A Voz das Estrelas Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 3 – Parte 3

Capítulo 68: Resistência

Tudo à sua frente encontrava-se turvo.

Do lado de fora, os sons o alcançavam com batidas profundas, como se afundasse num gélido oceano.

Nenhum dos sentidos corporais funcionava na plenitude. Assim ele se sentia preso por amarras invisíveis, física e mentalmente.

Enxergou borrões ofuscados por uma forte camada de escuridão.

Podia reconhecer as figuras adiante, porém não estava apto a processar alguma resposta concreta.

Somente afundava, mais e mais, prestes a alcançar o abissal e perder quaisquer chances de regresso.

No entanto, ao reconhecer a terceira silhueta, sucedida de um sonido mais impactante aos ouvidos conturbados, suas sobrancelhas se moveram.

Foi a deixa para que uma nova sensação congelante lhe tateasse, produzindo um efeito de intenso calafrio, jamais experimentado há tempo.

Para ele, aquilo durou horas de eternidade, tão arrastadas quanto os arrepios que lhe apossavam o corpo.

E tão duradouro foi o silêncio consequente, estado que já havia tomado para si com a progressão do tempo.

Mas foi nesse instante que algo mudou.

Os olhos esverdeados, opacos até a alma entorpecida, moveram-se vagarosamente à esquerda...

No momento que a resposta de Bianca Doherty ecoava pelo recinto iluminado.

— Me desculpa. Eu não posso aceitar.

O pranto tornou-se copioso, embora a voz soasse desprovida de embargos.

A taciturnidade retumbou, no compasso da forte brisa que invadiu o quarto, fazendo tanto as cortinas quanto fios de cabelo dançarem ao vento.

Helen elevou as sobrancelhas, levemente boquiaberta, e sequer notou isso, mesmo que esperasse algum retorno negativo da menina.

Lúcifer sustentou o semblante soturno, igualmente a par de todas as emoções incumbidas de dominá-la naquele cenário.

A primeira impressão entre ambos não tinha sido das melhores. Foi capaz de reverter a apresentação ruim através da conversa com a universitária.

Mas, de todo modo, carregava consigo a certeza de que a garotinha seria resiliente em sua decisão até o fim.

O mínimo possível foi estreitar as vistas que remetiam ao céu noturno.

Sem ter intenção de ameaçá-la, ou qualquer atitude relacionada, a encarou no rosto, encharcado pelos fios umedecidos a verterem dos globos cabisbaixos.

— Eu sei disso... — Estremeceu o corpo inteiro. — Sei que o maninho ainda ‘tá sofrendo... Também quero muito que ele volte. Mas...

Cerrou os punhos gentis com toda a força que possuía, para então levantar o rosto contorcido e desabafar:

— Eu não quero que ele passe por isso tudo de novo!! — Dessa vez, a entonação escapou trêmula, criando a combinação perfeita entre voz, feição e sentimentos. — Não posso aceitar... Não posso forçar ele a voltar por isso... Você não pode forçar ele a voltar por isso!

A cada elevação vocal da Marcada de Deneb, aos poucos mais sisuda comparada ao natural, o misterioso encarava a face do rapaz em estado vegetativo.

Percebeu que, agora, ambas as vistas, com íris desprovidas de luz, tinham se voltado à direção da menina.

Nenhuma das duas anfitriãs teve a mesma noção, portanto preferiu manter o silêncio, a fim de não agravar os problemas.

Contudo, a alva não proferiu mais uma palavra. Apenas afundou-se no amargor das lágrimas que predominaram a face enrubescida.

— Se essa é a decisão dela — proclamou Helen —, então eu a apoiarei, como disse antes. Por favor, não insista. Ela ainda está com medo... depois de tudo que passou, consigo entendê-la um pouco.

— Não se preocupem quanto a isso. ­— Ele deu a volta e, a passos curtos, passou ao lado da marcada. — Não forçarei, de forma alguma, a tomarem uma decisão que não desejam. Mas, ao menos, tenham uma coisa em mente...

Ele saltou à janela. As pernas flexionadas e a mão apoiada na lateral o sustentaram numa posição que remetia a uma figura de filmes e quadrinhos, bem conhecida pela dupla.

Por fim, virou o rosto por cima do ombro, sem abandonar a circunspecção. Foi desse modo que completou o recado derradeiro:

Não há outro caminho.

Respondido somente pelo soluço doloroso da menina, que sequer virou a atenção, saltou de onde tinha entrado e levou consigo a influência congelante do cômodo.

