Aelum Brasileira

Autor(a): P. C. Marin


Volume 2

Capítulo 56: Dara e Erun

GRIS

 

Alienor está melhor agora, ela me assustou ontem. Por alguns instantes, pensei que estava morta. Não saberia dizer o que faria se isso ocorresse.

O pior de tudo é que fui eu quem a atraiu para lá. Talvez não devesse acompanhar aquele anão, quem sabe não foi uma boa ideia chamar Alienor para me ajudar. Como poderia encarar a Srta. Cintia no futuro, se por uma escolha minha a ruiva morresse?

Talvez Cintia esteja certa: Em dados momentos parece não haver uma escolha certa.

Se eu soubesse que ao tentar ajudar Verônica, eu colocaria a vida de Alienor em risco, então não aceitaria acompanhar aquele anão. Sim, para mim, a vida da ruiva vale mais que a deles, não tenho dúvidas quanto a isso.

Com aquela luta contra Malak e agora com esse confronto contra os aventureiros, de uma coisa estou certo, quanto mais informações eu tiver, melhores serão minhas escolhas.

 Acho que tivemos sorte, pois Alienor, Kali e o Coiote saíram vivos no final. Mas o que mais me espantou foi a ruiva, porque até mesmo se eu fosse pego por aquele ataque, creio que não sairia ileso.

A ruiva se encontra agora na casa diplomática, a deixamos descansar um pouco por lá para dormir e se recuperar. Ela nem parece a mesma pessoa enquanto dorme. Verônica disse que está fora de perigo e passará bem.

Que bom que não encontrarei muitos inimigos usuários de impetus por aí, porém também creio que tive apenas azar por me deparar com alguém tão habilidoso quanto aquele anão.

Descobrimos como ela saiu viva ao ataque dele, foi a capa dada por Khan, ela possui uma magia de criação imbuída: Escamas de Dragão, um feitiço defensivo de alto grau.

O Sr. Coiote ficou encantado pelo objeto criado por seu mestre e disse que a magia ativa sozinha diante de um perigo. Agora entendemos o porquê de ela emanar fluxo.

O mascarado também me contou que, por pouco, Alienor não jogou fora a capa, por pensar se tratar de algo descartável. Que bom que a fizeram mudar de ideia.

Só não entendo por qual razão Khan daria um objeto mágico tão valioso a Alienor. Talvez seja pelo fato da ruiva ser uma princesa de Galantur, ou quem sabe o líder lumen apenas se simpatizou com ela, o que não faria muito sentido. Porém, o motivo não importa, Khan a salvou, e estou em dívida com ele.

Por falar no Sr. Coiote, sua máscara se rompeu e vimos sua face. Apesar que sua aparência mudou três vezes; mas, por último, ele parecia um lumen comum. No começo, ficamos apreensivos, mas não acho que ele nos mataria por conta disso. O Sr. Coiote parece ser um cara legal.

Fato é que, o Karakhan levou Kali embora. O serviço deles terminou mais cedo, dado que o Lorde Khan foi bem específico ao dizer que a lumen não poderia deixar Ticandar durante seu trabalho como guia. Ela será julgada pela morte daquele Karakhan e pela tentativa de fuga de Ticandar, ambos crimes nesta terra.

Receio que o Sr. Coiote também seja punido por permitir que Kali saísse de Ticandar. Suas ordens foram para mantê-la aqui, e a lumen quase escapou. Contudo, ela voltou por vontade própria depois e me ajudou, o que não faz sentido algum.

Ainda não a agradeci por curar meu braço. Procuramos por um mago de vida capaz de fazê-lo, e ela estava perto de mim este tempo todo.

Que idiota eu sou, ela havia dito que era uma santa e que podia usar magias de vida e criação muito poderosas, quando passamos pela Vivenda de Alvitres, porém eu nem liguei um ponto ao outro.

Por que será que ela não quis me curar antes? Acho que Kali só não gostou muito de mim. Porém, abriu mão de sua chance de fugir para voltar e me curar depois.

Essas duas garotas me dão um nó na cabeça.

Enfim, perdemos a última luta do festival. Fomos desclassificados por não comparecer. Escuto rumores das pessoas me chamarem de covarde ao passo que caminho pela Alameda Cerúlio agora.

No final, minha escolha de tentar ajudar a Srta. Verônica pôs tudo a perder. Porém, sem saber dizer o motivo, estou aqui ajudando-a novamente. Espero que não me arrependa por isso no futuro também.

— Obrigada por vir, Gris. Não conseguiria fazer isso sozinha.

— Por nada, Srta. Verônica.

Diferente de antes, a loira está com um vestido todo preto e com um véu negro sobre seu rosto.

Minhas roupas estavam todas rasgadas, portanto aproveitei para comprar vestes novas também. Não são roupas de luto, são mais parecidas com as de caçador que eu usava, porém estas são das cores preta e cinza, e possuem um capuz. Acho que cansei de usar roupas verdes.

Estamos na rua azulada de novo, mas desta vez para visitarmos a Igreja de Dara, pois Barathun e Filemon serão velados aqui.

