Volume 1
Capítulo 7: Emergência
— O-O que está acontecendo?
Todos estavam abalados com a notícia, principalmente Mio e Kintarou. Zethnniyr exibia uma expressão nem um pouco surpresa, ele sabia que não era o único naquele mundo, por mais que quisesse que fosse o contrário. Nem mesmo em outro mundo, os deuses tinham pena do maou.
Mio recobrando os sentidos, se aproximou de Zethnniyr e agarrou a bainha da camiseta dele, querendo chamar atenção do maior. Quando virou o rosto para encarar a sua serva, deparou-se com uma expressão aterrorizada vinda de Kawano. Com os lábios trêmulos, falou:
— Zeth, o que está acontecendo? Como todos aqueles monstros vieram parar aqui?
— Não sei exatamente. Só consigo pensar em uma possibilidade — respondeu de forma franca.
— Isso… não tem nada a ver com você estar aqui, né…? — Mio sussurrou, ela não queria que Zethnniyr pensasse que estava duvidando dele. Porém, ele ouviu a pergunta anterior e, mesmo assim, se manteve em silêncio.
— Zethnniyr, não me diga que o culpado por toda essa situação é você. — Kintarou se aproximou dos dois. Encarou o maou friamente e voltou a dizer: — Esses monstros vieram atrás de você? Ou foi você quem os invocou?
— Eu nunca faria isso. Além disso, estou fraco magicamente falando, não é à toa que tive que fazer um contrato com a Mio. Uma invocação em massa seria suicídio do jeito que estou agora.
— Será mesmo? — Kintarou continuava na sua investida, mas isso não abalou o demônio nenhum pouco. Ele já estava acostumado a ser questionado sobre suas ações. — Você pode ter nos salvado naquele dia, mas me diga… O que você realmente quer?
— Kintarou, você não precisa falar assim!
— Você não percebe a gravidade da situação?! De que lado você está, afinal?!
Kintarou, aquele jovem rapaz normalmente calmo em todas as situações, havia perdido a paciência. O ataque depois da faculdade e, então, o aparecimento de criaturas perigosas. Mais o fato de um homem desconhecido com poderes inimagináveis… Toda aquela situação fez o senso de perigo de Taniguchi ser acionado.
Vendo todo aquele clima tenso, Mio se pôs no meio deles, deixando os dois homens confusos.
— Kintarou, você nem deixou Zeth falar o lado dele!
— Mio, talvez o motivo de vários monstros terem aparecido seja ele. Não consegue enxergar? Ele nem ao menos recusou a possibilidade…
— Eu confio no Zethnniyr! — Mio declarou com uma expressão determinada. Assim que fez essa declaração, flashs do último sonho que teve veio à tona. Por algum motivo, ela sabia que o maou não tinha nenhuma intenção ruim. — Ele me salvou… Eu poderia ter morrido naquele dia!
— Você pode estar em perigo se continuar com Zethnniyr. E se vierem atrás dele?! Será que vai conseguir te salvar de novo?
Kawano abaixou a cabeça e encarou o chão, pensando nos questionamentos de seu amigo. Mio se lembrou da expressão que Zethnniyr fez no dia em que foi salva por ele. Aquele olhar sofrido misturado com compaixão… Naquele dia, ela teve certeza de que ele era bondoso.
— Sei que tem muitas coisas que não sei sobre ele, mas eu sei que é alguém legal! Sei que ele vai me proteger…
— Mio…?
As lágrimas ameaçavam cair pelo rosto de Kawano, ela não conseguia por em palavras o que sentia naquele momento. Só estava viva graças a Zethnniyr. Nesse pouco tempo que passaram juntos, o maou sempre foi gentil com ela.
Sem qualquer aviso, Zethnniyr abraçou as costas de Mio sutilmente, surpreendendo tanto a garota quanto Kintarou. Assim como naquele dia, o aperto do demônio era incrivelmente aconchegante. A garota de maria-chiquinha podia jurar que mais ninguém daquele mundo tinha um abraço tão caloroso quanto o dele.
