Zebra Brasileira

Tradução: Zeugma

Revisão: Zeugma


Volume 1

Capítulo 1: Azar

16 de Setembro de 2012, Monterrey, México

Nuvens negras cobrem os céus. Uma chuva intensa cai, mas não é apenas a água que domina os ares...

Drones enferrujados e faiscantes sobrevoam uma zona urbana densa, cheia de mercados na cidade de Monterrey, observando uma perseguição.

Gritos de cidadãos, empurrados pela movimentação frenética, são ofuscados pelo som da chuva afundando o solo.

— Afastem-se! Abram caminho, isso é uma operação da PAZ! — grita um dos perseguidores, um homem usando uma armadura imponente feita de metal e fibra de carbono reciclada. Seu capacete aberto escorre água, revelando um bigode exemplar. Ele segura uma pistola com visor digital exibindo a quantidade de balas, e em seu peito carrega a estampa que todos conhecem — PAZ.

Muitos acham irônico tal nome. Incrivelmente, ele não remete ao conceito em si, mas à Polícia de Ação ao Azar.
Quando eles aparecem, algum zebrado vai para o xilindró...

A perseguida da vez é uma figura coberta por trapos de couro rasgados, empunhando uma pistola furtada de um policial infortunado.

Quietinho, Javier… — murmura a figura.

Ela corre e salta por entre barracas mal fixadas e surradas pelo tempo. Os disparos trocados entre ela e os agentes ricocheteiam nas casas de tijolos sem reboco, espalhando os curiosos.

No meio da correria e dos gritos, o homem de bigode recebe um chamado em seu rádio. Em seu peito o nome — TEN Rodriguez.

— Senhor, estamos no flanco da suspeita!
— Ótimo! Bloqueiem o caminho dela e forcem a entrada em algum prédio! — responde com firmeza.

A perseguição a força a tomar uma decisão rápida. À sua frente, uma barricada de carros com estampas da PAZ bloqueia sua passagem, com agentes armados prontos para atirar.

Com um salto, ela entra no prédio residencial ao lado em busca de abrigo.

A perseguição continua escada acima, andar após andar, até que a fugitiva chega ao topo do prédio e percebe que não há mais para onde fugir.

— Renda-se e solte sua arma! — ordena o homem de bigode.

Ela levanta a mão que segura a arma, demonstrando que irá se render. Porém, em um movimento hesitante, tenta disparar. É impedida por um tiro certeiro que acerta seu punho, fazendo a arma cair no chão.

Sua aparência, enfim revelada: uma jovem morena, ofegante, segurando um bebê pequeno nos braços — provavelmente com menos de um ano de idade — que chora desesperado.

— Você não tem para onde ir. Agora, nos diga: quanto você acumulou de azar? — insiste o homem de bigode.

Arf... Arf... — ela respira com dificuldade, tentando conter a dor. A criança puxa seus cabelos e chora ainda mais. — Eu não... não foi nossa culpa! Ele... não era para isso acontecer, certo?!

Os soldados trocam olhares.

— Ele nasceu normal, mas... de repente surgiu, antes dos 10 anos! Não era pra surgir antes dos 10, então por quê? Por que tão cedo?! Ele nem sabe falar ainda!
— O seu bebê é o PC? — questiona um dos soldados. — Um bebê sendo Potencial de Catástrofe , eu nunca ouvi isso... Quanto ele acumulou?!

A mulher levanta lentamente o braço, com lágrimas nos olhos, revelando um número fixado em seu antebraço direito, brilhando em verde incandescente: -337.

O alvoroço entre os soldados é imediato. Muitos ficam pasmos.

I-Isso não... Você deixou ele acumular tanto assim?! Em que você estava pensando?! — grita um deles.
— Você queria que eu o entregasse? Todos sabem o que vocês fazem com os zebrados. Eles morrem! — rebate a mãe.
— Entregue o menino. Nós daremos um jeito nisso, senhora.
— Não! Vocês não vão tirá-lo de mim!

