Volume 3

Capítulo 1

Eu dou uma olhada no relógio em meu pulso esquerdo.

Uma semana se passou desde as provas, hoje é Quarta-feira, 19 de Dezembro. Apenas mais dois dias de escola antes que minhas férias de inverno começem oficialmente. Até agora, todas essas férias longas que tive, eram desagradáveis, pois eu não podia ver a pessoa que eu amo. Mas agora é diferente, eu posso vê-la quando eu quiser. Esse é o nosso relacionamento atual.

Hoje, depois de me despedir de Marika, eu passei em uma livraria em frente a estação na minha volta para casa. Ultimamente, eu costumo comprar mangás Yuri nesta loja, e me agrada ver que eles possuem uma vasta variedade de opções.

Eu sou uma pessoa bem simples quando se trata de compras. Decido de antemão o que eu preciso comprar, pego e pago, simples. Talvez esta noite eu passe o tempo com essas novas publicações. Recentemente, percebi que a quantidade de histórias Yuri publicadas aumentou significantemente, então tenho altas expectativas.

Falando em altas expectativas, eu convidei Matsukawa Chisaki e Mitsumine Yume para a festa de Natal. Ambas ficaram muito empolgadas e se comprometeram a ficar até bem tarde.

Matsukawa-san e eu passamos a nos conhecer melhor com o tempo. Mais especificamente, desde quando descobrimos que tínhamos alguns interesses iguais, nós começamos a compartilhar nossos pensamentos. Ouvir a Matsukawa-san divagar, fofocar e elogiar sua namorada é deveras interessante. Eu também gosto de sua personalidade honesta e despreocupada.

Marika me disse que também convidou Enomoto Sae para a festa. Bom, acho que Marika pode fazer o que bem quiser.

Enquanto estava a caminho da estação, algo brilha no canto do meu olho repentinamente, numa loja de roupas. Eu paro e viro a cabeça para ver os manequins expostos na vitrine. Uma marca de roupas femininas que normalmente não dou muita atenção, mas é tão atraente e fofa.

(…Isso ficaria ótimo na Marika.)

Ultimamente, eu passo mais tempo pensando no que ficaria bom na Marika do que em mim mesma. Toda vez que passo por uma loja, eu me pego imaginando um modelo de Marika e criando incontáveis padrões de roupas para ela na minha cabeça. Incluindo as íntimas, é claro. A parte mais importante não pode faltar.

(Me pergunto se o meu sonho de me tornar uma estilista vem de lugares assim. Mas… eu teria interesse em desenhar roupas para outra pessoa que não fosse a Marika?)

Eu sei que Marika é fofa só de pensar. Porém, na realidade, o corpo de Marika é ainda mais adorável. É uma das sete maravilhas de Marika.

De repente, meu celular vibra, é uma ligação.

Poucas pessoas me ligam. A mais frequente é a Karen-san, nós costumamos falar sobre o trabalho. Eu fui até o fim da calçada para ter certeza de não bloquear o caminho de ninguém.

E então puxei o celular para ver quem está me ligando.

É a Marika.

Normalmente, eu ficaria feliz da vida em atender, e monopolizar aquela voz adorável só para mim. Mas dessa vez, eu sinto algo inquietante em meu peito.

Meu sexto sentido costuma ser bem preciso, especialmente quando se trata da Marika. A noite na qual eu a salvei da tesoura mortífera da Enomoto-senpai ainda é clara em minha mente.

Estou com um pouco de medo, mas apesar disso eu atendo a chamada.

“Alô?”

“Ayaaa…”

Minha respiração cessa por um momento, como se tivessem me banhado com água gelada.

Marika solta um leve soluço.

“Marika, o que houve?”

“Minha mãe… minha mãe foi…”

“Eh?”

Eu engoli seco e passei a escutar tudo minuciosamente. Pelos barulhos ao seu redor, e vozes chamando pelo próximo paciente para ser examinado, ela está… no hospital?

