Volume 3 – Parte 3
Capítulo 69: O Outro Caminho

Após tomarem a decisão definitiva, Helen e Bianca uniram-se para elaborar um farto almoço.
Embora dobrassem o trabalho no intuito de fazer bastante comida, conseguiram acelerar os processos por estarem juntas.
Dito isso, levaram menos de duas horas até aprontarem tudo.
Como haviam combinado, a menina deixou os toques finais nas mãos da parceira e foi averiguar a situação do Marcado de Altair.
Ele permanecia de olho na TV, sem piscar durante um bom tempo. Ainda assim, vê-lo acordado trazia uma dose de alívio.
Fez um rápido carinho na cabeça dele, como se fosse uma criança a ser mimada pela mãe.
Notou um singelo movimento de suas sobrancelhas, o que a pegou desprevenida por um instante.
Era a prova dos estímulos que ela jamais havia prestado atenção.
Porém, a surpresa rapidamente foi substituída por determinação. A resposta alcançada após dias de indagações deveria ser a correta. Por um bem maior, e não o de si própria.
“Logo isso vai acabar, maninho”, certificou-se de que estaria tudo bem para, então, acessar as escadarias até o andar superior.
Levou consigo a sacola que Helen trouxe, junto de um presente inusitado. A colocou sobre sua cama, abriu a gaveta e pegou uma roupa casual.
Dirigiu-se ao banheiro, tomou um bom banho e trocou-se para o almoço.
Com o cabelo branco amarrado em um úmido rabo de cavalo, pôs a blusa sem mangas de alças finas e a saia com babados na barra.
Guardou o pijama no cesto de roupas usadas e tornou a descer, revigorada com o ar fresco daquele início de tarde.
Foi o intervalo suficiente a favor do encerramento dos afazeres na cozinha.
Helen já estava preparada e, de igual modo, prontificou-se a descansar o rapaz na cadeira de rodas, a fim de conduzi-lo à mesa.
Assim que as duas se aproximaram da tábua retangular, sons opacos adentraram o recinto.
As duas trocaram olhares e assentiram em positivo, ao que a jovem prosseguiu para a cozinha e a pequena foi à porta.
Encarou pelo olho mágico e logo reconheceu a figura masculina, inconfundível com seu ondulado cabelo azul-escuro, da mesma tonalidade dos olhos semicobertos.
Destrancou a passagem e a abriu.
— Obrigada por aceitar nosso chamado. O almoço está pronto.
Diante de tais palavras, que misturavam soturnidade e respeito, Lúcifer sustentou o silêncio e somente aceitou o convite.
Deu seus primeiros passos dentro da casa, dessa vez pela entrada correta, e juntou-se ao trio anfitrião à mesa.
Diferente dos últimos dias, a Marcada de Deneb aparentava estar animada e comeu o dobro.
Helen lhe acompanhou, à medida que dividia as atenções no intuito de alimentar seu amigo.
O contraste entre as partes trazia certo desconforto ao homem. Não por achar aquilo excêntrico, muito pelo contrário.
A sensação nostálgica de outrora correu por seu peito, acelerando os próprios batimentos cardíacos.
Apesar disso, controlou-se a fim de esclarecer a maior dúvida que permeava sua cabeça.
— Poderia me dizer o que a levou a tomar esta decisão?
Ao ser questionada, Bianca o encarou de soslaio e terminou de puxar alguns fios de macarrão à boca.
Mastigou com calma, sem deixar de encarar as vistas escurecidas do convidado. Engoliu e tomou um gole do suco de laranja disposto no corpo de vidro.
Antes de oferecer a aguardada resposta, limpou o molho de tomate nos cantos dos lábios com um pano e respirou fundo, chamando a atenção da companheira em paralelo.
Comedida, entoou:
— Eu pensei bastante sobre isso... Sabe, no fim, aquela era só minha decisão. — Encarou o rapaz ao lado. Um fraco sorriso se formou em sua face. — Eu ‘tava tão desesperada e com medo... que não levei em consideração a decisão dele. Por todo esse tempo, me privei de ver e entender, porque também queria evitar essa dor. Não podia continuar prendendo ele assim, só por minha causa.
Lúcifer semicerrou as vistas e, na sequência do exemplo adiante, enrolou os fios de massa no garfo e levou-o até a boca com delicadeza.
Depois de mastigar tão lento quanto, engolir e tomar uma golada do líquido adocicado, prestou seu retorno:
— Como uma criança que entende muito bem o sofrimento, eu compreendo seus sentimentos. Você só queria protegê-lo, assim como ele te protegeu.