Não resisto à tentação e procuro por uma estalagem, enquanto caminho. Meus olhos me guiam até um estabelecimento com uma placa, a qual possui uma caneca de cerveja na mão de uma criatura com pernas de canguru e corpo de macaco. Deve ser ali, mas ainda não estou pronto para confrontá-lo. Talvez eu nunca esteja.

Em vez disso, caminho ao lado de Verônica até a igreja. Ela é toda branca do lado de fora, com janelas de vidros coloridas em formatos de desenhos. Sua arquitetura é bonita, erguida com rochas, suas colunas e vigas arredondadas são visíveis do lado de fora e seu telhado possui uma inclinação bem acentuada.

Na parte mais alta da construção, há uma estrela de seis pontas, é o símbolo do alinhamento de vida, mas também é da igreja de Dara.

— O que posso fazer? — questiono. — Eu nunca entrei em uma igreja.

— Este é um momento que podemos prestar homenagens e proferir orações aos falecidos, porém não se sinta obrigado a isso, só sua companhia e presença já me ajudarão muito.

Mesmo por trás de seu véu, noto seu pesar. Ela deve sofrer muito com a morte de seus companheiros. Creio que me sentiria assim se algo ocorresse com Alienor ou Cintia também.

— Tudo bem — respondo.

A verdade é que não quero orar por eles, ou qualquer coisa do tipo. Apesar de compreender a atitude dos aventureiros em relação ao amigo assassinado, o fato é que me enganaram e se aproveitaram do meu desejo de ajudar alguém.

Machucaram meus companheiros por algo que não fizemos. Se já não estivessem mortos, eu os caçaria e os mataria.

— Está tudo bem com você, Gris? — pergunta Verônica.

— Sim.

Guardarei esses pensamentos comigo por respeito à maga de vida e seus sentimentos em relação a eles, mas é o melhor posso fazer pelos três.

Ao passar pela porta de entrada, deparo-me com um ambiente amplo, repleto de bancos, iluminado por alguns cristais brancos pelas paredes, destes encontrados por toda Ticandar.

Algo capta minha atenção acima do púlpito da igreja, ali há uma pintura gigante na parede: Um homem de cabelos loiros em uma túnica branca, com uma lança em suas mãos apontada para a face de outro homem caído no chão, em meio a uma batalha.

O varão prostrado possui cabelos e olhos pretos, da mesma cor que suas vestes.

— São Dara e seu irmão, Erun — cochicha Verônica, ao se abaixar para falar em meu ouvido.

Sei quem é Dara, é o deus louvado pelos cidadãos do império de Thar, o deus da Vida. Entretanto, não conheço... Ah... Acho que ele já falou sobre a crueldade dos assassinos de... — Erun — comento.

— Sim, o deus da morte e governante de Gihena, o inferno. — Complementa a loira. — São irmãos e inimigos, eles se amam e se odeiam. Mas, em que pese adorarmos a vida, sabemos que ela é apenas metade de um todo. Os seguidores de Dara, iguais a mim, louvam a vida e toleram a morte. É o dogma da igreja de Dara.

A representação na parede não causa uma impressão de tolerância, mas que Dara está prestes a matar seu irmão.

— Sei o que você está pensando, Gris. Porém, olhe para trás. — Verônica aponta para uma pintura acima da porta de entrada que acabamos de passar.

A pintura demonstra Erun, ainda caído no chão, enquanto há uma lança quebrada ao seu lado; já Dara, ele caminha para fora do campo de batalha e deixa seu irmão para trás, com vida.

— Até os deuses têm seus problemas — eu digo.

Ela repousa sua mão delicada sobre meu ombro e diz: — Sim, e isso demonstra que não estamos sozinhos nos momentos difíceis.

— A graça de Dara, vieram prestar seus sentimentos? — questiona um clérigo com vestes brancas e idade avançada, ao se aproximar.

— A graça de Dara, sacerdote, gostaria de orar pela alma dos falecidos.

Ah! Parece que temos uma devota de Dara aqui. Pode se aproximar da tribuna e prestar suas homenagens — comenta o sacerdote, na medida em que demonstra o caminho ao estender sua mão.

Verônica nos deixa, ao fazer um sinal com a cabeça para mim, e se dirige aos dois caixões que se encontram depois dos bancos e em frente ao púlpito.

 — Gostaria de orar pelos mortos também, meu jovem?

— Eu vim acompanhar minha amiga, ancião. Mas ficarei no banco, se não se importar.

O Sacerdote de Dara tenta disfarçar, mas sua face grita em desprezo ao ouvir minhas palavras. Não creio que fui desrespeitoso, mas não mudarei de ideia apenas para que ele se sinta melhor.

— Entendo. Pode se sentar ali, a igreja de Dara é aberta a todos. — Ele indica com sua mão estendida a um banco.

É como eu imaginei, eu não gosto muito daqui. Não sei se é pelo som dos sussurros das orações, pela luz que atravessa as janelas coloridas e se propagam por todo o ambiente, o cheiro de incenso queimado, ou pelas pinturas nas paredes que contam as mais diversas histórias. Seja qual for o motivo, eu apenas não gosto deste local.

 

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