As palavras de Marika, seus soluços, e um hospital…

Estou com um mal pressentimento.

Eu tento mover minha boca travada.

“Em qual hospital você está, Marika? Estou indo.”

“Eh… M-mas… Aya…”

“Estou indo.”

“Uhm, tá… S-sinto muito…”

“Tudo bem, você é minha namorada.”

Enquanto tento soar o mais gentil possível, a respiração fraca de Marika do outro lado da linha aperta o meu peito. Eu cerro meus punhos e sussurro.

“... Eu te amo, Marika.”

“O-obrigada, Aya… Eu também… te amo… muito…”

Eu desligo meu celular e chamo um táxi fora da estação. O hospital que Marika me falou fica apenas a três estações daqui, então devo chegar lá em breve. Não importa o quão longe seja, se for pela Marika, eu irei a qualquer lugar do mundo.

Dentro do carro, eu tento acalmar meu coração acelerado. Eu achava que era mentalmente mais forte que os outros. Mas sempre que eu imagino o pior cenário possível, a náusea se torna incontrolável. Sinto como se alguém tivesse derramado cimento em meu estômago.

(Mas, com certeza Marika está sofrendo muito mais que eu agora… Tenho que ser forte.)

Eu desesperadamente forço meu cérebro a pensar no que devo dizer, mas é tão difícil quanto encontrar uma estrela especial em meio a toda Via Láctea. No fim, estou ciente de que não sou nada mais do que uma estudante de ensino médio.

Eu começo a pensar na Karen-san. Se ela estivesse aqui, o que ela faria?

Não consigo imaginar o que ela faria, mas sei do que ela é capaz. Assim como ela é habilidosa em usar o agitador com uma técnica meticulosa e delicada, ela com certeza seria capaz de acalmar Marika sem dificuldade alguma.

(Eu não consigo fazer o mesmo…)

O fundo dos meus olhos começam a queimar. Eu fiquei com muito ciúme quando Marika não falou comigo sobre a Enomoto-senpai. Mesmo que apenas por um momento, eu senti uma rivalidade entre Karen-san e eu, apesar de infundada. Porque eu quero ser a única que pode ajudar a Marika, mais do que qualquer pessoa.

Porém, isso é o que acontece quando ela me pede ajuda.

Eu não sei se me sinto frustrada, patética, ou triste. Essas emoções se agitam dentro de mim.

(Isso não é bom.)

Eu mordo meus lábios para impedir que as lágrimas escorram. Eu rapidamente enxugo meus olhos com um lenço. Enquanto uso o delineador, eu ganho ânimo, afinal eu não quero parecer fraca na frente da Marika.

Ao chegar no hospital, eu pago 2,460 ienes para o motorista e saio do carro. Eu respiro fundo antes de entrar.

(Está tudo bem…)

Eu levanto a cabeça para ver o enorme prédio na minha frente e começo a andar.

Eu passo pela porta automática. A primeira pessoa que me chamou os olhos foi uma garota que parecia desconfortável usando um uniforme de marinheira na frente do balcão de recepção. Suas costas parecem tão pequenas e frágeis, como se ela fosse se desfazer a qualquer momento.

No momento que vi o nervosismo em seu rosto, eu hesitei. O que vou dizer quando me aproximar? Esse pensamento me amedronta. Sinto como se fosse perder o sentido da minha vida.

Mas ainda assim, eu respirei fundo e dei o primeiro passo.

Até agora, Marika me deu tantas coisas que eu nem consigo contar. Não é como se eu devesse a ela. Mas eu quero retribuir a sua bondade. Então, dessa vez, deixe-me ser o seu apoio.

“Marika.”

Ela olha para trás surpresa.

“A-Aya…”

Ainda há lágrimas em seus olhos.

Eu corri e agarrei sua mão. Ela está fria.

“Sua mãe…”

“Sim…”

Ela acena enfaticamente. Cada movimento de Marika faz o meu coração saltar.