Um tanto encabulada, Bianca abaixou o rosto e tornou a comer.
“Mas para tomar tantas decisões difíceis e ainda pensar nas consequências e em sua própria culpa... É uma criança deveras impressionante”, guardou as considerações consigo, à medida que se aproximava de terminar a refeição.
O foco dirigiu-se ao Marcado de Altair, que era alimentado com cuidado por Helen.
Foi pego de surpresa ao constatar os olhos opacos direcionados a sua posição, como se soubesse que ele estava ali.
Ainda que tivesse adquirido um prognóstico quanto a seu estado mental, não fazia ideia sobre suas capacidades inconscientes até aquele ponto.
Contudo, podia reconhecer que era muito bem observado.
Nesse compasso, os quatro terminaram de comer. As garotas se propuseram a lavar a louça e arrumar a bagunça restante sobre mesa e fogão.
Norman foi levado de volta à sala para assistir televisão, observado nas minúcias pelo enigmático.
No instante que elas encerraram o serviço, uniram-se ao jovem, já dominado pelo sono pós-refeição.
Bianca sentou-se ao lado dele, no sofá maior, e trouxe cuidadosamente sua cabeça até seu ombro esquerdo.
Foi a deixa para, enfim, fechar os olhos e permitir ser abraçado pelo sono profundo.
Pelo contrário, Helen repousou na poltrona que ficava de frente para a dupla.
Com os braços descansados acima dos apoios laterais, exalou um suspiro de cansaço antes de erguer a faceta à orientação do convidado.
— Então, vamos esclarecer algumas coisas? — À resposta silenciosa dele, ela prosseguiu: — Primeiro, gostaria de saber como seria o processo de recuperação do Norman.
Lúcifer pareceu ponderar um pouco antes de revelar.
— Como já disse, utilizaremos de estímulos poderosos. Viver com vocês, próximas e queridas em sua concepção, o faz passar por diversos estímulos menores, como eu disse. Eles não são suficientes para recobrar sua consciência. — Levantou a palma esquerda, aberta como se agarrasse algo. — Ele precisa de incitações ainda mais intensas, relacionadas a suas experiências de vida. Só assim poderá retornar...
— Mas como poderíamos criar esses estímulos?
Dessa vez, o circunspecto levou mais tempo em silêncio. Desencostou-se da parede e descruzou os braços, adotando uma postura ereta.
— Um método possível seria encontrar outras pessoas com quem ele teve contato durante a Seleção Estelar. No entanto, poucas restaram além da Cisne Branco. Temos pouco tempo para caçar a minoria remanescente... — Cerrou os punhos ao lado das pernas, também chamando a atenção da menina. — Mas ainda há uma possibilidade. O outro caminho.
As duas engoliram em seco, na expectativa da elucidação que viria sobre o tal outro caminho.
Sem que pudessem esperar, acompanharam sua lenta caminhada até ficar frente a frente com os marcados no sofá maior.
Ao observá-los de cima, percebeu o nervosismo ainda crescente na pequena, que envolveu o braço pelas costas dele, numa posição protetora.
Prestou um aceno positivo com a cabeça e voltou a fitar a questionadora.
— Por terem acumulado três anos inteiros de pequenos estímulos, poderemos usufruir desse meio. Junto com vocês, devemos conduzi-lo a locais específicos que, no mínimo, lhe foram marcantes durante a seleção.
— Tipo quais? — Quem indagou foi Bianca, as sobrancelhas arriadas com apreensão.
Helen já podia pensar no primeiro lugar, afinal, a própria jamais poderia apagar das memórias o que ocorreu naquele dia em específico.
Ainda assim, lhe faltava a coragem de enunciar, o que a fez engolir as palavras presas na garganta apertada.
— Três locais são suficientes. Creio que sua amiga já tenha pensado em um...
Ao receber também a atenção da menina, a universitária sentiu um arrepio estranho percorrer sua espinha.
Não havia dúvidas quanto a opção inicial ser a universidade, onde a grande tragédia ocorreu há três anos.
Embora recuperada após diversos processos de reabilitação, o trauma mantinha-se vivo em seu coração. Teria que regressar até um lugar onde nunca mais pisou desde então.
Faria isso por seu amigo.
Com certeza também seria difícil para ele. Um legítimo tratamento de choque, responsável por despertá-la calafrios desagradáveis antes mesmo de concretizar o trajeto até lá.
— Sim... eu sei...
