Volume 1
Capítulo 3 — O Céu Que Se Fechou — Parte 1
A estrada da vila parecia outro mundo.
As ruas se cobriam de pétalas e fitas coloridas penduradas entre as janelas. Crianças corriam com laços mágicos nos pulsos, deixando rastros de luz no ar.
O cheiro de mel, pão fresco e maçã cozida se misturava ao som de tambores e violinos. As vozes se cruzavam num murmúrio alegre — o tipo de ruído que só existe quando todos, por um instante, acreditam na mesma coisa.
Glenn caminhava devagar.
Observava as barracas cheias de doces, os vendedores oferecendo flores, as velas acesas diante da igreja. As cores dançavam nos reflexos das poças deixadas pela chuva da noite anterior.
— É bom ver todo mundo feliz assim… — murmurou, com um meio sorriso.
Mas o vento mudou.
De leve, no começo. Um sopro vindo do alto, tão frio que arrepiou a pele. As fitas penduradas se agitaram, os sinos da torre balançaram sem que ninguém os tocasse. E o riso das pessoas... se perdeu.
Algo no ar pesou. Um silêncio caiu, denso, como se o mundo inteiro tivesse prendido o fôlego.
Glenn levantou o rosto. O céu começou a perder o brilho. Não por nuvens. Nem por chuva.
Mas por algo que se movia lá em cima — vasto demais para ser real.
A sombra se espalhou devagar, cobrindo casas, telhados e ruas. O calor do sol desapareceu, substituído por uma penumbra que parecia respirar.
E então, todos viram.
A ilha.
Ela flutuava.
Gigante. Silenciosa. Inexplicável. Como um fragmento arrancado do próprio firmamento. No centro da massa suspensa, erguia-se um castelo. Torres de ouro e mármore branco reluziam como lâminas contra o céu.
Era como olhar para o sol e para uma ferida ao mesmo tempo. Tão belo que doía. Tão distante que parecia zombar do mundo abaixo.
As pessoas pararam. O tempo parou com elas. As flautas emudeceram, os passos cessaram, e o único som que restou foi o do vento.
— Papai… aquilo é de verdade? — perguntou uma criança, a voz pequena no meio do silêncio.
O homem se abaixou, sem tirar os olhos do alto.
— É o castelo de Aldebaran, filha. — disse, num tom quase de oração. — Onde vive o rei dos céus.
Glenn manteve o olhar preso naquilo, sem piscar. A luz dourada que emanava das torres parecia dissolver o ar.
"Sim, e todo esse evento é para ele...."
"Pra esse homem que nem precisa descer até aqui."
A sombra da ilha alcançava os limites da vila, tingindo tudo com uma penumbra dourada. Ao redor, os rostos se voltavam para o céu, olhos brilhando, bocas entreabertas — como se tivessem testemunhado um milagre.
Glenn permaneceu imóvel.
O brilho das torres lá no alto não o tocava. Não havia calor, nem encanto. Aquela beleza só acentuava o abismo.
Mesmo cercado de gente, o mundo parecia distante. E ele, pequeno demais para ser visto dali.
Glenn mal sentia os passos.
A estrada de terra ficou para trás, e ele emergiu no coração da vila, onde tudo parecia vivo demais. Bandeiras coloridas tremulavam como fadas sobre as ruas; a brisa trazia o perfume de flores e especiarias, e pequenos cristais de luz mágica flutuavam no ar como vaga-lumes presos num sonho. O som das flautas se misturava às vozes, às risadas, ao tilintar de taças.
Mas, pra Glenn, tudo isso era ruído.
Ele empurrava o corpo pra frente, desviando das pessoas, do calor, das cores. Não pensava, só andava — rápido, decidido, sem direção clara.
"Merda... eu só corri."
O pensamento veio como um tropeço.
"Nem pensei no que diria."
O peito ardia. O ar parecia pouco.
"E se o Louis já tiver se confessado?"
A garganta fechou. O riso de alguém ao lado soou distante, como um som embaixo d’água.
"E se eu tiver vindo só pra... ver?"
"Pra saber se dói tanto quanto eu imagino."
Parou por um instante. O coração batia como se quisesse romper a pele. A mão foi instintivamente até o maxilar, tenso.
"Não. Que se dane."
"Eu sei o que tenho que fazer."
