Aelum Brasileira

Autor(a): P. C. Marin


Volume 2

Capítulo 47: O Banco de Estátera

GRIS

 

Uma insígnia de ouro em formato de losango, com o desenho de uma tulipa. Nela há um alfinente para prender à roupa e uma abertura na parte superior para passar um cordão ou corrente para o pescoço. Foi o objeto que me foi entregue pelo Bruto da Vivenda de Alvitres antes de eu sair.

Ao que tudo indica, Bruto não é o nome dele, mas a denominação dos guardas do estabelecimento. Todos eles são chamados assim lá dentro.

Acabamos de sair da Vivenda e estamos na Alameda Cerúlio, a rua azulada.

— Esse é meu garoto, já na primeira visita e descolou uma insígnia dourada, que orgulho — diz o Karakhan, enquanto passa seu braço por cima de meu ombro e dá dois socos em minha barriga.

A máscara dele está muito próxima de mim. Eu não quero morrer!

— Não acredito que vocês me fizeram entrar em um lugar assim! — exclama Kali. — Eu quase... Que ódio de vocês!

Ah! Srta. Kali, não foi tão ruim assim. Além disso, eu falei que você poderia deixar o local, caso quisesse. Porém fico agradecido que não saiu, assim eu pude ajudar nosso garanhão aqui. — Ele me cutuca com o cotovelo.

Agora sei como o professor se sentiu.

— Obrigado, Srta. Kali e Sr. Karakhan, creio que não teria conseguido sem a ajuda de vocês.

— Humpf! — Kali cruza os braços e vira o rosto de forma esnobe.

— Que isso, nós já somos amigos e para isso que servem os amigos. Hahaha.

Creio que o Sr. Coiote seja a pessoa mais carismática que eu já tenha visto. Não esperaria isso de um espião. Mas quem sabe ele não seja um bom espião justamente por isso?

— Alienor, está tudo bem com você? Achei que você ficou muito calada lá dentro.

— Hum? Ah! É que, sei lá, eu gostei da Srta. Karine e fiquei observando-a. Aí, na hora que eu vi, já estávamos para partir.

Pelo menos não é nada grave. Apesar que Alienor ficar quieta nunca é um bom sinal.

— Mas e aquele dinheirão lá? Minha nossa, você que vai bancar um lanche agora, Gris — comenta a ruiva, ao passo que olha para os lados em busca de um lugar que vende comida. Como ela consegue se manter magra?

Enfim, eu até sabia que visualizar auras não era algo comum, afinal determinar o alinhamento de um indivíduo somente pode ser feito por meio de uma rosa dos ventos, ou assim deveria ser.

Mas a questão é que, não imaginava que seria tão valioso a ponto de me render quinhentas peças de ouro.

Em todo caso, sobraram quatrocentas e oitenta e oito moedas de ouro no total. Já as que o professor nos deixou, esgotaram-se.

— Seria bom você guardar esse dinheiro, Gris — diz o mascarado. — Andar com um montante desses por aí pode ser perigoso.

— Você tem razão, acho melhor levarmos para a casa diplomática.

— Eu tinha uma outra ideia, porque você não guarda ali? — Ele aponta para uma construção com o símbolo de uma balança na entrada.

— O Banco de Estátera?

— Exato, não há lugar mais seguro em toda Aelum do que o Banco de Estátera para se guardar dinheiro, sem falar na comodidade que é você viajar, sem o risco de ser assaltado, e encontrar seu dinheiro em outra cidade.

— Talvez seja uma boa ideia mesmo.

— Vamos lá então.

— Desta vez não — aduz Kali —, não vou cair nessa novamente, prefiro esperar aqui fora.

— Nesse caso, não poderei te acompanhar também, Gris — diz o mascarado. — Mas não há segredo, é só entrar, assinar o contrato e depositar a quantia que deseja. Só é bom você ficar com pelo menos umas dez moedas em mãos para se manterem. Recomendo o plano intercontinental, pois nunca se sabe do dia de amanhã. Com essa quantidade será fácil abrir a conta assim.

— Tudo bem, se você diz que não é difícil, eu farei sozinho.

— Quem disse que você vai sozinho, seu boboca — afirma Alienor, ao passo que me pega pelo braço e me arrasta. — Bora lá! que eu te mostrarei como se faz. Isso aqui é coisa de gente civilizada, igual a mim...

— Possuem armas ou qualquer objeto cortante com vocês? — diz um homem loiro, muito alto, vestido de terno, após passarmos pela porta de entrada.