O homem de bigode troca um olhar com o parceiro ao lado, que segura o rádio.

— Onde está o Pacificador?! Precisamos dele aqui agora!
— Ele está vindo, senhor! — responde o soldado, com a voz trêmula.
— Não temos tempo... — murmura o bigodudo.

— Olha, senhora... Sabemos que não foi sua culpa. Então entregue a criança e tudo estará resolvido.
— Não! Por favor, deixem ele em paz! Podem me levar no lugar dele!
— Você sabe que não podemos fazer isso.

A criança chora mais alto.

— Não temos muito tempo, pode acontecer a qualquer momento, senhor — alerta um dos soldados.
Droga, eu sei...
— Devemos matá-lo? — pergunta outro.
Não!! Centenas seriam envolvidos... inclusive nós...
— Não! Vocês não vão tirar ele de mim! Nós não temos culpa! — grita a mulher.

Num momento de descuido e desespero, a criança se agita, salta do colo da mãe e cai aos seus pés.

Javier!

BANG!

Um disparo. A mãe é atingida, começa a sangrar e cai ao lado do bebê.

— O que você pensa que está fazendo, seu imbecil?! — grita o homem de bigode.

Todos olham para a criança. Ela observa o corpo da mãe e, subitamente, para de chorar.

Ei... ei, garotinho, se acalma... — diz um soldado, aproximando-se.

Mas antes que pudesse tocá-lo, um som alto de choro ecoa. Uma voz feminina é ouvida, e uma luz verde brilha do braço do bebê.

[Você escolheu gastar o Azar! Pontos acumulados: 337 dias!]

O terror toma conta do ambiente. Alguns soldados desabam no chão. Outros correm, tentando escapar.
Mas todos já sabem... está acabado.

O soldado de bigode permanece parado. Faz o sinal da cruz, olha para uma foto de sua família e murmura entre lágrimas:

Que Deus nos perdoe por isso... sinto muito.

Uma sombra imensa cobre o céu. As nuvens se abrem, revelando uma massa impossível — um meteorito colossal, devorando o horizonte inteiro.

Algumas horas depois...

Uma limusine branca, com vidros espelhados e blindada, para em frente ao que parece uma pintura de fantasia — uma cratera gigantesca onde antes havia uma cidade.

Figuras saem do carro. Uma delas veste um terno branco impecável.

Um soldado se aproxima.
— Senhor, o que devemos dizer ao público?

O homem de branco responde, olhando a devastação:
— Diga que foi um terrorista.

22 anos depois — 3 de junho de 2034 — Porto Alegre, Brasil

Os primeiros raios da manhã iluminavam as paredes modestas de um apartamento simples, coberto por lírios da paz e jasmins que tentavam florescer no concreto cinza. Na sala, móveis surrados, uma TV pequena com antena e o cheiro de café recém-passado. Na televisão, um programa mencionava em som diminuido uma manchete em homenagem às vitimas do chamado incidente Monterrey 337, que completava 22 anos.

Deitado de pernas para o alto no sofá, um garoto de cabelos cacheados e volumosos rabiscava concentrado. Vestia um macacão manchado de tinta, ferragens e rasgos, e usava óculos improvisados feitos de sucata tecnológica.

— Rafa! O café tá pronto! — gritou uma voz dos corredores.
— Já vou! Deixa eu só terminar isso aqui! — respondeu o garoto.

Entrou na sala um jovem de gorro velho, curativo no nariz e pano de prato na mão.

— Vamos logo, Rafa. Tu tem aula hoje.
— Ah, não! Deixa eu faltar só hooojeee!
— Nem pensar. Já faltou ontem.
— Ícaro ruim!
— O que tá desenhando desde cedo?

— Ah, isso? — Rafa sorriu, mostrando o caderno.
Nele, desenhos de um homem com capa preta e máscara de corvo. Nas costas, um par de asas mecânicas feitas de metal e bugigangas. Em uma página, o projeto das asas era detalhado com anotações e formas geométricas — no centro, Rafa voava sobre as nuvens.