O vento soprou, levantava as fitas douradas que decoravam a praça, espalhando o brilho das velas mágicas em mil pontos de luz.
Glenn ergueu o olhar, os olhos varrendo a multidão.
E então viu:
Um lampejo de dourado entre o movimento das pessoas.
Os cabelos loiros, soltos, iluminados pelo reflexo das lanternas. O azul do vestido escorria como líquido, moldado pelo compasso suave de cada passo.
Por um instante, o mundo parou. O som da música, o burburinho da multidão, o vento — tudo pareceu se dissolver.
Glenn deu um passo — involuntário, instintivo — e parou. Ela não estava sozinha.
Louis estava com ela.
A espada repousava na bainha, mas o peso no olhar dele era o de quem estava prestes a travar uma batalha. Ellie sorria — um sorriso doce, cortês… mas não inteiro. De vez em quando, seus olhos varriam a multidão, procuravam algo.
Ou alguém.
Glenn deu um passo. E outro. O som das vozes, da música, do vento — tudo se misturava, mas não chegava até ele.
Cada batida do coração o empurrava pra frente. Cada respiração o fazia querer recuar.
Quando percebeu, já estava perto demais.
O suficiente para ouvir.
— Ellie... — a voz de Louis saiu trêmula, sincera. — Eu preciso dizer uma coisa.
Glenn se escondeu atrás de uma barraca de doces. O cheiro de açúcar queimado e frutas cristalizadas grudou na garganta.
O vendedor o olhou confuso. Glenn só balançou a cabeça — não agora.
Louis respirou fundo e prendeu o ar, como quem se prepara para um mergulho.
— Eu esperei muito pra dizer isso. — A mão dele buscou a dela, com cuidado, medo e esperança. — Eu gosto de você. Desde que me entendo por gente. Você sempre esteve lá… e eu… — Ele engoliu seco. — Eu não quero mais fingir que não está.
Ellie o olhava em silêncio. O vento brincava com uma mecha solta do cabelo dela.
Louis continuou:
— Você é forte. É gentil. É… — sorriu nervoso — é o tipo de pessoa que faz o resto do mundo parecer menor.
O tempo parou.
O som da praça, os risos, as músicas, tudo se afastou como se o ar tivesse medo de tocar naquele momento.
Glenn fechou os olhos. O peito dele ardia, mas não sabia por quê.
Só sentia — o peso, a espera, o medo do que viria.
Ellie baixou o olhar, demorando um segundo longo demais para responder.
— Louis...
A forma como ela disse o nome já bastava.
Doçura demais, pena demais.
— Você é muito importante pra mim. — disse, com a voz delicada. — Sempre foi.
Ela levantou o rosto, e o sorriso era pequeno, triste.
— Mas não assim.
O som que se seguiu não veio do mundo — veio do silêncio.
Um silêncio que rasgava.
Glenn abriu os olhos.
Louis ficou parado, a mão ainda suspensa, o olhar perdido em algum lugar que ninguém podia alcançar. Ellie deu um passo à frente, como se quisesse consertar o que acabou de quebrar — e não soubesse como.
E então, por reflexo, ela olhou.
Direto na direção onde Glenn estava. Atrás da barraca. Entre as fitas coloridas e o cheiro doce do mel.
Os olhos deles se encontraram.
Por um instante, o mundo voltou a ter som. Mas não era música — era o vento que cruzava entre os dois, levando consigo o que não podia ser dito.
Nem ela desviou. Nem ele.
Louis tentou sorrir.
Foi um gesto breve, sem força o bastante pra alcançar os olhos.
Ellie deu um passo. Depois outro.
E o abraçou.
O toque dela parecia pedir desculpas. Não com palavras, mas com o jeito hesitante de quem quer ficar… e precisa ir.
Louis fechou os olhos. O tempo parou por um instante — só o suficiente pro vento sussurrar entre eles e levar o momento embora.
Quando Ellie se afastou, o sorriso ainda estava nos lábios. Mas o olhar… o olhar já procurava em outro lugar.
E encontrou.
Glenn. Imóvel, entre sombra e luz, como se o mundo tivesse esquecido dele ali.
Ela o fitou por um segundo que durou demais. Depois virou o rosto.
Sumiu entre o som dos bardos e o brilho das lanternas, que tremulavam como corações indecisos no ar.
Glenn não se moveu. O ar parecia denso demais pra respirar. As pernas, presas. A mente, em branco.