— Vamos deixar sua espada aqui, Gris. Já pode ficar com a adaga depois, acho que não irei mais usá-la. — Alienor entrega a adaga para o guarda.

— Aqui está, Sr. — Faço o mesmo.

Humpf! Certo, elas estarão aqui aguardando o momento em que vocês sairão, mas aconselho a não entrarem mais com armas neste local.

— Obrigado, me desculpe.

O homem apenas balança a cabeça em afirmação, depois guarda nossos equipamentos em uma estante de bronze e devolve um papel com uma numeração.

O local que estamos é uma construção gigantesca e espaçosa em tons de cinza, seu pé direito deve ter em torno de cinco metros de altura, e a porta de entrada possuía uns três metros também.

Estou na recepção, aqui há diversas pinturas penduradas nas paredes, protegidas por um vidro. Além disso, estão devidamente à mostra diversas esculturas por todo o lugar. Não entendo de obras de arte, mas até eu percebo que são valiosas.

— Faz tempo que não venho a um banco, são legais essas esculturas não são, Gris? A acústica aqui dentro também é muito boa.

— Alienor, nem pense em explodir coisas aqui.

— Com quem você acha que está falando? Não sou louca. Se fizesse algo assim, trabalharia como escrava pelo resto da minha vida aqui dentro para pagar pelos estragos.

— Pensei que não houvessem escravos em Ticandar.

— Bobinho, se esqueceu? Não estamos mais em Ticandar, aqui é o Banco de Estátera. — Alienor estende seus braços e gira algumas vezes em torno de seu eixo, como uma dançarina.

Ah! É verdade, o Coiote havia dito mesmo.

— Bem-vindos ao Banco de Estátera, a instituição mais antiga de Aelum — diz uma mulher que se aproxima de nós.

Ela possui a pele levemente bronzeada, cabelos e olhos pretos, com uma maquiagem também preta ao redor de seus olhos, assim como um batom da mesma cor. Suas vestes são formais, mas muito arcaicas. Uma espécie de terno azul-escuro feminino com uma saia.

— Boa tarde, meu colega gostaria de abrir uma conta e depositar alguns valores.

A atendente nos olha dos pés à cabeça e franze a sobrancelha, depois cruza os braços.

— Aqui, temos um valor mínimo aceitável de depósito inicial para a abertura de uma conta simples, é de dez moedas de ouro. No caso, uma conta simples serve aqui neste lugar de abertura e mais uma capital da sua escolha.

— Na verdade, queremos uma intercontinental — eu digo.

A mulher faz uma expressão de desprezo em seu rosto, depois coloca as mãos na cintura e diz: — Impossível, nós não...

Sua fala é interrompida por uma mão que repousa em seu ombro. Se a iluminação deste local fosse mais precária, eu a confundiria com a mão de um esqueleto.

A mulher olha para seu ombro e toma ar, seu corpo enrijece, ela cerra os punhos, depois seu semblante muda por poucos segundos: Ela está apavorada.

— Patrão! Perdão. Eu não sabia que estava...

— Tudo bem, eu não anunciei minha visita hoje — diz o homem, após se revelar. — Pode ficar tranquila.

Ele é um homem muito esguio e velho. Está vestido com roupas formais, mas igualmente arcaicas, um termo completo e gravata em seu pescoço. Ademais, em seus olhos há um par de óculos escuros, e em suas mãos uma bengala preta com adornos dourados. Provavelmente, um homem cego.

Eu não o vi chegar. Estou com o amuleto de promítia, portanto não consigo usar o dom da visão agora. Entretanto, mesmo sem ele, eu sei que seria impossível o homem ter chegado aqui sem que eu notasse. Não relaxo mais fora da Floresta de Prata como antes.

— Pode deixar que eu pessoalmente continuarei este atendimento — diz o homem esguio.

— Patrão, mas eles...

Tum! O homem bate com sua bengala no chão, e a mulher se cala. Ela junta suas mãos, abaixa a cabeça e se encolhe, na medida em que se afasta e deixa o local.

— Como posso chamá-lo, jovem senhor?

Não tenho certeza se ele olha para mim. Verifico os arredores, não há ninguém por perto, além de mim e Alienor, então respondo: — Gris.

— Um nome interessante, Gris. Foram seus pais que lhe deram?

— Foi meu pai.

— Entendo, ele deve se orgulhar. Afinal ouvi relatos a respeito de um rapaz canhoto que lutou recentemente no festival, o nome dele era Gris também. Há rumores que ele conseguiu abater um wyvern de fogo com um único golpe.

