Aelum Brasileira

Autor(a): P. C. Marin


Volume 2

Capítulo 48: Pamplonela

GRIS

 

Não compreendo os motivos do professor me dizer para evitar a Alameda Cerúlio, afinal os estabelecimentos dali são muito úteis e não pareceram representar algum perigo.

Já se passaram dois dias desde a última luta na arena, e logo enfrentaremos Malak e Hector.

Nesse tempo, nós nos preparamos, reunimos fluxo e aprimoramos nossas resistências contra magia de morte. Alienor possui alinhamento de vida, ela não é tão boa nisso quanto é em magia de destruição. Porém, é o suficiente para usar uma magia básica de proteção.

Foi essa a magia que ela usou no dia em que lutamos contra os soldados de Galantur. Eu só não a matei por conta disso.

A magia de Alienor só a protegerá parcialmente, portanto precisarei obrigar Malak a me enfrentar. Eu possuo o dom de resistência mental fornecido pelo impetus e consigo resistir um pouco mais.

Entrentanto há um problema, é o dom que eu menos tive oportunidades para treinar, pois Alienor não possui alinhamento de morte, já o professor não possuí alinhamento algum. Na cabana, era impossível o treino prático.

Eu me baseio apenas na teoria que Valefar me ensinou e nestes dois últimos dias em que o Sr. Coiote praticou comigo.

Sim, o Karakhan possui alinhamentos de morte e criação, e é muito bom em ambos pelo visto. É justamente o alinhamento oposto ao de Alienor e uma combinação tão poderosa quanto.

— Ow, da máscara! Passe a geleia para mim, por favor.

— Não exagere na comida, Alienor. Em algumas horas nós lutaremos — digo a ela.

— Como assim, exagerar? — Ela aponta a faca para mim. — Tá me chamando de gorda?

Resolvemos tomar um café aqui na casa diplomática antes de irmos até a arena de batalha. Gastamos uma moeda de prata para comprar duas sacolas de alimentos, é um décimo do valor de uma moeda de ouro e dez vezes o valor de uma de bronze.

Começo a ter noção da quantidade de dinheiro que ganhei na Vivenda de Alvitres antes. Acho que não terei problemas financeiros tão cedo.

— Hey, Gris! — exclama Alienor.

— O quê?

— Quem vai acabar com o manjador serei eu, você fica com o de capuz.

— Tudo bem, creio que seja melhor assim.

Que bom que não precisarei convencê-la a isso. Seria um gasto de energia e tempo que fariam falta em nossa preparação.

— Só não o subestime, Alienor. Ele parece forte também — digo.

— Aquele arrombado vai tombar na primeira explosão, fique vendo.

— Cuidado, usuários de morte e criação são imprevisíveis. Digo isso por experiência própria — explica o Karakhan.

— Sei, não deixá-lo se aproximar muito e tal — comenta a ruiva.

— Não somente isso, se a potência mágica de criação dele for seis, pode ser que use magias como invisibilidade menor. Com isso, ele teria a oportunidade para se aproximar sem ser visto e usar uma magia de morte em você.

— Isso é problemático, mas acho que consigo lidar — responde a ruiva.

— Ou ele pode ser um guerreiro de linha de frente, um usuário focado na absorção de danos, e aumentar suas defesas com fortaleza de aço ou pele de pedra. Com isso, igualmente ele conseguiria se aproximar. Como Malak venceu as lutas sozinho, o estilo de luta dele pode ser qualquer um.

Tá! Já entendi, vou com tudo contra ele e não darei qualquer chance.

Sinceramente, não sei se isso é bom ou mal, ela pode matar o rapaz. Porém prefiro isso a vê-la se machucar.

— Você também, Gris. Tome cuidado, com seu braço machucado, esta luta será muito difícil. Além disso, aquele rapaz parece ser do tipo que não mede consequências.

— Será melhor que o Gris perca logo, então acabaremos com isso de uma vez — afirma Kali.

Esse comportamento gratuito dela em relação a mim começa a me irritar. Algo que nem Alienor conseguiu.

Decido apenas ignorar os comentários da lumen. Pego seis pequenas ampolas de minha mochila, as quais compramos do Sr. Alan na Botelha Púrpura há seis meses. Três delas, dou a Alienor.

— Para que isso? — a ruiva pergunta.

— Apenas uma precaução. Pode tomar.

Ela dá de ombros e bebe as três ampolas. Bebo também as minhas e, logo em seguida, digo: — Vamos nos preparar para sair. Não falta muito agora.