“Ela não gosta dele…” — o pensamento veio, confuso, quase incrédulo. — “…Será que de mim?”
O corpo queria correr atrás dela. As pernas não obedeciam.
O coração latejava como se quisesse fugir do peito. E no meio daquele turbilhão, uma sensação estranha o atravessou — seca, desconfortável.
Inveja.
Não pela rejeição de Louis. Mas por ele ter tido coragem. Por ter tentado.
Glenn olhou pro primo.
Louis continuava ali, parado, o olhar perdido. O corpo curvado, os ombros pesando. Parecia menor. Um garoto que, por um instante, acreditou ser herói — e descobriu que a história não era dele.
E, sem entender o porquê, Glenn percebeu que estava sorrindo.
Só por um segundo.
Um reflexo.
Mas o gosto disso era amargo. O arrependimento veio rápido, como um soco seco no estômago. Ele passou a mão no rosto, como se pudesse apagar o gesto.
“Eu devia falar com ele…”
O passo veio sozinho. O chão parecia pesado. A garganta, seca.
O som das festividades soava distante — como se o mundo tivesse se afastado deles.
Louis estava sentado à beira do poço, a espada encostada no muro de pedra. O olhar fixo no chão, as mãos entrelaçadas. O vento bagunçava o cabelo dele, mas ele não reagia.
Aquela imagem — o primo, o amigo, o irmão — doía.
E Glenn odiava tudo aquilo:
o nó na garganta, o gosto amargo, o silêncio que o separava de Ellie, e o reflexo dela nos olhos tristes de Louis.
Ele respirou fundo e se aproximou.
— Louis...
O nome saiu baixo, quase arrastado pelo vento, como se nem ele tivesse certeza de que devia ser dito.
Louis ergueu o rosto devagar. A luz do entardecer tocava seus olhos marejados, e por um instante, Glenn desejou não ter visto.
Aquele olhar doía mais do que qualquer palavra.
— Você viu, né? — a voz veio cansada, mas firme. Como quem já não espera consolo.
Glenn assentiu. O gesto foi contido — como se admitir já fosse demais.
Louis respirou fundo. Tentou rir, mas só soltou o ar.
— Ela não me ama. — disse, olhando pro chão. — Só fui burro o bastante pra achar que.....sim.
O silêncio se instalou entre os dois, pesado como o céu antes da chuva. Glenn abriu a boca, procurou algo pra dizer… mas nada parecia certo.
— Me desculpa... — saiu por instinto. Baixo demais, quase sem voz.
Louis deu um meio sorriso, sem tirar os olhos do poço.
— Você não tem culpa. — murmurou. — Ou talvez tenha. Mas... não é como se você tivesse pedido pra isso acontecer.
Glenn desviou o olhar. O maxilar travado. O peito apertava como se carregasse algo que não cabia ali.
— Eu gosto dela. — confessou, por fim. As palavras vieram cruas. Sem coragem, mas verdadeiras.
Louis apenas assentiu.
Nenhuma surpresa. Nenhuma raiva. Só cansaço.
— Eu sei. — respondeu.
Um pardal pousou na beirada do poço. Ficou ali por um segundo, depois voou, espantado pelo vento. Louis acompanhou o movimento com os olhos, como se quisesse ir junto.
— Eu vi vocês ontem. — disse. — Quase se beijando.
Glenn baixou o olhar. O estômago virou.
— Louis, eu...
— Tá tudo bem. — cortou o primo, sem dureza. — Foi por isso que eu falei com ela hoje.
Passou a mão pelo rosto, como quem tenta apagar o dia.
— Quis acabar com o “e se” antes que virasse ferida. Agora pelo menos eu sei.
O silêncio voltou. O som da festa parecia vir de outro mundo — distante, irrelevante.
Louis pegou uma pedrinha e jogou no poço. O barulho da água foi o único som por longos segundos.
— Conhecendo você... — disse, com um sorriso cansado. — Aposto que tá aí, se sentindo o pior homem do mundo.
Glenn respirou fundo. Louis o olhou de lado.
— Não precisa. — murmurou. — Você nunca foi meu inimigo, Glenn.
Os olhos se encontraram. Havia ternura ali. E perda.
Mas também algo que resistia — como uma ponte que não desaba, mesmo com rachaduras.
Louis ergueu o rosto. O céu começava a se tingir de violeta, e as primeiras estrelas apareciam tímidas, escondidas entre as nuvens.