— Vou criar as asas do Homem-Corvo e voar!
Phft! Hahahaha! — Ícaro riu.
— O que foi?!
Nada. Mas faz um paraquedas também!
— Não preciso!
— Agora anda, ou vai se atrasar.

Algum tempo depois, os dois estavam à mesa. Pão com queijo e mortadela, café preto e leite.

Ícaro lia o jornal:

[Possível cura do azar? Casal de cientistas afirma ter descoberto a origem da sorte no corpo humano. Benção ou destruição? Página 16.]

— Hoje é seu primeiro dia na PAZ, né mano? — perguntou Rafa.
— Sim. Só vou conhecer a patrulha e o esquadrão. Nada demais.
— Mas toma cuidado! Se vir um PC, corre!
— Não posso. Entrei pra PAZ pra que o que aconteceu… nunca mais aconteça com ninguém.
— Desculpa. Falei besteira. Quando voltar, me conta tudo!
— Tá bom.

Mais tarde...

Ícaro estava diante de um prédio colossal no centro histórico. Telas brilhantes e holofotes exibiam o símbolo da PAZ: três trevos de três folhas formando um triângulo.

Ao subir as escadas, passou por um detector de vetores.

— Alto. Mostre seu azar. — ordenou o soldado da guarita.
Tá bom... — Ícaro levantou a manga. O antebraço exibia o número: 0.
— Pode passar.

Ao cruzar o scanner, feixes de luz varreram seu corpo. Uma voz robótica feminina soou:

[Entrada concedida. Vetor aceitável.]

Ufa... sempre dá um frio na barriga.

Procurando seu caminho, Ícaro notou o fluxo constante de agentes, ordens e telas.

Foi então que uma figura imponente se aproximou: um homem negro, alto como uma muralha. No uniforme, lia-se: SGT Lions.

— E aí, novato! — disse, dando um tapa nas costas de Ícaro.
— Olá, senhor Lions... — respondeu, meio sem ar.
— Sou seu sargento interino. O tenente tá de férias. Bom ver sangue novo por aqui!
— Prazer em servir sob seu comando, senhor!
— Troque essa roupa de civil. Pegue sua farda e me encontre na viatura lá fora.
— Sim, senhor!

Foi até o vestuário. O som abafado de armários metálicos se fechando ecoava por entre os corredores. Ícaro caminhava em silêncio, até que parou diante de um armário com seu nome marcado com precisão:

SD Ícaro.

Ali dentro, repousava sua farda. Azul-escura, impecável, com o símbolo triangular da PAZ costurado no peito. O tecido ainda estava rígido — um uniforme que parecia nunca ter sentido o peso da rua.

Ele tocou o emblema com os dedos trêmulos.

Até que enfim... — murmurou. — Anos de esforço. Eu finalmente consegui!

Vestiu-se com calma, ajustando cada peça como quem veste uma armadura antes de entrar no desconhecido. Estava pronto para sair, quando uma voz o chamou:

Ei!

Ícaro virou-se surpreso.

Ah... tá falando comigo?
— Sim. Vai sair desarmado? Quer enfrentar os Zebrados assim? — disse um rapaz de pele morena, cabelos cacheados, magro, sardas sob os olhos e uma pasta apertada sob o braço.

Ícaro arregalou os olhos, rindo de nervoso.

— Quase me esqueci! Valeu mesmo. Eu sou o Ícaro, sou novo por aqui.
— Richard. Departamento de Perícia. Entrei há pouco também. Acho que ainda vamos nos esbarrar bastante.

Ícaro o observou por um momento. Perícia. Aqueles eram os que chegavam por último — depois do caos, depois da dor — para coletar o que sobrava da realidade.

"Eles limpam as cenas de crime envolvendo PCs... nem consigo imaginar o que esses caras veem por dia."

— Valeu pela lembrança, Richard. — Ícaro acenou com um sorriso tímido antes de seguir adiante.