Sem ser visto por qualquer pessoa no quarteirão, aterrissou no solo gramado responsável por delimitar a distância entre as residências.

Delegou uma olhadela final à passagem utilizada. Não constatou alguma das garotas indo conferir sua queda, então nem teve pressa para sair dali.

E, embora desejasse fazê-lo, acabou impedido por um pressentimento que fez seu foco disparar à orientação da estrada principal.

Carregado de inquietação, avançou até a área tomada pelo sol. Conferiu a movimentação quase inexistente do lado de fora.

A quietude apresentava-se como a marca registrada da região, todavia lhe despertava certo incômodo.

Levou uma das mãos ao peito. Os olhos relaxaram juntos ao rosto, inclinado a encarar os próprios pés. Já havia vivenciado isso há muito tempo, pensou consigo.

A nostalgia voltou tão pungente como um soco na boca do estômago. Ao mesmo tempo, o temor rebatia as emoções, lhe chacoalhando o interior.

Foi a partir mistura de sensações que passeou com o rosto até a vertente da entrada daquela casa.

As sobrancelhas arriaram ainda mais, a ponto de quase fazer seus cílios se conectarem.

Os emaranhados fios azul-escuros ondularam na direção equivalente. Os globos congelantes fixaram na imagem a seguir, que só poderia ser encontrada por si.

— Está arrependida? — mussitou na direção do vento, incumbido de carregar as palavras até o espectro alvo. — Era exatamente isso que você almejava? Se fosse... não deveria se preocupar com nada mais além disso, não concorda?

A figura feminina não respondeu verbal, visual ou corporalmente. Apenas manteve a cabeça arriada, de modo que a franja do cabelo branco cobrisse as vistas por inteiro.

A boca, era delineada em uma tênue curvatura inferior, o bastante em prol de destacar sua feição circunspecta.

E assim permaneceram, durante o pedaço de tempo que ninguém mais tinha a capacidade de comprovar.

A exceção à regra vinha do cômodo de onde tinha acabado de sair.

De súbito, à medida que Helen consolava a Marcada de Deneb em prantos, as vistas entrefechadas do rapaz incapacitado quase saltaram do rosto de tanto que se arregalaram.

Seus lábios se afastaram de forma vagarosa, soltando um intenso gemido. As duas se assustaram e, logo ao corrupiarem a atenção a ele, receberam o choque de vê-lo levantar o braço esquerdo.

Estremecia intensamente os dedos esticados, que pareciam almejar algo no teto.

A respiração arfante arranhava seu peito. Suor frio tomou conta do rosto desbotado, enquanto os tremores acentuados se espalharam pelo restante dos membros.

E foi assim que sua face se contorceu em agonia, onde os supercílios se contraíram e os lábios afundaram nos dentes.

O som das lamentações indecifráveis cresceu, a ponto de tomar o cômodo inteiro.

Quando ninguém esperava, a segunda reação extraordinária ocorreu; o torso dele se ergueu, até ficar sentado no colchão.

O braço permaneceu retilíneo, a vontade de alcançar o invisível se fortificiou.

As garotas pegaram-se imóveis durante o episódio, dominadas por um misto de ansiedade e assombro incomuns.

Desejavam gritar energicamente, mas as vozes entalaram em suas gargantas. Só puderam acompanhar a sequência lancinante, na qual o rapaz moveu-se à direita e caiu da cama.

Ambas, afinal, empurraram o brado para fora.

Correram quase que grudadas até encontrarem-no, de bruços sobre o piso de madeira.

Com o queixo apoiado no plano, voltou a relaxar os globos oculares, embora sem deixar de retesar o braço trêmulo.

Envolvendo-as através dos débeis chiados dominados de melancolia, tentou se arrastar com as pernas flexionadas. Contemplá-lo daquele jeito foi pesado demais para as duas.

Se antes conseguia comedir com sucesso as emoções variadas, dessa vez Helen não pôde segurar o choro que subiu a face num turbilhão.

Levou as mãos à frente da boca e só deixou que os fios líquidos escorressem como cachoeiras pelo rosto ruborizado.

— Maninho... — Bianca tentou engolir, mas a lacrimação piorou.

Quase que imóvel, travado pela insólita dor que palpitava em seu peito, avançou poucos passos em direção ao marcado infeliz.

A cada passada, parecia que o quarto se tornava tão extenso quanto o normal. As pernas ganharam pesos invisíveis e por pouco não sucumbiram.

