Volume 1

Capítulo 15: Christopher

 

 

Finalmente, as atividades no Japão, especificamente em Tokyo e nas redondezas, voltaram ao normal. Ainda havia investigações sobre o ataque de monstros, sobre o que poderia ter acontecido e quem foram os responsáveis pelas mortes desconhecidas. Com todas essas perguntas e possibilidades, o governo japonês decidiu aumentar a segurança do país.

Um novo semestre já havia começado e novas matérias estavam sendo ensinadas na faculdade onde Mio estudava, os professores não mediram esforços, mesmo fazendo apenas duas semanas depois do ataque. Eles não queriam perder tempo.

— Que chato! — Reclamou Mio, jogando a cabeça sobre a mesa. — Nessas horas eu queria estar em casa dormindo. Mas não, eu tenho que ficar aqui assistindo aula.

— Você parece bem estressada hoje, hein? — Kintarou tirou seu caderno da mochila e o colocou em cima da mesa. — Daqui a pouco tem as férias de verão.

— Isso! — Levantou a cabeça rapidamente e fez uma expressão determinada. — Nessas férias, eu vou conseguir level 100 e assistir vários animes!

— De novo?

— Dessa vez, vou comprar um jogo que vai lançar logo no início das férias, aí vou ficar o dia todo jogando até zerá-lo 100%! É a minha franquia de jogos favorita!

— Ai, ai… Você não muda nunca, hein? — Fechou os olhos e deu um pequeno sorriso antes de voltar a falar. — Eu ainda não tenho planos para essas férias, mas talvez eu passe escrevendo.

— Oh, que legal! Gostaria de ler os seus próximos textos também, webnovelista.

— Não fala isso alto, os outros podem saber…

E então todos os alunos estavam em seus devidos lugares e logo em seguida, o professor adentrou a sala. Os alunos fizeram reverência e cumprimentaram o professor, depois se sentaram e pegaram seus respectivos materiais. O professor colocou suas coisas sobre a mesa e ficou de frente para os alunos em posição rígida.

— Hoje, nós temos um novo aluno em nossa turma. Pode entrar, aluno.

Com a permissão do professor, a porta se abriu, um jovem rapaz de cabelos dourados entrando em seguida. Ele era alto, corpo bem definido, cabelos loiros em um corte curto e seus olhos eram azuis como água cristalina. Seu semblante era de alguém bem simpático e educado. 

— Se apresente, Christopher.

— Certo, professor! — respondeu animadamente com um sorriso. Ele se voltou para a turma e disse: — Eu sou Christopher D’Arc, prazer em conhecê-los!

— Christopher é um estrangeiro, então ele não sabe como as coisas funcionam aqui direito. Tenham paciência e ensine tudo o que ele perguntar.

— Certo, professor! — todos responderam em uníssono.

 — Obrigado por me receberem nesta sala, tenho certeza que vamos nos dar bem!

Naturalmente, os alunos ficaram cochichando sobre Christopher, falando como ele era bonito, educado e simpático. Mio o olhou e a primeira impressão que teve era de que ele parecia uma boa pessoa, mas não sabia que tipo de pessoa ele era por dentro. Ela achava que não saberia tão cedo. 

O professor disse onde Christopher tinha que se sentar e, para a surpresa de Mio e Kintarou, ele sentaria na frente deles, especificamente de Kawano. Ele foi até seu assento, colocou a mochila no chão e se sentou.

Mio observava suas costas e estava levemente corada, até que, de repente, Christopher se virou para ela. A garota levou um susto e levou as mãos para si. Ele a olhou por um tempo e sorriu logo em seguida, com a intenção de causar uma boa impressão.

— Oi! Tudo bem? Parece que nos encontramos de novo!

— O-Oi, estou bem sim… — respondeu timidamente, seus olhos evitando de se encontrarem com o do novo aluno. Porém a última frase a deixou curiosa. — De novo? Como assim?

— Você já se esqueceu? Só fazem um pouco mais de duas semanas que nos vimos. — Christopher continua com um sorriso inocente e simpático, ele tinha uma aura muito brilhante. — Eu não conseguiria me esquecer de você, não depois da sua ajuda.

— Calma, o que você tá falando?

— Mio, você o conhece? Parece que ele já te encontrou alguma vez. — Kintarou se aproximou da carteira de Mio, entrando na conversa também.

— Eu não consigo lembrar…

— Você deveria olhar mais nos olhos das pessoas, sua idiota.