— Ela gosta de você. — disse, simples, sem olhar pra ele. — Não sei se percebe... mas é óbvio pra qualquer um.
Glenn parou. O som do vento, das vozes, da festa ao fundo… tudo pareceu se apagar. O coração falhou uma batida. Depois outra.
"Ela gosta de mim..."
O pensamento surgiu leve, quase proibido. E se desfez rápido, como se não tivesse permissão pra existir.
"Por que ele disse isso desse jeito?"
"Devia estar bravo. Me odiando. Me culpando."
"Eu estraguei tudo pra ele."
Louis virou o rosto. Um meio sorriso cansado curvou os lábios, mas não chegou aos olhos.
— Se for pra ela ser feliz com alguém... — disse, com a voz embargada — ...prefiro que seja com você do que com qualquer outro idiota.
O silêncio caiu entre eles.
Glenn tentou falar. A boca se abriu, mas o som não veio. O ar parecia preso. O peito, cheio demais pra respirar.
Ele olhou pro primo. A luz do entardecer refletia nos olhos de Louis — e neles havia dor. Mas também aceitação. E algo mais difícil de nomear.
— Vai ficar bem? — perguntou Glenn, a voz rouca, quase arranhando o ar.
Louis olhou pra cima, o rosto sereno demais pra quem ainda sangrava por dentro.
— Me dá um tempo — disse, com um sorriso que não sabia se era força ou desistência. — Pra cicatrizar. Só isso.
Glenn assentiu em silêncio.
O estômago de Louis roncou.
Um som simples, humano, quebrando tudo que havia de trágico no momento.
Ele riu, envergonhado.
— Acho que preciso comer. Quem sabe cura a alma também.
— Vale tentar — respondeu Glenn, com um meio sorriso.
Caminharam juntos, passo lento, a poeira subia em pequenas nuvens sob os pés. Deixaram a praça central, onde as músicas ainda ecoavam, mas agora pareciam vir de muito longe.
A multidão se espalhava pelas ruas iluminadas. Pessoas cruzavam os caminhos com copos fumegantes nas mãos, riam alto, tropeçavam nas fitas coloridas que cobriam o chão. Crianças corriam entre as barracas, com os rostos pintados e olhos brilhantes, disputavam prêmios nos jogos de argolas e flechas.
Vendedores gritavam ofertas, chamavam atenção com os aromas doces que escapavam das panelas — maçã assada, canela, açúcar queimado.
Um casal dançava perto da fonte, como se o tempo tivesse desacelerado só pra eles.
Bardos tocavam melodias animadas, e o som das moedas tilintando se misturava às risadas e aos passos apressados.
Louis olhou em volta.
Os olhos passaram pelas barracas, mas não focaram em nada.
Talvez buscasse comida. Talvez só quisesse escapar do que sentia.
Qualquer distração bastava.
Glenn ficou em silêncio.
Observou o jeito como ele mantinha as mãos nos bolsos, os ombros firmes demais, o olhar que tentava parecer leve.
Mas tudo nele dizia o contrário.
Como se juntasse os próprios pedaços com fio invisível, tentando não desabar ali mesmo.
"Não importava quem Ellie escolhesse."
"No fim, alguém sempre acabaria machucado."
Suspirou.
Parou por um instante e ergueu o rosto.
O vento soprou, leve, brincando com as fitas que pendiam das janelas. O som das flautas e dos sinos de vidro ecoava suave, transparente, quase frágil.
Acima deles, a lua se erguia — grande, redonda, branca como leite — refletiam nas lanternas mágicas que flutuavam devagar, como pequenas almas preguiçosas no ar.
As casas cintilavam com a luz dourada dos feitiços, e o ar cheirava flores e noite recém-nascida.
Tudo estava exatamente onde devia estar.
Calmo. Quente. Vivo.
Louis ria de algo simples. Glenn respondeu com um sorriso pequeno. Por um instante, parecia que o mundo inteiro respirava em paz.
Então —
algo cortou o céu.
Rápido demais. Silencioso demais.
Uma linha de luz atravessando a escuridão, longa e brilhante, como uma promessa riscada no firmamento.
As pessoas pararam. Um ou dois dedos apontaram para cima.
— Olha… uma estrela cadente — murmurou alguém.
