Volume 2

Capítulo 112: INTERLÚDIO: O REINO QUE FLUTUAVA

Longe da vasta extensão de areia sobre o Reino de Troas, da Terra Morta e do Império de Abeeku, havia uma vista linda e bruxuleante, destoando de tudo visto no Plano Inferior até agora. 

O céu de Naar-Ethriel amanhecia em roxo profundo, quase líquido, como um véu celestial derramado sobre o mundo. Era sempre assim. O povo dizia que não havia “amanhã” no reino, apenas variações da eternidade. 

Era um reino suspenso, enraizado em imensas pedras flutuantes que se conectavam umas às outras por pontes cintilantes, feitas de minerais que reagiam ao vento. Cada ilha menor girava vagarosamente ao redor da central, como luas dóceis orbitando uma mãe paciente. Suas pontes curvas conectavam essas ilhas feito arcos de cristal sustentando notas de uma música que nunca acaba. 

As águas que corriam das bordas caíam em rios verticais, dissolvendo-se no ar antes de tocar o chão muito abaixo. Nenhuma tempestade jamais alcançava Naar-Ethriel. Nenhuma guerra jamais subira tão alto. 

Seu povo era alvo como marfim, feições que refletiam nuances do céu, tão marcantes e simétricas, como se cada rosto tivesse sido talhado pela precisão dos antigos artesãos, afiados e belos, tão marcados quanto uma estátua esculpida sob paciência divina. 

Seus olhos, que variavam entre âmbar, violeta e ouro, refletiam a cor do céu roxo por vezes. Era a marca clara daqueles que viviam perto do firmamento. 

Era um povo de mente avançada e vida harmoniosa. Se deslocavam suavemente, o próprio ar parecia conduzi-los. Estudavam, cultivavam, criavam arte. Nada ali lembrava guerra, nem dor, nem pressa. Pois viviam como quem sabe que nasceu em um lugar protegido do mundo, sendo intocáveis. 

Naar-Ethriel vivia como um sussurro entre as nuvens. 

Naquele dia, como todos, o vento era suave e perfumado de flores luminosas que nasciam apenas ali, nas quinas das ilhas. 

Uma casa com varandas curvas flutuava levemente acima de um jardim suspenso. Crianças riam enquanto soltavam peixes voadores que cintilavam no vento. Uma mãe tecia uma manta luminescente, e um ancião observava o horizonte, onde auroras lilases se desfaziam em poeira brilhante. 

Velhos meditavam de olhos fechados, sentados diante do grande cristal suspenso no centro da capital, Lâmina Celeste, coração energético do reino. 

Era o lugar mais tranquilo de Atom. Um lugar incapaz de imaginar o terror. Era uma vida calma, elevada e incompreensivelmente pura. 

Até que o vento soprou ao contrário. 

Foi pouco, apenas um desvio sutil nas correntes que sustentavam as ilhas. O ancião franziu o cenho. As mães olharam para o céu. As crianças sentiram um arrepio surgir sem motivo. Um pássaro de cristal — comum naquela altitude — virou bruscamente no ar e fugiu. 

Uma sombra vertical rasgou o céu. Não uma nuvem. Não um pássaro. 

Foi uma linha, reta, perfeita e impossível. Desabou do alto como se o céu tivesse sido cortado por dentro. 

Então veio a luz. Não era um clarão, tampouco um raio, muito menos fogo. Era… uma auréola. Perfeita, circular. Descendo lentamente o céu roxo, com a maciez de um floco de neve tocando a palma da mão. 

Uma figura surgiu em seu centro. Era imponente, sem pressa, flutuando como quem apenas caminha por degraus invisíveis. 

Os sinos não tocaram. Os guardas não reagiram. Ninguém nunca tinha visto alguém subir… tão alto. 

O homem desceu em um espectro de pureza. Não houve barulho. Não havia vento. Apenas o som distante, e falso, de algo parecido com sinos. 