Mio recebeu um pequeno peteleco na testa de Kintarou, fazendo ela resmungar em resposta e acariciar o local. Christopher olhava para os dois e ria da interação entre eles, percebendo que pareciam bons amigos.

Mio pensou bastante sobre todas as pessoas que encontrou nessas últimas semanas. Sua rotina normalmente não envolvia muitas interações sociais, desde que ela ficava de manhã com Zeth, ia para a faculdade e encontrava as mesmas pessoas, para depois voltar para casa com Kintarou. Durante essa semana, ela só foi umas três vezes na loja de conveniência. Era o mesmo de sempre.

“Ele disse que eu o ajudei. Quem eu ajudei essa semana senão o Zeth a usar os aparelhos domésticos?”, pensou a garota de maria-chiquinha, indo até o fundo da sua memória para lembrar onde ela encontrou Christopher. Afinal, seria uma vergonha para Mio dizer que eles nunca se viram.

Ao olhar bem para a sua aparência, ele tinha cabelos loiros bem característicos e chamativos, além de seus olhos azuis que são raridade de se encontrar no Japão. Fora o semblante e aura dele que estavam bem presentes. Ela só conseguia pensar em uma coisa.

— Cabelos loiros, aura de personagem extrovertido… — Mio, que estava com os olhos fechados, disse quase em um sussurro. Em seguida, abriu os olhos e exclamou: — Você é aquele cara que me salvou daqueles caras!

— Só agora você percebeu? — Christopher deu uma risada sincera ao ver a reação de Kawano. 

— Desculpa, é que você tá bem diferente agora. — Mio não pode deixar de pensar no cara com barba mal feita e roupa esfarrapada, que parecia um mendigo, e comparar com o Christopher atual. — Sério, parece até pessoas diferentes.

— Mio, não é muito delicado falar assim. — Kintarou deu outro peteleco na testa de Mio, que respondeu apenas com um “ai”. — Quer dizer que esse é aquele cara que você me disse que portava uma espada?

— Sim, é ele mesmo! 

— Eu sei que a conversa está boa, mas vocês podem conversar sobre isso depois da aula, por favor.

Interrompendo o momento dos três jovens, o professor chamou atenção deles. Eles se viraram para encará-lo, e sua expressão não era das melhores, indicando que a paciência dele já estava se esgotando. Mio não pôde deixar de se sentir envergonhada em ser chamada atenção desse jeito, ainda mais na frente da turma.

As aulas se passaram lentamente para Kawano, que só queria enfiar a cabeça em um buraco.

Para a felicidade de Mio, as aulas se encerram assim que deu seis horas da tarde. A garota de maria-chiquinha arrumou seu material e logo saiu da sala com Kintarou. Ambos andavam pelo corredor da universidade, conversando sobre os conteúdos do dia, nos quais Mio teve dificuldade em se concentrar devido a situação de antes.

Enquanto conversavam distraidamente, eles não perceberam os passos apressados de Christopher, a fim de alcançá-los. O aluno novo achou que seria uma boa ideia conversar com eles antes de irem para casa. Além disso, ele queria se aproximar mais de Mio.

— Veteranos! Me esperem!

— Hm? Ah, é o aluno novo. Christopher, certo? — Kintarou parou os passos e se voltou para o loiro, Mio também fez o mesmo.

— Isso mesmo! Me perdoem aparecer assim do nada, mas…

— Não precisa se desculpar. O que você quer com a gente? — Mio perguntou, torcendo para que Christopher não fosse um novo Akira na vida dela.

— Eu só gostei de como vocês foram legais comigo mais cedo, mesmo eu sendo um estrangeiro e novo na turma. — Christopher coçou a nuca, um pouco envergonhado de falar isso. — Apesar da Mio ter se esquecido de mim.

— E-Ei! Eu não fiz de propósito! Eu só não olho muito para os outros…

— Claro, claro. Não faz mal. — Christopher deu uma pequena risada com a reação da garota, achando-a um tanto fofa. Logo, ele continuou a falar: — Gostaria que me ensinassem as matérias já passadas e como funciona o sistema da escola. Não sei como a universidade funciona.

— Por mim, tudo bem. Vou te passar todos os conteúdos até agora, posso te ajudar nos próximos trabalhos também. E quanto a você, Mio? Mio?

Kintarou voltou seus olhos para Kawano e se surpreendeu que ela estava em seu próprio mundinho, sussurrando coisas como “senpai”, “novo amigo” e “animes”. Por conhecer Mio há anos, essa atitude sempre acontecia quando ela conhecia alguém novo, alguém que poderia virar um amigo otaku.

