A Voz das Estrelas Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 3 – Parte 3

Capítulo 71: Próxima Divergência

O ponteiro do relógio aproximava-se das primeiras horas da madrugada.

A distância entre o primeiro ponto de divergência — a universidade — até o segundo — o cemitério — não era tão grande.

Ao menos, não a pé.

Resiliência era mais do que necessária para aguentar a longa jornada de um local a outro.

Não tinham outra escolha, afinal, além do horário não permitir qualquer condução ativa, precisavam tomar cuidado com todas as ameaças possíveis.

Evitar a maioria dos civis era tarefa primordial para a sequência do objetivo.

Isso sem contar a dificuldade locomotiva do inválido rapaz, onde somente arranjariam dores de cabeça em transportá-lo com sua cadeira de rodas por ônibus ou táxis.

Pelo menos, enquanto pensavam nesses problemas, já tinham avançado metade do caminho. Helen ainda sentia as consequências da experiência anterior, o que trazia peso extra a suas pernas.

A dor causada por isso a fazia sentir que era questão de tempo até ser derrubada. Tudo que mais desejava era uma pausa, a fim de descansar e se livrar de tal agonia.

Bianca também apresentava sinais de exaustão. Continuava a conduzir a cadeira do marcado, que tinha pegado no sono há algum tempo, logo após os sinais da vivência anterior serem findados.

Podia contemplar, pelo canto de sua face tombada à esquerda, os olhos fechados e a boca levemente aberta.

Aquela imagem, de certo modo, a reconfortava a ponto de lhe arrancar um fraco sorriso.

Passou os delicados dedos em alguns de seus cachos somente para senti-lo presente, o quanto pudesse.

 A próxima a viajar às profundezas de sua mente deturpada seria ela. Não sabia se estava pronta para enfrentar aquilo. Porém não era momento para desistir acima de tudo.

Seguiria até o fim, por aquele que a salvou e protegeu durante tanto tempo.

Num compasso diferenciado, Lúcifer conduzia a longínqua caminhada.

Em intervalos bem definidos, sempre olhava de soslaio, no intuito de conferir o ritmo delas. E a cada nova olhadela, as via perder velocidade.

No fim, o desgaste prevaleceria. Exalou uma pesada lamentação, mas nada podia se fazer quanto àquilo.

Portanto, interrompeu o prosseguimento de súbito, o que trouxe certa dubiedade às meninas.

Atentas às largas costas do misterioso, acompanharam seu braço destro levantar-se de modo vagaroso, até direcionar o dedo indicador a um banco na proximidade.

— Descansem um pouco. — Deu meia-volta de novo. — Podemos continuar dentro de alguns minutos.

Tempo era precioso, de fato, mas de nada adiantaria contar com aquelas duas fadigadas.

Por isso, resolveu ceder por um curto período, o suficiente a favor de retomarem metade do vigor, no mínimo.

Sem pestanejar, as garotas trocaram olhares e assentiram com a cabeça.

A Marcada de Deneb aproximou a cadeira de rodas à frente do assento de madeira e sentou-se, acompanhada pela universitária, bem ao lado.

Enquanto isso, o líder do quarteto dirigiu-se ao poste mais próximo e encostou-se nele, de braços cruzados e rosto relaxado.

Um pouco mais sorridente após os eventos anteriores, Helen levou a palma sobre a mão do rapaz, repousada sobre o apoio lateral do assento.

Passou o polegar pelo dorso dele em movimentos repetitivos, um simples gesto de carinho que a fez ponderar em voz alta...

— Eu sempre guardei isso comigo, pois tinha medo de enfrentar... — Sua voz chamou o olhar da menina. — Por isso, o que aconteceu ainda pouco não sai de minha cabeça. Ainda é difícil de assimilar...

Bianca tornou a encarar a face adormecida do Marcado de Altair.

— O maninho me contou, uma vez... sobre esse dia. Foi também o dia que eu e ele nos conhecemos. — Os lábios arquearam para o alto, num sorriso delicado. — Mesmo comigo desesperada, consegui sentir a tristeza dele. Foi uma das únicas vezes que quase eu vi ele chorar...

— Sim. Não é do feitio dele... deixar esse tipo de emoção vir à tona. — Apertou um pouco mais a mão dele. — Foi o mesmo quando ele voltou, antes de tudo acontecer. Depois que seus pais faleceram no acidente.

Lúcifer abriu um dos olhos, no intuito de observar a conversa entre as parceiras do jovem adormecido.