Trata-se das semifinais, e se enfrentam nesta etapa, portanto, duas duplas. Pur e Ifan, os dois competidores que conseguem se transformar em gigantes, venceram dois outros lumens que os enfrentaram. Os competidores da Ilha de Anak já estão na final.

A luta não foi tão unilateral quanto a anterior, um dos dois lumens conseguia se transformar em um urso primordial, uma besta com quase quatro metros de altura quando em pé, igual ao lumen que atacou Kali na Floresta de Prata.

O Sr. Coiote disse que a transformação em urso primordial é uma magia de criação de nível sete, muito poderosa, mas não o suficiente para vencer os dois gigantes.

A Presidente Vi Kari anunciou antes dessa luta as regras desta etapa: O campo retangular é dividido ao meio em dois quadrados. Em cada lado, dois competidores se enfrentam em batalhas individuais simultâneas.

Não é possível interferir na luta dos outros dois competidores, sob pena de desclassificação. Entretanto, se um dos lados derrotar o outro por nocaute, desistência ou arremessando-o fora dos limites da arena, o vencedor pode invadir a área adversária para ajudar seu companheiro.

Havia uma regra geral, a qual dizia que se um dos participantes fosse eliminado, o outro também seria; mas, nesta etapa, ela está suspensa.

O lumen transformado em urso na partida anterior resistiu bem, mas seu companheiro perdeu, então diante de dois inimigos transformados em gigantes, ele não teve a menor chance.

Considerando que estou machucado, a melhor estratégia seria suportar tempo suficiente para que Alienor vença o Hector e venha me ajudar, mas se eu tiver qualquer oportunidade, acabarei com a luta o mais rápido possível para ajudá-la.

Há outro problema, é decidido por sorte quem escolherá as duplas a se enfrentar. Espero que possamos fazê-lo. Não será bom Alienor enfrentar Malak.

Próximos competidores: Gris, apátrida, e Alienor de Vermilion de Galatur — Anuncia Vi Kari.

— Bora, Gris, é nossa vez — diz Alienor ao pular do banco e me pegar pela mão.

Como de costume, deixo meu amuleto para trás e levo comigo somente minha espada.

Ao passar pelo portão e pisar no campo de batalha, ouço o rufar de tambores e alguns brados peculiares: — Canhoto! Canhoto! Canhoto... — cantam os espectadores em um coro alegre.

— Canhoto? — pergunto.

— É você, seu bobo. Você só luta com a mão esquerda, então eles acham que você é canhoto. Acho que gostaram de você...

Hector Vivara e Malak de Thar — anuncia Vi Kari.

Wuuuuuu! — Escuto vaias.

Desta vez, Malak passa pela porta de seu camarim sem sua capa e capuz, o que deixam claras as diversas cicatrizes que ele possui em seu corpo e rosto. Algumas muito parecidas com as minhas.

Logo atrás, está Hector com uma armadura pesada, espada média e escudo.

— Ele está com os equipamentos que declarou, Alienor. Hector deve ser um lutador de linha de frente mesmo.

— É, eu percebi também, mas prefiro assim.

Os nossos rivais caminham até o centro da arena onde nós estamos e param a nossa frente. As vozes das pessoas da plateia se misturam em um único ruído indistinguível. O nosso silêncio é quebrado primeiro por Malak:

— Achou que conseguiria se esconder para sempre? — Ele olha para mim ao dizer.

— Do que você está falando? — pergunto.

— Hoje você se arrependerá de ter nascido, sua vagabunda caipira — diz Hector.

Ah! Mama minha rola! — ela contesta.

Isso nem faz sentido!

Uma sombra gigante aparece em nossos pés. Ao olhar para o alto, vejo uma ave de rapina, ela voa em círculos e depois pousa ao nosso lado. É uma besta com quatro ou cinco metros de envergadura, parecida com uma águia-real, mas toda branca e com olhos prateados.

A águia encolhe de tamanho, na medida em que um brilho esverdeado surge em seu corpo, e gradativamente toma a forma de uma lumen, a Presidente Vi Kari. Ela pega uma moeda de ouro de Tikandar e nos mostra as duas faces. Em uma, há um desenho de um dragão, na outra; um pássaro.

— Você, mestiço. — Ela olha para mim. — O dragão ou o pássaro.

— Dragão — eu respondo. A lumen me devolve um sorriso sarcástico.

A presidente joga a moeda para o alto, a qual gira diversas vezes até cair em sua direita. Ela tampa com a mão esquerda, estende seus braços e nos mostra o resultado: Pássaro.

Que azar. A escolha será deles.

— Uhmmm! — resmunga a ruiva.

— Lutarei contra o de cabelo cinza — diz Malak ao apontar seu indicador para mim.

— Isso! — comemora Alienor.

