Aelum Brasileira

Autor(a): P. C. Marin


Volume 2

Capítulo 57: A Maldição da Floresta Petrificada

GRIS

 

— Trouxeram comida?! — pergunta Alienor assim que entramos na casa diplomática. — Estou morrendo de fome...

Ela já acordou. Nem parece que estava quase morta ontem. Apesar de sua afinidade com o fogo, ela me lembra o mar próximo ao Porto de Lumínia: Seu humor vem e vai como uma tempestade.

— Aqui, nós trouxemos algumas coisas para come.

— Beleza, me dá aqui. — Alienor pega as sacolas das minhas mãos, vira as costas e, enquanto se dirige à cozinha, diz: — Vou passar um café.

Não avisei Verônica a respeito do café amargo de Alienor. Bom, se eu sobrevivo com isso, ela também consegue.

Depois do velório, eu percebi que a maga de vida não estava se sentindo bem e parecia perdida sobre para onde ir, então a convidei para vir comer e passar um tempo conosco. Ela estava relutante no início, mas prometi que Valefar não estaria aqui.

Ao sentarmos à mesa, Alienor, a qual prepara o café no fogão a lenha, se vira e pergunta: — Tá! Eu sei que você está de luto e tal, mas eu preciso saber: Foi a Abominação Lupina que fez aquilo?

A loira apenas abaixa a cabeça e suspira. Receio que cedo ou tarde teríamos que tratar disso.

— Creio que seria melhor comermos primeiro, Alienor — eu digo.

— Não, está tudo bem, podemos falar sobre esse assunto agora — aduz Verônica. — Que vergonha, vocês são tão jovens e estão com pena de mim, uma aventureira veterana.

— Não precisa se explicar, loirinha, você passou por muita coisa ontem — diz Alienor. — Todos passamos.

— Foi Valefar, ele matou aqueles dois — eu respondo. — Não é irônico? Apesar de suas brincadeiras, você estava mais próxima da verdade o tempo todo, Alienor.

Hum... Foi ele então. Mas não era brincadeira, eu de fato vi algo sinistro rondá-lo desde aquele dia em que olhei para vocês dois saírem da Floresta de Prata.

— Como assim?

— Sei lá... É como um fogo negro que o segue, ou algo assim. Dá até arrepios.

— Acho que sei o que é — diz Verônica. — Parecem tentáculos pretos, correto?

— Isso, é mais ou menos algo assim — responde a ruiva.

Verônica olha para mim e complementa: — Magos de vida, depois de uma certa experiência, conseguem ver maldições. Foi isso que Alienor viu. Entretanto, me espanta uma maga tão boa em destruição conseguir ver também.

Alienor dá de ombros e volta a cuidar do café. Creio que ela tenha aprendido sozinha a fazê-lo. Apesar da ruiva ter aprendido a manipular o fluxo em suas aulas, ela eventualmente entende outras magias e técnicas novas sozinha, como se fosse por puro instinto.

Ela disse que sua transformação em raposa foi ensinada por uma raposa de fogo que ela conheceu um dia, já a lança flamejante, ela aprendeu com sua mãe. Entretanto, ninguém a ensinou a conjurar magia de explosão, isso ela desenvolveu sozinha. Entretanto, isso não é o importante agora.

— O que é uma maldição? — eu pergunto.

— Maldições são máculas criadas contra aqueles que não seguem a doutrina de Dara — explica Verônica. — Por seus pecados, eles perdem a proteção divina e são punidos por Erun das mais diversas formas.

— Não sei de entendi.

Fato é que, eu entendi o que ela acabou de dizer, porém sua explicação é tendenciosa em relação a sua fé. Provavelmente, ela acredita nisso, mas estou certo que a igreja de Dara não tem compromisso com a verdade.

Ao ouvir meu comentário, Verônica leva sua mão ao queixo e escolhe melhor suas próximas palavras, então continua: — Eu posso te dar um exemplo, mas é uma história antiga e chata...

— Não tenho nada melhor para fazer — contesto.

— Hey! Desde quando você é tão mal-educado — argumenta Alienor, ao olhar para trás, enquanto leva a chaleira ao fogo.