Indo até a sala de armas, era fria e cheirava a óleo de limpeza. Um homem mais velho, de braços fortes e grisalhos, limpava uma espingarda com movimentos calmos, como um artesão polindo seu ofício. Ele nem olhou para Ícaro quando falou:

— Iae, moleque. Novo por aqui?
— Sim, meu nom—
Ícaro. Tá na farda. — interrompeu o homem com um resmungo. — Toma. Só lembra: antes de ir pra casa, devolve tudo. Sem exceções.

Sobre o balcão, ele empilhou uma pistola preta, dois carregadores, um coldre firme e um bastão retrátil.

Ícaro leu o nome na plaqueta do uniforme do homem: TEN. THIAGO.

— Obrigado, tenente.
— Relaxa, gurizão. Só tenta não morrer no primeiro dia.

Ícaro sorriu de canto, mas sentiu o peso da frase como um soco leve no estômago. Pegou a arma — uma Mlock-45, a evolução direta da Glock — e prendeu o coldre com firmeza à cintura.

Rua lateral da Sede da PAZ

O céu nublado dava à cidade uma paleta acinzentada. Ícaro andava rumo ao veículo de patrulha, onde Sargento Lions o esperava encostado, braços cruzados, impaciente.

Antes que pudesse se aproximar, um som rasgou o ar:

WEEEOOO-WEEE!

A buzina da viatura.

Ícaro deu um pulo.
Bora, soldado! — rugiu Lions, abrindo a porta.
S-Sim, senhor!

Ambos partiram para a estrada.

O veículo deslizava pelas ruas com suavidade mecânica. Ícaro apertava os joelhos, tentando disfarçar a ansiedade.

— Pra onde estamos indo, senhor?
Lions lançou um olhar lateral e ergueu uma sobrancelha.
— Curioso, hein?
N-Não foi por mal, só…
— Relaxa. Tô só zuando. Patrulha de rotina. Vou te mostrar os pontos onde o bicho pega por aqui.
— Entendi…
— E relaxa. Nem todo dia tem combate com PC.
— Eu sei. É só ansiedade. Primeira missão, sabe como é…

Lions deu um leve sorriso, quase imperceptível.

Eles seguiram por ruas que Ícaro sequer reconhecia, mesmo tendo crescido ali. Bairros periféricos, zonas vermelhas, vielas imundas, cortiços, prostíbulos e bocas de tráfico. Porto Alegre tinha camadas que o cidadão comum nunca veria. A PAZ, no entanto, patrulhava todas.

BZZ! BZZ!

Um som estridente tomou o rádio da viatura. Lions rapidamente aumentou o volume.

BZZ! A-Atenção a todas as unidades próximas do 11º distrito. Denúncia de possível PC feita pelo Oráculo. Repito: possível PC em atividade. 11º distrito.

Lions riu baixo, virando o volante bruscamente.
— Porra, tu tá com sorte hoje, hein? A gente tá do lado. Vai ter tua chance de ver como teu superior trabalha.
Érr... certo...

"Logo no primeiro dia um Potencial de Catástrofe?! Será que tô pronto pra isso?!" — pensou Ícaro, o nervosismo pulsando em cada fibra de seu corpo.

O veículo avançava velozmente, ignorando sinais vermelhos, cortando ruas como uma lâmina no concreto.

A noite já havia caído. As luzes alaranjadas dos postes projetavam sombras longas na calçada. A viatura parou diante de uma casa simples, dois andares, um jardim bem cuidado, cheio de flores.

— É aqui? — Ícaro perguntou, olhando em volta.
— Exato. Localização passada pelo Oráculo. Vamos invadir.

Ícaro engoliu em seco e assentiu.
— S-Sim, senhor.

Mas antes que pudessem escalar a cerca, um som violento cortou o silêncio:

CRACK!

Vidro estilhaçado. Ambos ergueram as armas e assumiram posição. Das sombras dos fundos da casa, duas silhuetas correram.

— Eles estão fugindo! Vai, segue eles!

Sem pensar, Ícaro disparou na direção da fuga com o coração explodindo no peito.

O céu noturno parecia mais escuro do que antes.

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