O murmúrio dela foi o suficiente em prol de conceber um novo clima de tensão no recinto.
A Marcada de Deneb chegou a reagir espantada, pois não se lembrava de alguma vez já ter visto a parceira contorcer a face — e o corpo — daquela maneira.
“Vai ser mais difícil que o esperado”, Lúcifer não desejava, mas compadeceu das emoções sustentadas pela garota.
Resolveu deixar isso de lado, no intuito de delegar sua atenção à marcada.
O segundo lugar deveria ser escolhido por ela que, ao perceber a indagação estampada em seu semblante, começou a resgatar todas as experiências compartilhadas com seu salvador.
Desde o encontro primordial em um beco escuro, onde foi abraçada pela primeira vez em muito tempo.
Talvez ali fosse a região decisiva, mas não imaginava que carregasse tantos estímulos conforme o necessário.
Pensou na mansão demolida, onde morou com sua falecida mãe e o Marcado de Regulus. Não configurava as necessidades propícias, visto que serviria mais como uma incitação pessoal ao invés de auxiliá-lo como deveria ser.
Em seguida, vieram as regiões do Sul, onde se estabeleceram durante todos os episódios que envolveram os escolhidos do Escorpião na floresta, as batalhas na igreja da Marcada de Capella e o conflito final no vale abandonado.
Tempo era precioso, portanto, configuraria um atraso ter que correr até tão longe, ainda mais sem a garantia absoluta de sucesso na tarefa.
Sem ter mais para onde recorrer, capturou uma lembrança singular, mas perfeita a favor da adaptação necessária.
— O cemitério... — A voz escapou rouca num primeiro momento, mas logo concretizou: — Onde os pais do maninho ‘tão enterrados. Ele me levou lá uma vez, antes de irmos com a maninha...
A própria Helen engoliu em seco, visto que também era o local onde Hudson e William, seus amigos mortos na universidade, também tinham sido sepultados.
— Pois bem. Então já temos todos.
— Espera... — A mais velha se livrou do baque e recobrou a fala. — Não decidimos o terceiro local.
— Não precisam se preocupar com isso. Eu já sei onde devemos ir depois de completarmos as duas primeiras passagens. — Caminhou vagarosamente até a cozinha, onde se sentou numa das cadeiras. Cruzou as pernas e relaxou o corpo ali, repousando o rosto sobre um dos punhos cerradpss. — De todo modo, recomendo que se preparem. Seria ótimo que iniciássemos durante esse anoitecer.
Ao quase conectar os cílios, seus globos de íris noturna moveram-se de esguelha, na vertente da porta principal daquela residência.
Nenhuma das anfitriãs percebeu, então somente adentraram um estado de introspecção ao receberem seu intuito.
A quietude retumbou sobre todos os cômodos, onde somente o barulho da TV influenciava os ouvidos absortos daqueles que, a partir de agora, teriam o destino do universo em mãos.

A tarde passou num flash.
Por conta da elevada ansiedade, Bianca Doherty foi incapaz de parar quieta na casa. Andava por todos os lados, conduzida pelo incômodo frio na barriga.
Quando o relógio bateu cinco e meia da tarde, respirou fundo e tratou de seguir os procedimentos determinados pelo homem misterioso.
Tomou um banho quente, com o intuito de diminuir a tensão. Penteou o cabelo de forma diferente, deixando os fios soltos caírem até o início das costas.
De volta ao quarto, optou por experimentar o vestido de ombro a ombro, o presente entregue por Helen mais cedo.
No fim, coube nela com perfeição. Encarou-se no espelho da escrivaninha, contente com o conforto proveniente de tal vestimenta.
Executou um rápido giro, fazendo a barra — que alcançava as coxas — levitar um pouco acima de seu limite.
Já tinha se decidido quanto a ir com ela à batalha mais importante dos últimos anos de paz. Tratou de comedir a respiração, através de arquejos delongados.
Levou a mão sobre o braço destro, onde a marca da constelação do Cisne residia.
O tecido claro cobria a configuração de pontos conectados, embora não estivesse ciente quanto a capacidade de ofuscar o cintilar do Áster.
Também pouco se importava. Àquela altura, não faria diferença caso fosse reconhecida ou causasse estranheza.
A prioridade era salvar o Marcado de Altair e, na sequência, o universo. Ainda era difícil acreditar naquele objetivo final, pegou-se a pensar.
“Está na hora...”, encarou o lado de fora, pela janela, em constatação do céu alaranjado.