Ela aguentou o quanto pôde até alcançá-lo. Levou a mão direita a tatear seu ombro, o fazendo interromper o arraste involuntário.

Ao sentir aquele calor, Norman relaxou por inteiro; os olhos tornaram a semicerrar, a boca se fechou e cessou os gemidos, e as pernas descansaram no chão.

E, ao tocá-lo, Bianca pareceu compreender algo muito além do que poderia imaginar.

Estava tudo ali. Nas lágrimas que, agora, manavam dos olhos perdidos do garoto, na dolorosa prisão do vazio.

Mordeu o lábio inferior, até quase criar um corte sangrento na carne. Seria o melhor momento em prol de explodir tudo que guardava no coração há tanto tempo.

Contudo, optou por manter aqueles demônios consigo. Norman não merecia recebê-los. Não naquele estado.

Helen tomou coragem e se aproximou da dupla. Levou uma das mãos até as costas da garota no intuito de consolá-la, e depois executou o mesmo gesto no dorso do amigo.

— Ele já foi embora... — disse, entrecortada pelos soluços. Bianca a encarou, incerta quanto a suas pretensões. — Não se preocupa, Norman... O moço estranho já foi embora... Nós estamos bem.

Prestou-se a acariciá-lo dali.

Foi assim que a Marcada de Deneb pôde compreender, mediante um gesto positivo com a cabeça.

Ela o abraçou na altura do pescoço e afundou o rosto choroso em sua nuca, sem se importar com as leves cócegas que seus cachos pontudos causavam na pele.

As duas ficaram ali, em desprezo ao avanço do tempo. A única coisa que se apegaram a pensar era o desejo de o proteger.

Pouco importava o destino do universo ou de qualquer outra pessoa. Elas não abririam mão daqueles momentos preciosos.

Esse era o fardo que deveriam carregar.

Mais um amanhecer acordava Bianca Doherty em sua cama, afastada da janela entreaberta.

Descabelada, levantou os fios que caíam à frente das vistas e exalou um demorado bocejo.

Esfregou os olhos de remela, até se acostumar com a claridade predominante no recinto.

Bem ao lado, encontrou o móvel maior, onde Norman ainda dormia.

Era inevitável; sempre ao encará-lo daquele jeito, remetia o ocorrido de dois dias atrás. Em todos os anos naquele estado vegetativo, jamais havia passado por tamanha experiência.

Continuou a tremular, amedrontada com o futuro.

Inteirada na própria introspecção, ponderou quanto à escolha entregue ao homem autoproclamado Lúcifer. Já questionava consigo se aquela era realmente a escolha correta.

Tinha total certeza, pelo menos até contemplar o Marcado de Altair...

“Chorando...”, a imagem das lágrimas caindo das vistas dele regressaram, marcadas em suas memórias como se fosse brasa no metal.

No fim, restou o lamento.

Quanto mais os dias passavam, mais o universo se encontrava próximo do fim — ainda faltava isso, outro motivo para lhe tirar o sono com prazer.

Após superar a onda de concepções matutinas, levantou-se da cama e arrumou o lençol. Decidiu deixar o garoto dormir mais um pouco.

Somente levantou sua franja cacheada e lhe deu um beijo na testa. Encerrado o primeiro bom dia, girou-se e avançou até o corredor principal.

Desceu as escadas, foi ao banheiro e lavou o rosto. À sua frente, o reflexo no espelho destacava as olheiras fundas.

“Força, Bianca...”, deu dois tapas nas próprias bochechas, para despertar de vez. Deixou a toalete e foi à cozinha, determinada a preparar o melhor café da manhã possível.

Passados alguns minutos, escutou o bater da porta e, um pouco preocupada, interrompeu os afazeres a fim de ir atender.

Encarou pelo olho mágico e constatou a presença de Helen, que acenou com a mão esquerda. Destrancou a entrada e a abriu, liberando a passagem a favor da garota.

— Bom dia, Bianquinha! — entoou num timbre bem-aventurado. — Acordou agora? Desculpe vir tão cedo...

— N-não, imagina...

A menina sentiu-se um pouco constrangida com o contraste entre ambas; enquanto utilizava ainda seu pijama de dormir, a mais velha apresentava-se bem arrumada com um curto vestido ombro a ombro.

No braço esquerdo, carregava uma sacola de loja, algo que também puxou sua atenção. Quando notou o foco dela, a jovem a ergueu.

— Eu trouxe um presentinho para você. — Retirou um vestido de dentro, idêntico ao que utilizava, embora possuísse uma pequena diferença. — Tcharam! Achei que ia gostar de uma cor mais clarinha, então optei por essa!