— Por que você sempre me defende desse jeito, ■■■■■■? — sussurrou e suspirou um tanto aliviado, infelizmente, ninguém ali havia ouvido a última parte. Um sorriso singelo se formou no rosto do maou que só Kintarou pode ver. — Me perdoe por não contar sobre o meu passado. No final das contas, eu só queria fugir…
— Zethnniyr, não se preocupe com isso. Eu também sou uma covarde, sabe? — Mio deu uma pequena risada sem graça, enquanto se aconchegava no abraço.
— Você é uma idiota mesmo.
— Quem disse que podia me insultar?!
— Mas, você não é? Vamos, não precisa se envergonhar. — Zethnniyr tirou os braços do corpo de Mio e levou suas mãos até as bochechas dela, apertando-as. — Diga bem assim: “eu sou uma idiotaaaa.”
— Para de me provocar! — A garota de maria-chiquinha tentou se livrar das mãos do maior, falhando obviamente. — Eu retiro tudo o que disse! Você não é nada gentil, é só um vagabundo mesmo!
— Vocês dois…
Kintarou observava tudo de longe, parecia até mesmo que ele nem existia ali. Ver a relação dos dois fez todo o nervosismo ir embora, como se fosse mágica. O sorriso que Zethnniyr havia dado mais cedo, juntamente com o suspiro aliviado… Por algum motivo, Kintarou não viu apenas como uma expressão aliviada, mas acima de tudo, solitária.
Aquilo de alguma forma o comoveu.
Ainda restavam algumas dúvidas sobre Zethnniyr, e ele tomaria cuidado com o maou em todo caso. Kintarou ficaria de olho tanto nele quanto em Mio, afinal, quer que sua melhor amiga esteja em segurança — por mais que estivesse lidando com uma criatura sobre-humana. Portanto, Taniguchi decidiu observar as ações do demônio, e assim, tirar suas próprias conclusões.
— Zeth, o que você acha que aconteceu para vários monstros surgirem? — Mio finalmente havia se livrado das mãos do maou, agora poderia falar de maneira tranquila.
— Excluo a possibilidade de alguém desse mundo ter os invocado, pois não senti nenhuma anormalidade mágica nos últimos dias — começou o demônio, enquanto cruzava os braços e fechava os olhos. — Provavelmente o que causou tudo isso foi causado por uma Quebra Dimensional.
— “Quebra Dimensional”? Você quer dizer que existem outras dimensões?!
— Isso não é óbvio? Francamente, o mundo de vocês pode ser evoluído em algumas coisas, mas em princípios básicos… — Zethnniyr havia ficado surpreso com a reação de Mio, estava estampado na cara dela algo como “Isso não é apenas teoria?” ou qualquer coisa parecida.
— Poderia nos explicar mais sobre isso, Zethnniyr?
O maou acenou com a cabeça. Ele descruzou os braços e se virou, ficando de costas para os dois jovens adultos. Deu um pequeno suspiro, lembrando das coisas que aconteceram antes dele ser teletransportado para o mundo moderno.
— É de conhecimento comum no meu mundo que existem um pouco mais de centenas de dimensões, cada uma com sua particularidade. Sabemos disso por conta da magia e estudos astronômicos.
— Então, apenas universos com algum sistema de magia conseguem ter certeza de que existem outras dimensões? — Kintarou colocou as mãos no quadril, curioso com a conversa.
— Sim. Somente com magia foram capazes de descobrir. — Zethnniyr se virou e voltou seu olhar para Mio e Kintarou. Parecia um professor ensinando para crianças sobre conceitos básicos. Limpando a garganta, deu continuidade: — Apesar de sabermos sobre a existência desses espaços, é extremamente difícil ir de uma dimensão a outra, sendo preciso uma enorme quantidade de magia para algo assim ser possível.
— Você consegue viajar para outros mundos, Zeth?! Será que existem outras “Mio Kawano”? Já conheceu alguém parecida comigo, hein?! — A garota de maria-chiquinha bombardeou seu mestre com várias perguntas. Ela definitivamente estava animada com aquele assunto.
— Nem mesmo eu, considerado uma ameaça rank S+, conseguiria fazer uma proeza dessas.
— Eh?! Se nem um maou como você conseguiu, como…?
— É aí que entra uma forma alternativa de se viajar entre dimensões.
Zethnniyr se moveu até uma estante e procurou por uma folha de papel, pegando-a. Sentando-se no chão e colocando a folha sobre a mesa, pegou uma caneta que estava ali perto e começou a desenhar. Kintarou e Mio se aproximaram, intrigados.