— Ele já estava fraco — eu digo.

— Não estava não. — Interrompe Alienor. — Minha invocação é bem forte, nem vem. — Ela cruza os braços, vira o rosto e resmunga algumas palavras que não consigo ouvir.

— E a Srta. deve ser a descendente dos Vermilion — o homem esguio vira seu corpo em direção a Alienor e se apoia com ambas as mãos em sua bengala.

Ele simula fraqueza, mas consigo perceber que este homem é forte.

— Uhm? Sou, sou Alienor de Vermilion, prazer — ela estende sua mão direita ao homem.

Ele atende ao seu gesto e aperta sua mão, então diz: — Você é descendente de indivíduos poderosos. Já te contaram isso, Lady Vermilion?

Ele não é cego. Ou será que usa uma magia para se orientar?

— Já disseram, sim. Sou filha de Heloísa e Alexander de Vermilion.

— Soube da tragédia de seus pais, sinto muito. Minhas condolências. — Ele não esboça qualquer reação em seu rosto ao dizer.

— Bom, obrigada. Mas não viemos aqui para falar disso.

— Perdão pelo meu comportamento deselegante, creio que seja um defeito que vem com a idade. Quando me dou por conta, já estou a conversar além do que deveria. Em todo caso, um plano intercontinental o jovem senhor solicitou, correto? Acompanhem-me, por gentileza.

Nos dirigimos até uma escrivaninha com três cadeiras, assim que adentramos mais ao estabelecimento. O atendente que está sentado nela recolhe seus pertences e para de pé ao lado do móvel.

O homem esguio entrega sua bengala ao empregado, sem dizer qualquer palavra, e se senta na cadeira de um lado da escrivaninha, então diz:

— Por favor, sentem-se. — Ele estende sua mão em direção às cadeiras do outro lado. — Sr. Barret, por gentileza, traga um contrato de adesão ao plano intercontinental para nosso nobre cliente.

— Sim, patrão. — Ele dá três passos para trás, se vira e sai às pressas para cumprir com o determinado.

Deixo meu amuleto sobre a mesa, ativo o dom da visão, e disfarço isso ao coletar minha algibeira, com as moedas, em minha cintura. Alienor se senta ao meu lado, em outra cadeira.

Ao olhar para o homem magro à minha frente, sou surpreendido pelo fato de que ele não possui aura. Nada em absoluto, idêntico ao Valefar. Ele é um usuário de impetus, ou será inepto?

— É um belo amuleto — afirma o velho. — De prata, correto?

— Sim, é de prata. — Eu o coleto novamente e guardo em meu bolso, ao passo que deixo a algibeira na mesa, em seu lugar.

— Sabe o que significa o símbolo do amuleto, a caveira e a balança?

— É um sinal de que o portador é uma pessoa que ajuda aos demais, sem esperar algo em troca — respondo a ele.

Ai! De novo não, eu não aguento mais essa história... — reclama Alienor, depois vira o rosto para o lado.

O homem esguio coloca seus cotovelos sobre a mesa e esfrega suas mãos por um instante, pensativo. Ele medita sobre suas próximas palavras.

— O significado dos símbolos mudam com as gerações; todavia, há muito tempo, essa imagem significava outra coisa. Gostaria de saber o que era?

Conhecimento só pode me beneficiar. Pode ser que ele diga algo inverídico, entretanto não sou obrigado a concordar com o que ele dirá. Portanto respondo: — Gostaria de saber, por favor.

— A balança simboliza o equilíbrio, já a caveira; a morte. Portanto, esse objeto é a falta de equilíbrio pendida para a morte: Trata-se de uma ameaça de morte.

— O Sr. tem razão.

— Tenho? — Ele inclina sua cabeça para o lado. Creio que não era a reação que esperava.

— Sim, pois os significados dos símbolos mudam com o tempo.

— Vejo que você será um dos meus melhores clientes, Sr. Gris. Sinto-me honrado por tratar com senhor pessoalmente neste dia. Mal posso esperar parar firmarmos novos contratos no futuro.

— Patrão, perdão pela intromissão, mas aqui está o contrato e a alfineteira.

Há uma folha de papel com várias cláusulas escritas nela. Além disso, o funcionário coloca sobre a mesa um objeto dourado que cabe na palma da mão, uma espécie de mecanismo que se assemelha às engenhosidades dos anões, como o elevador da cabana. O objeto é côncavo e lembra uma tartaruga, com um furo na parte superior.