Lembranças não muito agradáveis regressaram à mente de Bianca, onde o destaque das cenas em flash recaía sobre aquele que foi seu “primeiro irmão”.

Isso a fez cerrar os pequenos punhos sobre as pernas. As sobrancelhas arriaram, à medida que os cílios ganharam proximidade.

— Eu queria... pedir desculpa... — Agora, foi a atenção da mais velha que se voltou. — Essa tragédia que te fez sofrer tanto... que fez o maninho sofrer tanto... foi causada por meu outro irmão.

Helen não disse nada a princípio, bastante atenta à sequência de palavras embargadas da menina.

— Ele também era um marcado. Foi por causa dele que muita gente sofreu. — Pressionou os lábios, no desmoronamento da expressão radiante. Segurou o turbilhão de emoções como podia. — Depois que a mamãe se foi, ele cuidou de mim. Mas depois que a Mariazinha também se foi... as coisas mudaram. Ele nunca mais foi o mesmo. Eu tinha tanto medo... quando encontrei o maninho, foi como se eu tivesse encontrado uma luz de esperança. E mesmo assim...

Lágrimas começaram a nascer nas vistas extenuadas. Agora encontrava-se inapta a mascarar a tremulação na voz, no aflorar dos sentimentos que mais desejava conter.

Antes que pudesse continuar, sentiu-se envolvida por uma onda de calor repentino.

Demorou alguns segundos até assimilar o abraço recebido de Helen, com os braços envolta de seu pescoço. As palmas subiram ao rosto e lhe puxaram a deitar em seu peito.

— Norman também me contou um pouco. Você estava dormindo no colo dele, então nem conseguiria escutar — soltou uma fraca risada, antes de seguir: — Eu sei bem o quanto você passou para chegar até aqui. Não é justo ficarmos comparando nossos sofrimentos. Mas, de certa forma, é um alívio ter alguém ao seu lado que pode te entender e compartilhar a dor desse jeito.

— Helenzinha...

Pela posição, Bianca não conseguia levantar o rosto.

E mesmo assim, podia identificar nas palavras proferidas por ela, o mesmo peso que carregava desde o princípio de tudo.

— Ele salvou a nós duas. Por isso, vamos dar nosso melhor para retribuir o favor, está bem? — Fechou os olhos lentamente, durante o surgimento de ínfimas lágrimas no canto dos cílios.

A Marcada de Deneb assentiu e fez o mesmo, permitindo-se a descansar no afago da garota.

Agora era ela quem segurava a quente mão do rapaz, as palmas conectadas e os dedos quase entrelaçados.

Lúcifer continuou a encará-las, ciente de que deveria deixá-las sozinhas por mais algum tempo. O nascimento daquele assunto o pegou de surpresa, mas isso era positivo em perspectivas.

Desde que encontrassem tanta força quanto necessária para enfrentarem os próprios traumas e seguir em frente, o cenário pendia a favorecê-los.

Aquilo também entregava estímulos ao rapaz impotente. Mesmo adormecido, podia receber as emoções proliferadas por aquelas que lhe eram mais caras.

Em vista disso, não se importou em delongar acima do que havia estipulado para o descanso delas.

No entanto...

— Estamos bem. — Helen, mais uma vez de pé, ao lado da amiga, chamou sua atenção de volta. — Vamos continuar.

Um pouco surpreso pela resposta positiva de ambas, antes de sequer terem os minutos completados, o misterioso arqueou o torso esguio adiante.

Encarado com clara determinação exalada pelos olhares levemente avermelhados, decidiu aproveitar o momento inesperado.

— Vamos, então.

Deu a volta e liderou o caminho que precisavam percorrer até a nova área de divergência.

A partir desse ponto, sustentaram a mesma passada do homem, sem fraquejarem em nenhum segundo.

Bianca empenhou-se em depositar tanta força na condução da cadeira de rodas quanto na concentração pessoal, já preparada para enfrentar a mesma experiência de Helen.

Essa ainda sentia as pernas pesadas, mas com força de vontade redobrada, não permitiria que a deixassem para trás. Assim, se manteve no compasso até, enfim, chegarem ao cemitério.

A entrada estava fechada, mas Lúcifer fez parecer simples o arrombamento.

Com cuidado a fim de não chamar atenção, moveu a ala direita da estrutura de ferro, uma grade com setas pontiagudas no topo, justamente no intuito de evitar invasões.