— Quando várias magias potentes se encontram em um mesmo lugar e acabam colidindo entre si, um buraco dimensional pode ser formado. A chance disso acontecer é de um pouco mais de 40% — disse, não tirando a atenção do que estava fazendo. Assim que terminou o desenho, mostrou sua ilustração para Kawano e Taniguchi. — E é isso que se chama “Quebra Dimensional”.
— Nossa, você desenha muito mal! Precisa fazer umas aulinhas de desenho… Ai, ai!! — Mio gemeu de dor assim que sentiu uma de suas maria-chiquinhas serem puxadas com força. — Para com isso!
— Era só pra ilustrar e você vem com esse comentário estúpido!
— Tá, tá… Desculpa!
— Provavelmente o acúmulo de energia mágica foi tão grande que colapsou o mundo onde eu estava. E assim, eu e aqueles monstros viemos parar aqui como consequência da “explosão”. — Zethnniyr soltou o cabelo de Mio e continuou: — É claro que eu poderia ter parado em qualquer uma das centenas de dimensões, mas acabei vindo pra este mundo.
— Interessante. Mas, como essa explosão aconteceu exatamente? — Dessa vez, foi a vez de Kintarou perguntar.
— Guerra. — A expressão de Zethnniyr mudou completamente, tornando-se melancólica. Ficou em silêncio por alguns segundos, percebendo isso, balançou a cabeça para os lados e deu continuidade: — Uma colisão entre magias opostas, e eu estava envolvido.
— É por isso que sempre fala que quer ficar aqui? — perguntou Mio, com os olhos arregalados.
— Bem, não importa agora.
Zethnniyr se levantou do chão e amassou a folha em que havia usado para desenhar, jogando-a numa lixeira ali perto. Voltou a ficar perto de Mio e Kintarou e os encarou.
— Pensei que poderia aproveitar meus dias aqui sem preocupação, mas não é o caso agora.
— O que vamos fazer? O Japão está em perigo com aqueles monstros à solta! Não sei se armas de fogo são eficazes…
— Depende do nível dos monstros. Talvez vocês consigam lidar com aqueles rank D para baixo se estiverem com armas potentes. — levou uma das mãos até a nuca e a coçou levemente. — Vocês humanos sem magia não seriam capazes de lidar com um rank maior.
— Realmente. A situação está feia para nós — disse Kintarou, dando um suspiro na sequência.
— Zeth, você tem que fazer alguma coisa!
Mio se aproximou do maou, próxima o suficiente para os rostos de ambos se tocarem. Ela não poderia deixar de usar sua melhor técnica: carinha de cachorro abandonado. Isso sempre funcionava com a maioria das pessoas. Zethnniyr desviou o olhar, ele havia cedido assim que Kawano deu aquele olhar.
— Não tenho muita opção. Eu só quero ter uma vida normal aqui, e eles estão atrapalhando os planos do grande Rei dos Demônios. — Cerrou os dentes, deixando seus caninos afiados à amostra. Por algum motivo, Mio estremeceu com a reação dele.
— Parece até que estamos em um jogo ou algo assim…
— N-Não é, Kintarou? Até penso que estou sonhando às vezes. — Deu uma risada fraca. — Vamos te ajudar da forma que podemos, Zeth!
Mio levantou a mão fechada e deu um soco no ar, os outros dois olharam para a garota sem entender nada. Apesar de estar em uma situação crítica, Kawano não podia deixar de ficar animada com o fato de se parecer com os jogos que jogava. Claro que ela não vai se meter nas batalhas, só vai ajudar com a parte “motivacional”. Talvez Zethnniyr precisasse, não é?
Com o término daquela conversa, Zethnniyr colocou uma barreira protetora no corpo de Kintarou para que ele pudesse voltar para casa. Ela não era eficaz contra inimigos muito fortes, pois a barreira é rank D, mas era o que dava pra fazer. Felizmente, o Taniguchi havia chegado em casa sem qualquer problema.
Depois de tudo o que tinha acontecido, Mio e Zethnniyr voltaram à programação normal, eles pensariam em planos para derrotar os monstros no dia seguinte.