O homem esguio passa a preencher as lacunas do contrato, então ele para e diz: — Possui sobrenome, Gris?

— Não, Sr.

— É filho de quem?

— Do caçador da Floresta de Prata.

Escuto um objeto cair no chão, olho para o lado e vejo que o atendente deixou cair sua caneta. Ele me observa, mas quando trocamos olhares, o homem abaixa a cabeça.

— Certo, Gris, filho de Valefar.

Ele conhece o professor? Droga, será que eu agi certo ao dizer?

— Gostaria de declarar herdeiros? Você pode citar até três nomes, sejam familiares ou não.

Eu olho para Alienor, já ela dá de ombros. Você não disse que me ajudaria?! Eu devo muito ao professor, mas ele não precisa de dinheiro.

— Cintia, a proprietária da Estalagem Alazão Selvagem de Lumínia.

— Correto. — Ele preenche o nome e depois espera o seguinte.

— Laura, filha adotiva de Cintia.

— Mais um.

— Alienor de Vermilion, filha de Heloísa e Alexander de Vermilion.

— O quê? Quem disse que você morrerá antes de mim, não ouse, seu palerma! Humpf!

— Testamentos e heranças são manifestações de vontade — diz o homem esguio —, atos unilaterais de pessoas vivas, Lady Vermilion. Deveria se alegrar por presenciar e ser citada em tal evento, quando isento de uma tragédia.

— Não entendi nada do que você falou! — Ela cruza os braços e vira o rosto.

— Aqui está, basta conferir e assinar com a alfineteira. — Ele me entrega o contrato e empurra a alfineteira até perto de mim.

— Você precisa pressionar o dedo indicador sobre a alfineteira, Gris — diz Alienor, ao apontar para o objeto.

Ao tentar pressionar o mecanismo, o homem esguio me interrompe e diz: — Não lerá o contrato antes de assinar? Eu odiaria que alguém assinasse um contrato sem concordar com seus termos, e depois dissesse que foi injustiçado. Ninguém firmaria contratos comigo, se rumores assim existissem.

— Deixe-me ler também — aduz Alienor.

Trago o contrato para perto de nós dois e ambos começamos a ler. Não parece haver algo de estranho, apenas descreve as taxas de saques e transporte de valores e objetos. Espere, há algo incomum nisto.

— É possível depositar objetos e coletá-los em outro banco?

— Sim, a depender do tamanho e peso do objeto em questão, pode ser depositado e retirado em qualquer lugar.

— Mas aqui diz que o prazo de entrega é um dia após a solicitação, e o contrato abrange outros continentes.

— De fato, em qualquer lugar de Aelum que se encontre um Banco de Estátera, você poderá retirar seus pertences no prazo de até um dia.

— Mas como? Até mesmo no continente dos demônios?

— A forma que operamos é segredo de ofício, portanto não posso responder sua pergunta, jovem senhor. O que você precisa saber é que se cumprir sua parte no contrato, ao depositar o objeto e pagar a taxa de retirada, o Banco de Estátera cumprirá com a suas obrigações e transladará a coisa até você. Tudo isso, até que o sol esteja na mesma posição no céu do dia seguinte, conforme consta na cláusula.

— Uhm... Não vejo nada estranho, Gris. Por mim, pode assinar.

Coloco meu dedo indicador sobre a alfineteira e aperto o objeto. Sinto uma pinicada. Então, eu retiro o dedo e olho para ele, há uma gota de sangue.

— Agora basta repousar seu dedo neste ponto do contrato e estará feito.

O homem magro aponta para um local do contrato, e eu pressiono meu dedo sobre ele. Ao retirá-lo, vislumbro que se formou uma digital vermelha ali.

O atendente recolhe o contrato com cuidado e o coloca dentro de uma pasta preta. Ele também coleta a alfineteira e parte para uma sala ao fundo.

— Gostaria de depositar quatrocentas peças de ouro e esta insígnia dourada, Senhor... perdão, qual é o seu nome?

— O meu nome é de difícil pronúncia e não significa nada nos dias atuais. Porém, você pode me chamar de banqueiro, mercador ou de Homem Magro. Os dois primeiros são conceitos que se encaixam com meu ofício, já o último é um nome pejorativo que passei a apreciar com o tempo, portanto não me ofenderei se me chamar assim.

— Aqui estão as moedas e o objeto que desejo depositar, Homem Magro.

 

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