Aelum Brasileira

Autor(a): P. C. Marin


Volume 1

Capítulo 10: Amuleto de Proteção

CINTIA

 

Que saco, V., o que você anda fazendo? Foi você quem ensinou o garoto a fazer isso? Claramente ele é um menino bom, e é culpa sua ele ser assim.

Fica ensinando essas porcarias de caçar e sei lá mais o que, pois saiba que eu não sou idiota, eu sei que você não é só caçador e, na realidade, não me importa o que você seja. O importante é que você fique o mais longe possível deste menino.

Porém, eu sou só a dona de uma estalagem e o que eu poderia fazer? Que saco! Essa sensação de impotência. Eu não tenho como ajudar o Gris. Mas eu preciso tentar algo.

Olho para baixo e vejo meu colar. Foi o V. quem me deu, e ele me disse que é um amuleto de proteção. Disse que eu deveria usá-lo o tempo todo. Assim, removo o amuleto do pescoço, seguro firme e o jogo com toda a força contra a parede.

Esse inferno! Ele não quebra. Não aconteceu nada com o colar. Entretanto ele não quebrou porque eu sou fraca, e não pela resistência do amuleto. Que droga, droga...

— Droga.

Quando percebo, estou abaixada, com as mãos tampando o rosto e, à medida que eu retiro as mãos, vejo logo à frente, ali está um garoto de cabelos cinzas e ele me olha com poucas expressões, sentado no sofá.

Olhe só para ele, está calmo, respira tão calmamente que parece que vai dormir a qualquer instante. É como se não tivesse acontecido nada, e me parece que realmente ele se sente como se não tivesse acontecido nada, mas em suas mãos ainda há sangue.

— Venha, vamos limpar suas mãos.

— Certo, Srta. Cintia.

Eu conduzo o garoto até meu banheiro, e nele há uma pia, já no chão há um balde com água, e uma caneca dentro, a qual uso para coletar a água.

— Estenda as duas mãos sobre a pia.

Sinto o cheiro de ferro.

O garoto é obediente, e eu o ajudo a arregaçar as mangas para não sujá-las. Posso ver um bracelete preto e branco, além de algumas cicatrizes por todo o braço, e a maioria delas parece ter sido causada por garras de animais.

Despejo um pouco de água para tirar o grosso do sangue, enquanto esfrego minhas mãos contra as dele. Suas mãos são tão pequenas. É só uma criança afinal.

Eu pego o sabão e ajudo a esfregar as mãos do garoto, depois jogo mais água.

Não me sinto bem.

— Gris, continue a esfregar as mãos e se limpar, pois eu já volto.

— Sim, Srta. Cintia.

O obediente Gris continua a lavar suas mãos e eu saio, fecho a porta do banheiro, me escoro e solto o peso do corpo. Agora estou novamente abaixada, com as costas contra a parede e, neste ponto, eu olho para cima.

Estou tão envergonhada. É errado ter medo dele, pai?

— O que aconteceu lá? Por que você bateu no Diego? — digo ao Gris, agora que estamos sentados no mesmo sofá, um do lado do outro.

Ahm... É que ele... é que eu ia sair da estalagem e vir aqui, mas quando abri a porta, ele estava me esperando. Aí o Diego me agarrou e me jogou para fora, e então nós brigamos.

É plausível. Ele não aparenta mentir, mas falta algo nesta história.

— Por que você não correu dele? Poderia ter corrido para minha casa.

— O professor disse para eu não brigar, assim eu pensei em correr, mas o professor também disse que eu preciso esperar por ele durante sete dias aqui. Então, se eu corresse, o garoto continuaria a me perseguir, por isso eu tentei afugentar ele.

— Você fez muito mais que isso. Por alguns instantes, eu pensei que você tinha matado o menino.

— Ele era teimoso e estava perdendo, mas insistiu até o final. Se eu não batesse nele com força, ele iria continuar até fazer o mesmo comigo... Eu também fiquei com um pouco de raiva no final, por isso bati com muita força. Eu sinto muito, Srta. Cintia, não vai se repetir, eu vou dar um jeito para que isso não aconteça novamente.

De novo isso, que droga. É difícil de entender o que se passa na cabeça desse garoto, mas falta algo que não entendi muito bem:

— E você tem alguma ideia do porquê de ele ter ido atrás de você?

Se ele estiver mentindo, vai ser agora que vou perceber.

— Eu acho que foi porque, quando cheguei em Lumínia, eu vi ele com uma garota, e eles estavam no escuro juntos, bem perto um do outro. Então eu acho que ele não gostou de eu ter visto. Mas foi por acaso, e não queria ter olhado.

— Entendo, os meninos estavam namorando.