Glenn ergueu o olhar, o reflexo prateado da lua dançando nos olhos dele.
Mas a estrela não sumiu. Cresceu. O brilho aumentava, pulsava. A cor mudou — do branco ao laranja, do laranja ao vermelho. E o silêncio… se partiu.
Um rugido profundo, abafado no início, subiu das nuvens como o ronco de uma fera antiga.
O ar pareceu encolher.
E o céu explodiu.
A luz rasgou o firmamento — um jato de fogo caiu em espiral, abriu o horizonte em chamas.
O impacto veio um segundo depois: o chão vibrou sob os pés deles, as janelas tremeram, e o calor invadiu tudo.
As lanternas se partiram no ar, caíram como chuva de faíscas.
O doce cheiro da festa se misturou ao de fumaça e ferro queimado.
Gritos. Primeiro um, depois dezenas. Mães chamaram pelos filhos, crianças choraram, os bardos largaram os instrumentos. Barracas ardiam como tochas, o fogo correu rápido demais.
O sino da igreja soou uma vez. Depois outra. Na terceira, se calou.
Louis se virou, o rosto iluminado pelo reflexo vermelho do inferno.
Glenn ainda olhava pra cima.
As pupilas dilatadas, o corpo imóvel, como se o mundo tivesse sido arrancado do lugar.
O céu, antes tranquilo e cheio de promessas, agora se abria em fogo.
— Não... não pode ser... — murmurou Glenn.
A fumaça subia no horizonte, negra como carvão, espessa demais, rápida demais. Não era só fogo. Era destruição. Mais espirais de luz cortavam o céu, caíam como lâminas vivas, atingindo casas, barracas, torres.
Uma delas atingiu o sino da igreja.
O metal explodiu num som oco, e o sino — imenso, pesado — se soltou da torre. Girou no ar, refletindo o fogo como um espelho, antes de despencar.
Caiu sobre um homem que corria com a filha nos braços. O impacto esmagou os dois.
Não houve tempo pra grito.
Só um som surdo.
E silêncio.
"O que está acontecendo?"
— Isso... isso tá vindo da praça central! — gritou Louis. — ELLIE!
Eles correram. Instinto puro. O corpo agia antes do pensamento.
A multidão virou manada. Corpos se chocavam, vozes se misturavam em gritos desesperados. Pessoas corriam em todas as direções, empurravam, tropeçavam, caíam.
Glenn tentou avançar. Louis o puxou pelo braço.
Ambos foram engolidos pela massa. O mundo virou caos.
O chão tremia sob os pés. O ar queimava como se o próprio céu tivesse descido em chamas.
O cheiro doce da festa se perdeu — substituído por fumaça, sangue e medo.
A cada passo, o mundo mudava.
Uma casa, antes pacífica, ardia em chamas. O teto colapsou com um estalo agudo, como um osso quebrando. Do lado de fora, uma mulher se jogou sobre o filho pequeno, tentava protegê-lo com o próprio corpo. Ela gritava por ajuda. A voz cortava o ar como vidro.
Então veio a lança.
Negra.
Rápida.
Precisa.
A lâmina rompeu suas costas. O corpo arqueou num último espasmo. O grito morreu antes de nascer.
Glenn viu.
Não só com os olhos. Sentiu aquilo no estômago, no peito, no fundo da garganta.
O mundo desacelerou. O som se apagou. Só restou a imagem — a mulher ainda se mexendo, tentando respirar, tentando viver.
O homem que a atacara caminhou até ela. Sem pressa. A armadura leve e negra refletia o fogo ao redor. A máscara de osso cobria o rosto — rachada no lado esquerdo, como se já tivesse visto guerra demais.
Ele parou ao lado dela. Puxou a lança de volta. O corpo da mulher estremeceu.
E então, com um movimento seco, esmagou o crânio dela com o cabo da arma.
Um estalo.
Seco.
Final.
Silêncio.
Glenn não conseguiu se mover. O coração batia rápido demais. Mas o corpo não obedecia. O mundo parecia longe. Irreal. Cruel demais pra existir.
Ele não chorou. Não gritou. Só sentiu — como se algo tivesse quebrado por dentro e não soubesse onde.
Louis puxou seu braço.
— Glenn!
A voz dele parecia distante.
Mas Glenn ainda olhava.
A fumaça.
O sangue.
A máscara rachada.
E a certeza de que nada voltaria a ser como antes.
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