Alguns pontos brilhantes, que ainda restavam daquela Era Degenerada, nasciam na iminência da escuridão noturna. A Lua em sua face minguante podia ser visualizada no topo da abóbada.
Definidos os preparativos, despediu-se do cômodo e dirigiu-se às escadarias, até alcançar o andar de baixo. Era ela que faltava, apenas.
Helen permaneceu com a mesma roupa e era a condutora das barras traseiras, incumbida de empurrar a cadeira de rodas do agasalhado Norman — para protegê-lo do frio, o vestiram com uma blusa de manga longa e calça jeans, bastante confortáveis.
Lúcifer já estava no lado de fora. De costas para a porta entreaberta, observava o céu com poucas nuvens.
As mechas do cabelo azul-escuro meneavam graças à brisa mais fria, que trazia consigo o aroma da noite.
A menina aproximou-se da dupla disposta à frente da saída.
— Estou pronta... — disse com a voz baixa, escondendo o nervosismo como podia.
— Muito bem. — O homem olhou por cima do ombro e acompanhou a saída das duas. — Como temos pouco tempo, faremos isto durante esta noite inteira. Precisamos acabar antes do amanhecer, então se esforcem para que possam aguentar.
— Eu vou aguentar — afirmou Bianca, seu tom de voz soou tão veemente comparado à constatação anterior. — Até o maninho acordar, não vou descansar.
— Idem. — Helen franziu a testa.
Envolvido pela seriedade — e seriedade — de ambas, o misterioso arriou as sobrancelhas.
“Você é sortudo por ter pessoas tão benevolentes com você”, guardou o comentário consigo, direcionando ao cadeirante uma encarada de canto.
No entanto, sua atenção logo foi puxada por um grunhido arranhado.
Também despertou uma leve agitação nas meninas, que jamais tinham escutado algo parecido — nem mesmo em animais.
Tão logo um ser estranho surgiu no meio da estrada. Antes que elas pudessem reagir, Lúcifer estendeu o braço esquerdo e avançou dois passos.
— Finalmente apareceram... — Entrefechou as vistas, num tom grave de alerta. — Fiquem aqui. Vou acabar com isso rápido.
— O que é isso!? — A universitária esbravejou por ambas, já que a criança ao lado se encontrava abismada.
— Um degenerado.
— Hã!?
Sem oferecer novas explicações, ele esperou pelo salto do ser irracional tomado por uma camada de trevas.
Somente levantou a palma esquerda e, ao esgazear as vistas, o empurrou de volta mediante uma poderosa pressão invisível, a ponto de originar um impacto de choque nos arredores.
Enquanto ele caía, o homem de coque recuou o membro superior e abriu a outra mão.
Uma esfera de luz surgiu, capaz de iluminar boa parte do quarteirão — em sobreposição às luzes fluorescentes dos postes já acesos.
— Pobre alma... — Sem pestanejar, saltou no intuito do contra-ataque e levou a energia luminosa até seu peito. — Que descanse em paz.
Assim que as energias entraram em contato, o gemido do degenerado ecoou pelo espaço, até que seu corpo foi dissipado como pó.
Foi tudo tão rápido, que as jovens mal conseguiram piscar. Tampouco notaram as próprias feições boquiabertas.
Lúcifer regressou ao asfalto e observou o vento levar as partículas enegrecidas.
Exalou um fraco suspiro e, ao girar o corpo de volta às duas, encontrou-as paralisadas como havia ordenado.
— É verdade... eu tinha esquecido de explicar isso... — murmurou consigo.
Só de pensar na nova necessidade de oferecer explicações, o cansaço lhe acometeu.
Não desejava perder mais tempo, portanto gesticulou com o rosto, pedindo para que elas o seguissem.
Ainda dúbias, trocaram olhares duradouros, a fim de encontrarem coragem uma na outra.
Sem ter mais o que fazer, trancaram a entrada da residência e atravessaram a passagem envolvida pelo relvado da calçada, em direção ao líder do trajeto.
Enquanto abriam distância, uma outra sombra se esgueirava pelo galho superior de uma das árvores adjacentes.
Sorridente de orelha a orelha, disparou uma fraca risada que fez os longos brincos perolados oscilarem.
— Esperei taaanto por esse momento... — Levou uma das mãos até a lateral da face. — Finalmente está voltando...
Conduziu-a até o curto cabelo ondulado, que o penteado literalmente concebia uma espécie de onda sobre a testa.
Os olhos, que pareciam faróis a brilharem na escuridão, não deixaram de observá-los...

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