Na turma deles, Kintarou era o único amigo de Mio, e antes de entrarem na faculdade, era assim no colegial. Por alguma razão que Taniguchi desconhecia, os colegas de turma sempre a ignoraram ou não tinham qualquer interesse na garota de maria-chiquinha.

Apesar de Mio ter interesses limitados, Kintarou achava sua personalidade atraente, não à toa eles viraram melhores amigos. Ele achava injusto que outras pessoas não tenham percebido a verdadeira essência de Mio. Ao menos, ele se sentia aliviado por isso estar mudando aos poucos, com Christopher e com Zethnniyr, apesar dele achar esse último preocupante.

— Já chega de pensar nisso — disse Kintarou, antes de dar um pequeno peteleco na testa de Mio.

— Ai! Essa é a terceira vez que você faz isso hoje!

— Não tenho culpa se você está no seu próprio mundinho.

— Você me paga! — Mio acariciou a testa suavemente, um beicinho se formando em seus lábios. Ao perceber que Christopher olhava para os dois com uma expressão risonha, ela voltou aos seus sentidos e lembrou do que estavam falando. — A-Ah, sim, eu posso te ajudar também, vou dar o meu melhor…

— Muito obrigada desde já! Sabia que podia contar com os dois. Vocês têm algum compromisso hoje? Que tal passarmos essa noite juntos? Vamos nos conhecer melhor, conversar e nos divertir!

— Oh, é uma boa ideia. O que você acha Mio? — Se assustou novamente com a expressão de Mio, só que dessa vez ela estava com uma cara rabugenta.

— E-Eu ia maratonar alguns animes hoje…

— Esquece o que ela disse. Ela vai sim!

— Legal! Podemos ir ao fliperama, que tal?

— Agora sim isso parece divertido!

Mio recebeu o seu quarto peteleco naquele dia, mais um resmungo foi proferido pela garota de maria-chiquinha. Ela não esperava que Christopher fosse convidá-los para sair, mas saber que iria ser em um lugar onde tem diversos tipos de jogos a deixou mais animada.

E assim, os três jovens saíram da faculdade e foram rumo ao fliperama. Felizmente, o fliperama não ficava muito longe de onde eles estavam, então poderiam ir andando tranquilamente. Foi uma caminhada de 20 minutos para chegarem, e como estavam conversando enquanto caminhavam, deu a impressão de que chegaram bem rápido ao local.

O fliperama estava bem cheio, tinha muitas pessoas que estavam ali para conferirem os novos lançamentos, e Mio se incluía nessas pessoas, ela já tava babando só de ver os outros jogando. Desde clássicos dos anos 80 e 90 até jogos mais modernos e de realidade virtual. Eles fizeram uma pequena roda a fim de discutir o que jogariam. 

— Então, o que querem jogar? 

— Tem a opção de jogar todos? 

— Tem dinheiro aí?

— Chato! — A garota cruzou os braços e fez um bico, fingindo estar brava. — Já que Christopher nos convidou, ele pode escolher o primeiro jogo.

— Eu gosto daqueles em que tem que acertar algum alvo, tipo basquete. — Levantou suas mãos e fez um movimento de arremesso, como se estivesse segurando uma bola.

— Logo o tipo em que não sou boa… Minha mira fora dos consoles não é das melhores… 

— Mio, não estamos aqui para fazer só suas vontades. Todos nós vamos escolher.

— Vamos, pessoal, vai ser divertido!!

Os três jovens procuraram por aquele típico jogo de acertar bolas de basquete na cesta. Não demorou muito para encontrarem, então o grupo decidiu que quem começaria o jogo seria Mio, pois ela queria logo acabar com seu sofrimento. 

Na tela, apareceu a palavra “start” e posteriormente os segundos, indicando o início do jogo. A garota de óculos não perdeu tempo, começou a jogar as bolas rapidamente. Mas como o esperado, sua mira não era das melhores fora dos jogos eletrônicos, errando a maioria das cestas. Mio chorou internamente do início ao final do jogo inteiro. Mio fez apenas 16 pontos.

Logo, chegou a vez de Taniguchi. Kintarou fez uma expressão bastante séria e começou a arremessar as bolas com velocidade. Assim como Mio, Kintarou também não era muito bom em esportes. No colegial, os dois sempre eram os últimos a serem escolhidos pelo time. Mas diferente da amiga que sempre fingia estar doente, ele dava o seu melhor. Ao total, conseguiu marcar 28 pontos.