Bianca e Helen trocaram olhares dúbios ao observarem a facilidade do guia em liberar o trajeto.

Logo foram chamadas por um gesto de queixo dele, então adentraram o local mórbido.

Só de avançar o primeiro passo na região, as duas experimentaram um calafrio intenso por toda a coluna.

— Ainda temos algum tempo até o começo do ritual — disse o líder. — Podem prestar seus respeitos enquanto isso.

Num primeiro momento, as duas não compreenderam muito bem o que ele queria transmitir daquela maneira.

No entanto, a ficha caiu e, sem a necessidade de respostas verbais, recomeçaram a caminhada pela faixa de terra que cortava todo o local.

Antes de acompanhá-las, Lúcifer encarou por cima do ombro, na direção de uma das árvores destacadas no outro lado da rua.

Resolveu fechar o portão e seguiu em frente, no alcance das meninas a fitarem todas as sequências de lápides posicionadas em ambas as laterais.

— Isso me lembra — proferiu Helen — que o Norman nunca veio visitar aqueles dois...

A Marcada de Deneb absteve-se de opinar a respeito. Somente acompanhou o caminho tomado pela companheira, até a primeira sequência de estelas marcadas.

A primeira a ser visitada foi a de Willian Anderson, a vítima inicial do grupo de amigos no massacre da universidade.

Precedente à prestação de qualquer súplica ao falecido, encararam os olhos opacos do Marcado de Altair mais uma vez abertos, fixados na pedra sobre a sepultura.

Contente em vê-lo acordado, embora sem reação alguma, a universitária assentiu consigo.

— Oi, Will. Olha só quem veio te visitar hoje. — Conforme murmurava, era observada de esguelha pela garotinha. — Faz um tempo que vocês não se veem, não é mesmo? Muita coisa aconteceu desde então...

E assim seguiu, semelhante a um longo monólogo que nem o vento cogitou se intrometer.

Bianca não deixou de fitar possíveis reações do garoto, preocupada com algum colapso semelhante ao do segundo encontro com o homem enigmático.

Nada ocorreu.

Partiram então à segunda lápide, essa que continha o nome de Hudson Coleman.

Na mesma entonação e com as mesmas palavras, a universitária refez a conversação solitária.

Mais uma vez, a face do jovem permaneceu imutável. Nem mesmo movimentos esporádicos das sobrancelhas, ou qualquer músculo facial, ocorreu.

Por um momento, ficou preocupada com a resposta da mediadora em relação a isso. Mas ela reagiu contente ao terminar o diálogo.

— Eles com certeza ficaram felizes com sua visita... — Fez carinho no cabelo do garoto, sem abandonar o sorriso satisfeito. — Me desculpe por tomar muito de seu tempo.

— N-não... imagina. — Bianca desviou a atenção, encabulada.

— Bom... — Espreguiçou os braços, antes de prosseguir: — Que tal irmos até eles agora? Faz tempo que não vem também, certo?

A menina, ao entender o significado daquela recomendação, assentiu com a cabeça uma única vez. Com certo receio, empurrou a cadeira de rodas de volta à trilha principal, no intuito de seguir rumo aos túmulos que já tinha visitado há três anos.

Levaram menos de um minuto para alcançarem as estelas paralelas, três ao total. Pela primeira vez, Norman apresentou alguma reação, remexendo as sobrancelhas e abrindo levemente a boca.

Nessa mesma proporção, as vistas, desprovidas de luminosidade, esgazearam. Os nomes de seus familiares pareciam reluzir.

Samantha — sua mãe —, Nicholas — seu pai — e Samuel Miller — seu irmão.

De repente, os globos bem abertos também cintilaram, de tão marejados perante aquela imagem.

As garotas observaram a ameaça de seu pranto, incapazes de definir alguma atitude cabível o suficiente para evitar alguma reação efusiva.

No entanto como se uma luz acendesse no fim do túnel de sua mente, a Marcada de Deneb tomou coragem para entoar:

— Me desculpa, maninho! Eu demorei pra te trazer aqui de novo! — Passou os dedos sobre os cachos emaranhados em sua cabeça. — Tenho certeza que ‘tava com saudade, mas fiquei com medo. Medo de alguma coisa ruim acontecer com você...

Helen observou a mediação adotada pela menina, sem proferir uma palavra em retorno.

De todo modo, foi uma tacada certeira a escolha dela. Aquilo, por si só, já servia como um grandioso estímulo na busca pelo regresso de sua lucidez mental.