Olho para o Gris, ele não parece entender o que eu quis dizer.

— Você já viu um casal? Quando um homem e uma mulher ficam juntos e tem filhos?

Gris balança a cabeça em afirmação.

— Antes disso eles namoram, se beijam, eles ficam juntos por um tempo para se conhecerem. Os dois estavam fazendo isso e você os viu, entretanto não é algo que justifique ele ter vindo atrás de você, não dessa forma.

— Mas foi isso que aconteceu, Srta. Cintia, e eu não lembro de ter feito mais nada.

— Tem certeza?

— Bom, ele tentou me bater naquele outro dia, só que o professor segurou ele antes e disse que sabia quem era o menino. Disse que o menino era um monte de bosta.

— Você não deve chamar os outros disso, ? É feio.

— Certo, Srta. Cintia.

— Agora achamos o culpado!

Que inconsequente, chamar o filho de um barão de monte de bosta. Eu já vi gente ser enforcada por menos que isso, porém ele não se importa, não é? Ele acha que está acima de tudo, afinal até o barão tem medo dele.

Sim, eu percebi quando comecei a usar aquele colar, um amuleto de proteção, ele disse. Aquele desgraçado.

E eu achando que ele simplesmente me deu um presente para demonstrar um pouco de carinho. Eu já deveria ter imaginado.

Porém, quando os soldados veem aquele colar, eles fazem vista grossa para mim. A estalagem agora virou uma zona neutra em Lumínia, e ali dentro alguém só é preso depois dos guardas me pedirem permissão.

O que eu sou, algum tipo de capitão, para me pedirem permissão?!

Em todo caso, ele não mentiu sobre o colar, é de fato um amuleto de proteção, só que o funcionamento é bem diferente.

Enquanto isso, Gris me observa, e parece que está esperando novas ordens. É, acho que virei um capitão do exército mesmo.

Porém, subitamente o silêncio é quebrado por Gris: — Sinto muito, Srta. Cintia, foi erro meu e não vou deixar se repetir.

— Quem te ensinou a falar isso?

— Não entendi.

— Quem ensinou você a assumir a culpa?

— Foi... o professor... me ensinou que um homem assume a responsabilidade pelos fracassos.

— Gris, sente-se naquele sofá, pois vamos conversar agora. — Aponto para o local e o menino segue minhas instruções, sem retrucar. — Você não é responsável por todos os erros do mundo. Você é uma criança e, mesmo que fosse adulto, não poderia assumir tanta responsabilidade, entende?

— Entendo, Srta. Cintia, mas eu não assumo responsabilidade pelos erros e sim pelos fracassos, porque o professor disse que todo mundo erra e é normal, mas tenho que assumir pelas falhas, assim posso melhorar.

— Tsk!

É difícil de argumentar contra isto.

— Seu raciocínio não está errado, Gris, mas suas premissas sim. Pois você é muito jovem para pensar desta forma. Prometa-me uma coisa agora: Jure para mim que não vai assumir a responsabilidade pelos erros dos outros, não até completar quinze anos e se tornar um adulto. Você deve ter uns doze agora, então são mais três anos.

— Srta. Cintia, o professor disse que eu já sou adulto.

Tsk! Eu disse para você me prometer. Faça agora! — digo isso enquanto me levanto do sofá que estou e aponto para o chão. Creio que perdi a calma ao ouvir a palavra professor novamente.

Gris está relutante, e ele não quer me prometer nada, pois sua lealdade ao V. é muito grande, mas ele vira seu rosto e olha para o amuleto que eu joguei no chão antes, só então ele responde:

— Sim, eu juro, Srta. Cintia. Não vou assumir o erro dos outros pelos próximos três anos.

Que inferno, sempre este inferno de amuleto! Mas ele prometeu e é o que importa. Estou mais calma agora, então me sento novamente.

— Mas, se você quer agir como adulto, eu vou lhe dizer como, portanto adultos não quebram promessas, e quanto a isso você já pode fazer a partir de agora. Não quebre suas promessas, entendeu?

— Entendi, Srta. Cintia. Eu prometo.

Ele é tão obediente, e fico feliz por ter cruzado seu caminho. Creio que se as pessoas erradas tivessem o encontrado, ele se tornaria cruel, não é mesmo, V.? É culpa sua e não dele, e você assumirá a responsabilidade por isto.

Entretanto, em que pese a conversa ter saído bem, agora eu sou tomada por uma sensação ruim. Por isto eu olho para a janela e vejo que as nuvens carregadas se formaram lá fora e venta forte, pois percebo as árvores balançarem e folhas voarem.

Está tudo cinza. Creio que irá chover.

 

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