— Droga, você fez mais do que eu…

— Eu não fui tão bem assim, mas ao menos ganhei de você. Sua mira é péssima mesmo.

— Vai ficar esfregando na cara?!

— Vocês dois foram muito bem, me faz querer dar o meu melhor também.

— Estou curiosa para ver como você vai se sair, Christopher.

Christopher tomou o lugar de Kintarou, colocou as fichas e o jogo começou de novo. Ele fechou os olhos e suspirou fundo, para logo depois abrir os olhos e abaixar as sobrancelhas. Sua expressão estava muito séria para alguém que só estava jogando por diversão. Nem Mio ficava tão séria assim quando jogava no coop.

Ele pegava as bolas em uma velocidade impressionante, quase não dava para ver os braços do loiro de tão rápido, arremessava sem errar uma cesta sequer. Os dois amigos ficaram de boca aberta ao ver aquilo, ambos pensaram a mesma coisa: Christopher era incrível.

Não apenas Mio e Kintarou o observavam, logo uma pequena multidão se formou no local, e estavam impressionados, pensando se o loiro era algum deus do basquete desconhecido ou algo do tipo.

Assim que o timer chegou ao zero, Christopher suspirou mais uma vez, fazendo toda aquela tensão ir embora. Ele se virou para os amigos, mas se surpreendeu que não eram só seus veteranos o olhando surpresos, mas uma multidão de pessoas. Ele não entendeu o motivo da comoção — e nem quis questionar —, então resolveu só dar um sorriso forçado.

— C-Christopher, olha quantos pontos você fez. — Mio apontou para a tela do jogo, fazendo o loiro se virar. — Você fez 150 pontos!

— Cara, é a primeira vez que vi alguém fazer tantos pontos nesse jogo. 

— Sério?! Eu não olhei os pontos enquanto jogava…

— Foi uma derrota total, nem dá pra competir. Vamos jogar outra coisa. Temos fichas sobrando.

Kintarou deu de ombros, depois colocou as mãos dentro da sua calça e saiu de perto dos amigos. Christopher, vendo que a multidão havia se dispersado, resolveu seguir Taniguchi, ainda incrédulo que uma pequena partida fez tanta comoção.

Mio foi a única a ser deixada para trás. Ela olhava o monitor do jogo com uma expressão confusa e ao mesmo tempo surpresa. Em toda sua vida, nunca presenciou alguém fazer uma pontuação tão alta, mesmo aqueles que eram bons no basquete. Mio pensava que Christopher poderia estar no livro dos recordes por fazer tantas em tão pouco tempo. Para ela, isso foi um evento surreal.

“Surreal, é…?”, uma palavra que antes ela via muito em animes e mangás, onde personagens se encontravam em situações que nunca aconteceriam na vida real. Mas essa palavra cada vez mais se tornou parte de seu cotidiano assim que um maou começou a morar com ela. 

E isso a fez questionar as habilidades de Christopher, pois o “surreal” não era mais tão irreal assim.

Zethnniyr uma vez disse que os humanos tinham magia, mas a maioria não sabia usar, pois a magia era bloqueada por não terem despertado. Também havia dito que mais alguém do mundo dele tinha sido teletransportado, e isso explicaria as mortes dos monstros de formas desconhecidas. Zethnniyr não estava sozinho.

Além disso, o loiro estava usando uma espada diferente na primeira vez que se encontraram. Christopher definitivamente tinha magia para ter feito algo daquele nível. Todos esses fatos fizeram Mio realmente acreditar nessa possibilidade. 

Apesar disso, Kawano não ficou com medo, pois Christopher não aparentava ser alguém que faria algo maléfico. Ele a salvou e foi muito gentil quando se reencontraram, então ela sentia que o loiro era alguém confiável, decidindo não questioná-lo sobre por ora.

Enquanto isso, Kintarou percebeu que a garota de maria-chiquinha havia ficado para trás, perdida em seus devaneios. Ele já estava acostumado em vê-la em seu próprio mundinho. 

— Mio!! O que você está fazendo? Vem logo!

— Estou indo!

Mio finalmente saiu de seu transe e voltou a acompanhar seus amigos, andando com os rapazes lado a lado. Por mais que aquilo tivesse a deixado pensativa, fez o máximo para apenas aproveitar os jogos.

 

 

Ilustração especial feita por Hythan!

 



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