— Eles estão aqui, maninho. — Também segurava a cálida sensação que subia sua face. — Tenho certeza... que ‘tão torcendo por você, onde quer que estejam...

Diante da vez dela, a jovem de emaranhados castanhos projetou um sorriso afável.

De maneira inconsciente, levou sua mão a tateá-lo no ombro, com a finalidade de também transmiti-lo sua força.

E então, o vento voltou a soprar, fazendo as mechas de seus cabelos dançarem unidos a um fino assobio.

A alguns metros recuado, Lúcifer aguardava a resolução do trio. Passados alguns minutos em completo silêncio naquela posição, decidiram regressar ao objetivo.

Norman virou o rosto, sem deixar de mirar as estelas que carregavam o nome de seus familiares.

Ele não chorou, mas, pela primeira vez, fez despertar um pingo de vida em meio a escuridão de cada íris esverdeada.

Só retornou com a cabeça de volta à orientação retilínea, quando reencontraram o homem soturno.

— Está tudo pronto — murmurou defronte a aproximação delas. — Degenerados dificilmente nos atrapalharão aqui. Porém, devemos acelerar o processo o quanto for possível. Está preparada, Cisne Branco?

— Sim. — Ela assentiu ao responder, recheada de determinação.

— Pois bem. Você conhece o procedimento.

Após engolir em seco, a menina largou as barras metálicas detrás do assento móvel e caminhou até ficar frente a frente com o garoto.

Respirou fundo, contou até três mentalmente e esticou o braço até que os dedos tocassem sua testa, abaixo da franja bagunçada.

Fechou os olhos e adentrou a própria absorção. O homem fez o mesmo, ficando entre ambos. O círculo de luz surgiu em poucos segundos, ao redor da dupla de contato.

Na mente da garota... tudo escureceu.

Os olhos verdes se abriram.

Rodeada pelo espaço desbotado, Bianca Doherty procurou por qualquer figura destoante.

Depois do insucesso na busca, percebeu que não havia terra onde pisar, embora estivesse erguida.

Também não existia horizonte, nem céu.

Tudo era branco e parecia se estender ao infinito.

No mínimo carregava o conhecimento transmitido por Helen, depois de sua vivência na universidade. Norman deveria estar ali, em algum lugar, e sua tarefa seria encontrá-lo.

Caminhou a passos curtos, sem relaxar as mãos apertadas contra o peito. Um zumbido estranho atormentava seus ouvidos, graças à quietude absoluta do ambiente vazio.

De súbito, uma tela estranha surgiu à sua frente, lhe interrompendo o avanço num salto assustado.

Encarou o único ponto de escuridão presente no local, enxergando o próprio reflexo na superfície de vidro.

Recheada de dubiedade quanto ao objeto estranho, cogitou tomar um desvio, no intuito de continuar em busca do Marcado de Altair.

Contudo, antes que pudesse recomeçar a solitária caminhada, o dispositivo ligou e começou a transmitir uma imagem peculiar.

Tratava-se de um cenário tão plácido quanto o qual se encontrava, porém que possuía diferentes cores e nuances.

O relvado oscilava com a força do vento, abaixo do céu ciano, repleto de nuvens do mais puro níveo.

Uma criança situava-se deitada sobre um pano xadrez, acompanhada de dois adultos.

A garotinha não precisou de muito a fim de identificar que, aquele menino, era a pessoa que tanto buscava dentro do subconsciente.

Opa, tudo bem? Muito obrigado por ler mais um capítulo de A Voz das Estrelas, espero que ainda esteja curtindo a leitura e a história! 

★ Antes de mais nada, considere favoritar a novel, pois isso ajuda imensamente a angariar mais leitores a ela. Também entre no grupo do whatsapp para estar sempre por dentro das novidades.
★ Caso queira ajudar essa história a crescer ainda mais, considere também apoiar o autor pelo link ou pela chave PIX: a916a50e-e171-4112-96a6-c627703cb045

CatarseInstagramTwitterGrupo

Apoie a Novel Mania

Chega de anúncios irritantes, agora a Novel Mania será mantida exclusivamente pelos leitores, ou seja, sem anúncios ou assinaturas pagas. Para continuarmos online e sem interrupções, precisamos do seu apoio! Sua contribuição nos ajuda a manter a qualidade e incentivar a equipe a continuar trazendos mais conteúdos.

Novas traduções

Novels originais

Experiência sem anúncios

Doar agora