Quando seus pés tocaram o platô central, um silêncio sufocante tomou todo o reino, pois sua figura foi vista por toda a vasta extensão de Naar-Ethriel, não ficando despercebida por um segundo sequer. 

O sujeito tocou a superfície da ilha como se fosse leve demais para deixar pegadas. Um arco pendia em suas mãos, mas ele não o tencionava. Não era preciso. Uma coroa dourada repousava sobre seus cabelos pálidos feito palha seca, e seu rosto era sereno, quase dócil demais, como alguém que desconhece urgência. 

Sua presença fez com que todo mundo respirasse mais fundo, finalmente encontrando paz.

Uma paz diferente daquela que conheciam antes daquele dia e momento. 

Abohon-sur ergueu o rosto para o povo e sorriu com gentileza. Um sorriso lindo. 

Um sorriso assassino. 

A auréola se expandiu um pouco mais. Ninguém percebeu que, ao fazer isso, finíssimas flechas invisíveis saíram dela como minúsculos fios de vidro — tão rápidos e sutis que distorciam o ar. 

O primeiro a cair foi um pescador nas margens superiores. Ele simplesmente tombou, como se tivesse dormido em pé. A mãe que tecia caiu com a mesma suavidade. Uma criança desabou nos braços de outra. Os pássaros de cristal explodiram em mil fragmentos, caindo como gotas de chuva invertida. 

Nenhum sangue, nenhum grito. 

Apenas corpos repousando como se fossem pétalas abandonadas pelo vento. 

Abohon-sur caminhou em direção ao centro da praça. Ao redor dele, as pedras flutuantes começaram a tremular com uma luz tênue, sua aura se infiltrando nas estruturas do reino. 

As pessoas tentaram correr. Mas suas pernas falharam. 

Havia uma sensação calorosa, reconfortante, quase agradável. Um torpor que as entregava. Uma falsa certeza de vitória, de descanso, de que tudo estava bem. 

Abohon abriu os braços. Auréolas adicionais surgiram atrás dele, como halos dobrados uns sobre os outros. Três, quatro, cinco… cada uma pulsando em intervalos suaves. 

A cada pulso, mais corpos caíam. A cada pulso, mais mentes se rendiam. 

O chão começou a rachar em fractais perfeitos.

As pontes flutuantes quebraram como vidro fino, desmoronando em silêncio absoluto. Jardins suspensos caíram em espirais lentas, o próprio reino se desfazendo numa coreografia celestial. 

O céu roxo refletiu a luz dourada da auréola, e pela primeira vez em séculos, pareceu que Naar-Ethriel sangrava. 

Abohon-sur finalmente tencionou seu arco, puxando a corda, sem flecha alguma. Mesmo assim, o ar tremeu. 

A ilusão de paz se intensificou. Uma flecha invisível disparou. 

A maior ilha flutuante, a capital luminosa Lâmina Celeste, foi atravessada por algo que ninguém podia ver. O impacto não produziu som. 

Mas a ilha partiu ao meio. 

Lentamente. Belissimamente. Como se estivesse apenas seguindo o rumo natural das coisas. 

Pessoas caíram, casas caíram, templos antigos e pagodas imponentes se desintegraram em poeira prateada. 

Abohon observou a queda completa com a mesma delicadeza com que alguém observa o sol se pôr. 

Quando tudo terminou, quando as pedras flutuantes se despedaçaram em milhões de cacos suspensos no céu roxo, um vento suave soprou, devolvendo o silêncio. 

A auréola final se apagou. 

Abohon-sur, o Rei do Vidoeiro, baixou o arco. Seu sorriso diminuiu apenas um pouco. 

— Senti falta disso — murmurou, a voz rouca e gentil. 

E, antes de desaparecer, acrescentou em um sussurro: 

— Papai ficará satisfeito. 

A poeira roxa levou embora os últimos murmúrios do reino que existia por eras… destruído em questão de minutos. 

Atom perdera mais um pilar. 

E ninguém, exceto os Quatro Reis… e seu imperador… saberia que aquilo era apenas o começo.

 

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