— Ah... obrigada. Não precisava... — Apanhou a vestimenta, a colocando à frente do corpo para experimentar com os olhos.

— Está tudo bem. Não foi tão cara assim, vi em promoção e quis comprar. Sabe que eu gosto de você. — Caminhou, por fim, para o interior da sala de estar. — Quer ajuda com o café?

— Não, já ‘tô terminando.

— Hm... Então, quando acabar, pode ir experimentar o vestido. Eu trago o Norman para baixo, e...

— Helenzinha. — O tom soturno da garota a interrompeu, deliberando um clima mais pesado ao ambiente. Após alguns segundos taciturna, levantou a face e a encarou. — Preciso falar com você. Depois do nosso café...

Passado o baque inicial daquele convite, Helen assentiu em silêncio.

Dito isso, Bianca deixou a bolsa com o vestido sobre o sofá e regressou à cozinha, no intuito de terminar o pouco que restava.

Embora ciente de que dava conta de tudo sozinha, recebeu a ajuda da parceira para arrumar a mesa.

Com tudo preparado, nos devidos conformes, seguiu o caminho contrário ao indicado por ela e subiu as escadarias.

Abriu a porta do quarto. Lá estava o Marcado de Altair, mais uma vez sentado na cama e com olhos direcionados ao lado de fora, pela janela.

Engoliu em seco antes de se aproximar dele, com cuidado. Sem sequer ser percebida ali, direcionou o foco à paisagem contemplada pelos olhos desprovidos de luminescência.

Fitou o mesmo casal de passarinhos sobre um cabo da fiação entre os postes mais próximos.

Mais um sinal que, até então, encontrava-se fora do alcance de sua concepção. Ou, talvez, ela só desejasse não entender, guardando dentro do peito uma falsa ingenuidade.

Pensar nisso só lhe traria novas doses de desconforto. Portanto, optou por ir até o rapaz e o colocou nas costas, em prol de descê-lo para o café da manhã.

Helen os recebeu sorridente e tratou de começar a servir a refeição do rapaz, já posicionado na cadeira de rodas.

As duas sentaram-se à mesa e, sem proferirem qualquer palavra, também se alimentaram.

A Marcada de Deneb levou algum tempo para comer o pouco que tinha adquirido das opções feitas pelas próprias mãos.

Depois de finalizarem o desjejum, colocaram o garoto para ver televisão na sala e dividiram a louça e a arrumação do recinto.

Necessitaram de poucos minutos a favor de complementar o serviço, visto a velocidade dobrada que a combinação impunha.

Feito isso, restava algum período até a chegada da hora do almoço. Era o suficiente para que as duas pudessem, enfim, prosseguir com o combinado.

— Então... sobre o que deseja falar? — Helen sentou-se à mesa da cozinha, defronte a rota que a permitia enxergar o amigo na sala.

Bianca a acompanhou, mediante um forte suspiro. Demorou até encontrar a coragem necessária, a favor de expor todos os pensamentos acumulados nos dias que se passaram.

Ao cerrar os punhos sobre o móvel de madeira, empurrou a voz, ainda dotada de certo receio:

— Eu mudei de ideia.

— Sobre o quê?

— A proposta daquela pessoa... — Abaixou o olhar, antes de dar procedência: — Claro que não quero que o maninho sofra mais, só que... ainda sinto falta dele.

— Eu também. E imaginei que você falaria isso. Mas de qualquer forma, quero saber... — Estreitou as vistas, arqueando um pouco do torso à frente. — O que realmente te fez mudar de ideia?

Bianca refugou por um instante.

Não para pensar na resposta que ofereceria, mas sim para formular a melhor maneira de transmiti-la à garota.

Depois de ponderar bastante, sem ser apressada pela questionadora, ergueu o rosto de novo.

Os olhos esverdeados, tão resolutos quanto no ato da primeira decisão delegada ao homem misterioso, a fitaram no centro das pupilas contraídas.

— Porque eu entendi o motivo... de ele ter chorado antes de ontem. — Executou uma rápida pausa de apreensão. — Ele quer encontrar a maninha... mais uma vez.

Diante da elucidação, Helen arregalou os globos oculares, em simultâneo à aguda ascendência dos supercílios.

As rodas do destino voltavam a girar, no meio do caminho para o fim do universo.

Opa, tudo bem? Muito obrigado por ler mais um capítulo de A Voz das Estrelas, espero que ainda esteja curtindo a leitura e a história! 

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