo!? — gritou, cambaleando.
— O que você quer? Por que invadiu minha casa? E como conseguiu meu endereço!? — a voz dela oscilava entre raiva e desespero.
Ele tropeçou e caiu no chão, recuando de costas.
— Eu só vim devolver seu colar! Chamei você, mas ninguém respondeu… Vi tudo aberto e achei que tinha acontecido alguma coisa!
Mirror congelou por um instante. Olhou para Seth caído, os olhos tremendo, e começou a falar:
— Mas isso ainda não é motivo pra… — a frase se quebrou, com ela levou a mão à cabeça, curvando-se. — Ugh…
Seth arregalou os olhos. Por um instante, conseguiu ver: a pupila dela, que antes era normal, se tornou vertical, como a de um réptil.
— Mirror!? O que tá acontecendo com você!?
Ela respirava com dificuldade, a voz mais baixa e urgente:
— Eu… não tenho tempo pra explicar… Vai embora! Agora!
Porém, quando Seth tentou responder, não conseguiu. Mirror, que antes segurava a cabeça apenas com uma das mãos, agora levou as duas, pressionando com força, como se tentasse impedir algo de escapar. A mão direita cobria o olho, e todo o corpo dela tremia descontrolado.
Seth congelou. Seus instintos diziam para correr, mas a consciência o prendia no lugar. O coração batia acelerado, o ar parecia preso na garganta. Ele não sabia se devia insistir em ajudá-la ou obedecer ao pedido dela e ir embora.
Mas, no meio dessa confusão, um pensamento ecoou com força em sua mente:
"Não! Eu não posso deixar ela assim… Eu tenho que ajudar, não… eu preciso!"
— Mirror! — disse Seth firmemente, se aproximando dela. — O que tá acontecendo? Me deixa te ajudar!
Mas, antes que pudesse chegar muito perto, Mirror o empurrou com força, jogando-o para trás. Com uma das mãos apoiada na parede e o olho fechado, ela ergueu o rosto para ele, a respiração ofegante.
— Sai da minha casa de uma vez! Eu não vou conseguir controlar isso por muito tempo!
— Não! — Seth se levantou — Eu já me decidi. Vou te ajudar. Então me fala o que é, me deixa entender. Para de tentar resolver tudo sozinha! Deixa, pelo menos uma vez… alguém se envolver nos seus problemas!
Mirror arregalou os olhos, com um olhar repleto de fúria.
— Parar de resolver sozinha…? Não fale como se me conhecesse!
— Tem razão que eu não te conheço, mas eu ainda me lembro de você falar de matar quem estava envolvido em seus problemas, não precisa disso!
Assim que ele terminou de falar, ela avançou em um impulso quase impossível de acompanhar. O punho dela veio de cima, um arco pesado, e Seth só conseguiu erguer os braços a tempo de bloquear. O impacto reverberou por todo o corpo, como se tivesse sido atingido por uma marreta. Ele cambaleou, mas não teve tempo de respirar: outro golpe veio, de novo com os a mão aberta e os dedos unidos, rápido como uma lâmina.
Seth se jogou para o lado, mas sentiu a ardência cortar sua pele — o braço estava marcado por três riscos finos, vermelhos.
— Tsc…!
Mirror não parava. Cada golpe era mais feroz que o anterior, Seth desviava como podia, sentindo o ar escapar a cada ataque. Uma sequência de socos o obrigou a recuar até a parede, ele ergueu o antebraço para bloquear, mas a força dela o fez grunhir, e novas marcas se abriram em sua pele.
O sangue começava a escorrer em linhas finas, manchando sua camisa. A cada novo corte, Seth sentia o corpo pesar, mas ainda assim mantinha os olhos fixos nela, sem recuar totalmente.
— Vai embora… — disse Mirror, a voz fria, carregada de hostilidade.
— Nem pensar! — retrucou Seth, firmando os pés no chão. — Eu não vou sem entender o que tá acontecendo!
Mirror cerrou os punhos, os olhos queimando em fúria.
— Você… você nunca vai me entender, Seth!
Ela gritou, girando o corpo e erguendo a perna em um chute devastador. Seth conseguiu se jogar para o lado no último instante, sentindo o vento do golpe cortar o ar ao lado de seu rosto.
— Como você sabe que eu não vou? — gritou ele de volta, ofegante. — Você também não me conhece!
— Eu tenho certeza que você não… — disse Mirror, avançando de novo. Cada palavra vinha acompanhada de um golpe. — Você não sabe o que é ser caçada só por querer seguir o próprio caminho!
— Mas…
— Não sabe o que é se alimentar de Etheryn e matar as pessoas que ama porque não consegue se controlar! — Outro soco, tão rápido que mal dava tempo de respirar, raspando no ombro de Seth e abrindo um corte raso.
— Mirror espera…
— Não sabe o que é lutar contra a própria natureza todos os dias! — O último golpe veio mais forte, direto no estômago.