— Eu esperaria ouvir isso de qualquer um, menos de você.

Com minha resposta, a ruiva olha para o chão e torce sua boca enquanto murmura: — Hum... Acho que você tem razão, mas... — Ela termina de dizer algumas coisas em baixo som que não consigo ouvir.

A loira franze sua testa, respira fundo e diz: — A mais famosa maldição é a das dríades da Floresta Petrificada, já ouviu falar nisso?

— Não, o que é?

Ela disse que a história seria chata, porém compreender algo a mais sobre as dríades me chama a atenção.

— Há aproximadamente quatrocentos anos, o então imperador de Thar, Teonélio Zoemors, entrou na Floresta de Vitale para praticar caça esportiva, algo comum entre os nobres. Contudo, ele não encontrou o que procurava, mas viu algo que marcou seu coração e o destino do império até os dias atuais.

— Uma besta gigante e feroz?! — pergunta Alienor, toda animada com a história.

— Quase isso, ele viu uma besta de fato, entretanto não era gigante ou assustadora. Pelo contrário, ela era linda, delicada e exótica.

— Uma dríade — eu complemento.

Dentro de uma floresta e com essa descrição, só pode ser. Acácia é exatamente assim, porém apesar da sua beleza exótica e hipnotizante, ela segue assustadora. Não dá para confiar em todos os detalhes desses relatos.

 — Exato, Gris. Ele viu uma bela dríade, a qual roubou seu coração.

Ai! Ela arrancou o coração dele?! — A ruiva coloca sua mão direita no peito e contorce seu rosto, como se pudesse sentir a dor.

Verônica deixa seu semblante de tristeza por um instante, devolve um singelo sorriso e, então, continua: — Não, bobinha, ele se apaixonou pela dríade à primeira vista.

Ah! Que chatice... — a ruiva olha para o fogão e percebe que a água da chaleira ferveu. — Podem continuar, já volto.

— Porém, a dríade sumiu de sua vista. Após isso, Teonélio ficou obcecado por ela. O imperador publicou um decreto com uma recompensa altíssima para quem conseguisse encontrar a dríade e trazê-la até ele. Então mercenários, magos, caçadores de recompensa e afins tentaram a sorte na floresta, mas a maioria morreu, e os que sobreviveram falharam, menos um.

— Quem conseguiu?

— Um homem cujo nome não consta nos registros históricos, mas ele atendia pela alcunha de Algoz.

— Alguém com um apelido assim, deveria ser um assassino — comento.

— Pouco se sabe sobre ele, mas o que dizem é que para cada cartaz que ele retirava do mural da Guilda de Aventureiros, devolvia uma cabeça alguns dias depois.  Até hoje o Algoz é considerado o maior caçador de recompensas que já passou pela Guilda de Aventureiros, e só era chamado para completar missões consideradas impossíveis para a instituição.

— Ele devia ser muito forte.

— Sim. Porém, isso não é o importante, o importante é que a dríade, capturada por ele, foi selada em uma prisão de promítia, mas ficou tão amargurada com isso que tirou sua própria vida na primeira oportunidade.

— Ela amaldiçoou o imperador antes de morrer?

— Não, porém ocorre que aquela não era a única dríade da Floresta de Vitale. Suas irmãs entraram em fúria e passaram a matar os cidadãos de Thar. Elas comandaram bestas e feras e invadiram a cidade. Foi um massacre total, ninguém teve chance de se defender, nem os animais foram poupados. Porém, elas fracassaram, pois o imperador fugiu.

— Não entendo, o que isso tem a ver com a maldição?

— Seu apressadinho, eu disse que era uma história chata... Quando perceberam que não conseguiriam capturar Teonélio, as dríades se uniram e fizeram um ritual de maldição. Elas amaldiçoaram o território de Thar, e os descendentes daquele imperador. Depois disso, ele morreu, bem como seu único filho herdeiro, restando apenas uma filha, a qual deu início à dinastia matriarcal que conhecemos.

— Dinastia matriarcal?