Antes de começar, nos dirigimos às extremidades do campo de batalha. Preferiria iniciar mais perto de meu inimigo, o que normalmente seria um contrassenso, considerando que ele é um usuário de magia de morte.

Entretanto, além de conseguir usar sua magia de morte à distância, também há o fato dele ser um usuário de destruição, uma magia de longa distância. É um inimigo focado no poder ofensivo; nesse sentido, sem qualquer defeito a curta, média ou longa distância.

Eu, por outro lado, só tenho como lutar de perto, tendo em vista que não consigo tencionar meu arco. Eu poderia comprar uma besta, mas ela apenas me atrapalharia e teria um único disparo, pois não tenho minha mão direita para recarregá-la. Além disso, precisaria declará-la antes do combate, portanto o fator surpresa seria descartado.

— Ao meu sinal — proclama Vi Kari.

Ativo todos os meus dons, exceto o de resistência a danos. Preciso encurtar a distância o mais rápido possível.

— Lutem!

Ao passo que corro em direção a Malak com o uso do aumento de velocidade, o meu inimigo aponta sua mão direita em minha direção, nela se junta um fluxo avermelhado: Uma magia de destruição.

Em resposta, fortaleço meu corpo e minha espada com o dom. Uma estaca de gelo se forma diante dele e é disparada. Não ouvi as palavras de conjuração, ele não precisa delas?

Katchin! Defendo a estaca com minha espada, e ela se estraçalha para todos os lados. Seus fragmentos encostam em minha pele e sinto o frio que vem deles. A espada também fica gelada na empunhadura.

Escuto explosões vindas do lado de Alienor, aliadas as suas gargalhadas. Porém não posso desviar o olhar do meu inimigo agora, enquanto avanço. O menor descuido, e eu perderei.

Malak levanta ambas as mãos desta vez. Duas estacas de gelo se formam ali. Uso o dom da visão para ver sua boca mais de perto por um instante, e ele recitas algumas as palavras em baixo som, um sussurro. Nunca vi alguém conjurar com sussurros.

Desta vez, eu dou um mortal e desvio das estacas e continuo minha investida. Malak entra em posição defensiva, com duas adagas em suas mãos. Em volta dele, vejo se formar um fluxo preto, é magia de morte. Em resposta, ativo o dom de resistência mental.

O fluxo em forma de uma fumaça negra sai de Malak e avança em minha direção. Porém decido resistir e continuar meu avanço.

Assim que a fumaça toca em meu peito, uma sonolência toma conta do meu corpo, meus músculos relaxam e as pálpebras pesam. Preciso melhorar minha resistência mental ou desmaiarei. É quando abro mão dos demais dons e foco na resistência mental.

A sensação de sono se dispersa. Entretanto, diante de mim está Malak, ele se aproximou enquanto vacilei. Sua mão está estendida em minha direção. Olho para baixo: Ele perfurou minha barriga com sua adaga.

Tento golpeá-lo com minha espada, mas ele salta para trás, desvia, e remove a lâmina de minha barriga. Sangue começa a verter do meu corpo.

— Muito fraco, Dezesseis. Esperava mais de você, porém esta luta acaba agora.

Reconheço a sensação vinda do corte em meu ventre: É Pamplonela, um dos venenos mais mortais que existem. A lâmina da adaga... A intenção dele é, de fato, me matar.

Solto minha arma e caio de joelhos. Olho para todos os lados. Respiro mais rápido, ofegante.

Malak se aproxima de mim para me finalizar. Ele joga suas adagas no chão, como na luta anterior. Escuto vaias. A árbitra ainda não notou sua intenção, ela não intervirá.

Diante de mim, ele coloca sua mão direita em minha cabeça. Um fluxo negro se forma nela, é o momento em que ele diz: — Ve...

Eu soco seu antebraço com meu punho esquerdo. Malak arregala os olhos, sem entender.

Crack! Escuto o osso de seu braço se romper.

Um golpe limpo, com toda a força do impetus.

— Aahh! — ele grita e se afasta.

Seu antebraço direito balança de uma forma antinatural, ao passo que meu adversário cai de costas no chão.

Eu me levanto e pego minha espada caída.

— Ambos com apenas um braço. Lutaremos em igualdade agora — eu digo.

Olho para o outro campo, Alienor parece se divertir do lado dela, em meio aos seus fogos de artifício avermelhados, suas gargalhadas e sangue de seu rival. Fico contente que a ruiva conseguiu se esticar um pouco desta vez.

— Como?! O veneno... — Malak questiona ao conferir o corte em minha barriga.

Eu poderia respondê-lo e dizer como fiz, mas quem se importa?

 

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