O impacto foi brutal. Seth sentiu o ar ser arrancado de seus pulmões enquanto seu corpo era lançado para trás, caindo pesadamente sobre o sofá. O móvel caiu por conta do impacto gerado pelo peso da pancada, e por um instante tudo girou em sua visão.
Mirror ficou parada à frente, peito arfando, os punhos ainda cerrados e o olhar tremendo entre raiva e desespero.
— A maioria das raças por aí… principalmente os humanos… são frágeis. Basta pegar um pouco da energia deles e eles… morrem… — murmurou Mirror, levando novamente as mãos à cabeça. O corpo se curvou, um grito contido escapou de sua garganta, e logo um estalo seco ecoou em suas costas.
Seth arregalou os olhos. O som se repetiu, cada vez mais alto, como ossos se quebrando e se arrumando. Mesmo sem forças, ele se levantou cambaleante. A cada segundo, mais estalos cortavam o silêncio da casa, e algo instintivo gritava para ele não se aproximar.
Em meio ao barulho, a voz de Mirror soou fraca, abafada pela dor:
— Seu idiota… para de se arriscar por alguém que tentou te matar!
Seth ficou em silêncio por um instante, o coração disparado. Então respondeu, firme, mesmo que a voz tremesse:
— Olha… você tem razão. Eu não entendo o que você passou. Mas consigo imaginar a sensação de ser caçado… porque eu também fui condenado só por nascer.
Antes que pudesse terminar, um estalo mais forte ecoou. Seth recuou instintivamente quando algo rasgou as costas de Mirror e se abriu para fora.
Uma asa emergiu. Mas não era uma asa comum. Era feita de sangue coagulado, pulsante, que se moldava como carne viva em forma de membrana. As veias latejavam em vermelho escuro, espalhando-se pela estrutura irregular como se cada batida do coração dela alimentasse aquilo. O ar ao redor ficou denso, pesado, como se a simples presença daquilo contaminasse o espaço.
Seth engoliu em seco. A visão da asa não era apenas assustadora… era perturbadora. Mas, colocando seus pensamentos em ordem, ligou o que Mirror havia dito antes e murmurou:
— Mirror… isso é fome?
Ela arfou, tentando manter o controle.
— Por favor… sai daqui! Eu não vou conseguir segurar a consciência por muito tempo…
Seth franziu o cenho, ignorando o medo que lhe apertava o peito.
— Só me responde uma coisa: quando alguém libera o Etheryn do Kor… mesmo selado, ele continua dentro do corpo?
— Do que você… tá falando…? — a voz dela falhava, arranhada pela dor. — Ugh… Vai embora de uma vez…!
Seth respirou fundo. “Parece que não vou ter uma resposta…” pensou, fixando o olhar nela. Então falou em voz firme:
— Você precisa de Etheryn, não é?
Mirror não respondeu. Saliva escorria de seus lábios, os olhos semicerrados, respirando de forma ofegante como uma fera prestes a se soltar.
Seth apertou os punhos, sentindo o coração disparar. "Se eu fizer isso… ela pode me matar. Mas se eu não fizer… talvez ela se perca de vez."
Ele fechou os olhos por um segundo, o medo corroendo sua mente, mas quando os abriu de novo, já havia tomado a decisão. Deu alguns passos, firme, parando diante dela. O coração batia descontrolado, mas ele abriu os braços, expondo-se por inteiro.
— Tudo bem… espero não me arrepender disso. — então abriu os braços diante de Mirror. — Se é de energia que você precisa… eu tô aqui.
O olhar de Mirror mudou no mesmo instante. O brilho humano se apagou de seus olhos, substituído por algo faminto e animalesco. O pouco de controle que ela tinha desapareceu.
Seth só percebeu quando já era tarde demais. Num piscar de olhos, ela estava diante dele.
Uma dor lancinante explodiu em seu abdômen, como se uma lâmina invisível o atravessasse por dentro. O ar saiu de seus pulmões em um único suspiro sufocado, e suas pernas quase cederam no mesmo instante. O som úmido de carne sendo perfurada ecoou no silêncio, seguido pelo calor quente de sangue escorrendo por sua cintura e manchando a camisa.
Ele arregalou os olhos, o corpo inteiro tremendo. Cada batida do coração parecia empurrar ainda mais sangue pela ferida, e a dor irradiava pelo torso até roubar-lhe o fôlego. Os braços, ainda abertos, tentando mostrar entrega, começaram a cair pesados, sem força.
O tempo pareceu se arrastar. Seth tentou respirar, mas só conseguia arfadas curtas, dolorosas. O gosto metálico subia à boca, e o mundo girava em volta dele.
E, mesmo assim, antes que a escuridão o tomasse, Seth sentiu algo dentro de si se partir, como se um cadeado tivesse sido quebrado em mil pedaços. Um estalo profundo ecoou em sua mente, acompanhado de uma onda de calor que percorreu cada veia do seu corpo.
"O que… foi isso…? Na verdade, já não importa… se ela ficar bem tá ótimo…"
Foram os últimos pensamentos de Seth antes de apagar.
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