— Todas as descendentes da linhagem do imperador são mulheres até hoje. Qualquer homem que tente liderar em seu lugar morre de maneira misteriosa, assim como Theonélio morreu.

— Então essa é a maldição? Elas o mataram e impediram que qualquer homem governasse em seu lugar— eu digo.

— Sim, elas repudiaram tanto o ato daquele homem lascivo que quiseram garantir que nenhum outro tomasse seu lugar.

— Só não entendi algo, você disse que a maldição era da Floresta Petrificada?

— Ocorre que a Floresta de Vitale morreu depois desses eventos, juntamente com suas dríades, tornando-se uma selva cinza e sem vida, atualmente chamada de Floresta Petrificada, lar de demônios muito poderosos.

— Entendo. Devo presumir que algo do mesmo tipo ocorreu com Valefar.

— Sim e não. Eu já vi a Imperatriz da Guerra em um festival, espreitei sua maldição de longe. Em todos os livros que eu já estudei na biblioteca da igreja de Dara e na Faculdade de Magia de Thar constam que é a mais poderosa maldição conhecida pelo homem. — A maga de vida me encara com preocupação. — Porém, a maldição que eu vi nele é ainda maior.

— Por falar nisso, o que você fará em relação a ele, Gris? — pergunta Alienor, ao passo que coloca as canecas e talheres na mesa.

— Não tenho certeza, mas quero ouvir o que tem a dizer.

— Você não acha perigoso? — questiona Verônica, ao colocar sua mão sobre a minha e me olhar nos olhos.

— Eu sempre o achei perigoso. O fato é que se ele me quisesse morto, eu já estaria. Não tenho nada a perder, desde que eu vá sozinho falar com ele.

— Você é corajoso. — Ela solta minha mão e olha para os pães em cima da mesa. A loira se perde em seus pensamentos.

— Como vocês sabiam que Valefar estava comigo?

— Foi Vi Kari, ela nos contou... — Verônica arregala os olhos depois de falar e me encara de novo. — Gris, ela é sua avó e mãe de Lin Kari, mas...

— Ela não gosta de mim, verdade? Eu já percebi.

— É... — A loira abaixa a cabeça. — Na verdade, ela pediu para que te matássemos, depois de Valefar. Mas eu não faria isso, nós não aceitamos. — Ela nega ao balançar sua cabeça. — Foi ela quem entregou aquele artefato para invocar um Entir. Eu... sinto muito.

— Como ele era, Verônica?

— Uhm? — Ela olha para mim, sem entender.

— Meu pai, como ele era?

A maga de vida suspira, volta a encarar a mesa, então me responde: — Todos diziam que ele era traiçoeiro, baderneiro e mulherengo. Porém o Lin Kari que eu conheci era corajoso, companheiro e... Ele era mulherengo, sim, não negarei. Ele era um idiota e irritante...

Seus olhos azuis reluzem por conta das lágrimas, ela pega um lenço e os limpa, então continua: — Lin era o tipo de pessoa que nunca nos abandonaria, sem importar a dificuldade ou o perigo, ele sempre estava lá. Seu pai estava presente nos bons momentos e nos maus...

— Apesar que até os momentos ruins foram divertidos. — Ela continua. — Aquele lumen era irritante por conta disso, aquele arrogante, sabichão. Lin sabia que eu me lembraria de cada dificuldade que nós passamos juntos. Aquele idiota estava certo... mas eu achei que morreria antes dele. Era para ele se lembrar de mim, e não o contrário.

A maga de vida volta a chorar, mas se contém e diz: — Ai! Desculpe, você queria saber como ele era, e eu acabei desabafando aqui.

— Não tem problema, eu gostei de saber um pouco dele. Lin Kari parecia ser incrível.

— Ele era, e você me lembra muito o seu pai. Bom, tirando a cor dos olhos e dos cabelos, e a parte de ser mulherengo também, eu digo.

— O café está servido. — Alienor coloca a chaleira sobre a mesa, ela aponta para mim e, então, comenta: — Esse aí também é mulherengo, outro dia ele passou a mão em mim sem permissão.

 

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