Eu tento manter a calma. Eu sempre fui boa em lidar com situações inesperadas como esta. Depois de muito nervosismo, quando estou em uma situação onde não tenho escolha a não ser agir, eu crio coragem.

Por outro lado, a voz de Marika soa fraca enquanto ela começa a soluçar.

“Honestamente… Eu sou tão, mas tão idiota…”

“…”

Eu seguro as mãos de Marika e aguardo ela falar.

Não importa o que seja, eu estarei ao seu lado e serei o seu apoio.

Pois Marika precisa de mim.

E finalmente, depois de um longo silêncio, Marika diz algo.

“O doutor disse que minha mãe tem pedra na vesícula.”

“Umm…”

Pedra na vesícula...?

“Ela passou por uma cirurgia para remover a pedra da vesícula biliar, mas… ela terá que ficar no hospital por uma semana a partir de hoje. Então eu não poderei ir para a festa de Natal com você e comemorar o seu aniversário… Aya, o que eu faço…?”

“Eh?”

Eu não pude evitar de respondê-la com outra pergunta.

“Pedra na Vesícula? Biliar?”

“Sim, ela ficará no hospital por uma semana… até o dia 26… e meu pai não está em Tóquio, então ela não pode ficar em casa…”

“…”

Eu faço uma cara complicada e fico em silêncio.

O processamento do meu cérebro não está acompanhando tudo isso. Eu tento organizar cada palavra do que Marika disse e começo a filtrar.

Então… a mãe dela está bem? Então basicamente, Marika não poderá ir ao encontro porque a mãe dela passou por uma cirurgia?

Ah, entendi…

“Marika.”

A voz saiu mais profunda do que eu imaginei.

“Aa… Sinto muito, Aya… Mesmo eu tendo prometido… Me perdoe…”

“Não perdoo.”

“Uwaa!”

Eu suspiro na frente de Marika que começa a chorar.

Uma sensação de futilidade pesa em meus ombros. Eu quero chorar. Você sabe o quanto eu me preparei para vir aqui…?

Mas, fico feliz que esteja bem, Sogra…

 

***

 

Depois de um tempo, eu finalmente me acalmei e comecei a explicar a situação brevemente para Aya no saguão do hospital.

“Eu costumo pedir para minha mãe me buscar na estação nos dias em que volto tarde para casa, porque ela acha perigoso andar sozinha à noite… Então quando minha mãe não está em casa, eu tenho que voltar para casa bem cedo. Ou seja, eu não poderei ir para a festa e nem ter encontros até tarde com você…”

“…”

Aya ainda está segurando minha mão e se mantém em silêncio. Ugh… Ela ainda está brava…

“Após a cirurgia, meu pai veio nos ver e me perguntou se eu ficaria bem morando sozinha. Mas ele é muito ocupado com o trabalho, eu não posso forçá-lo a ficar em casa por minha causa.”

Na verdade, ele até me perguntou se eu queria ficar em Hokkaido nesse meio tempo. Mas mesmo assim, eu não posso ir, pois eu tenho a escola e o meu trabalho.

“Tudo bem, Marika…”

Aya se senta no banco e gentilmente acaricia minhas costas. Aah, eu acho que vou chorar de novo…

“Não há porque chorar, Marika. Nós ainda podemos ir a encontros de dia. Não tem jeito, afinal é uma situação familiar.”

“Uhum…”

Eu não consigo parar de chorar. Aya me deixou descansar a cabeça em seus seios… Mas depois de alguns momentos, eu sinto que estou fazendo algo errado. Aliás, estamos em um hospital…

“Sinto muito… De repente eu entrei em pânico sem motivo e acabei te envolvendo.”

Eu abraço minha mochila em meu peito e murmuro em tom de auto-desprezo.

“Você me disse que todos os 365 dias do ano são especiais, mas como é o nosso primeiro Natal e seu aniversário, eu queria muito ficar com você, Aya… Não adianta reclamar desses imprevistos, mas me sinto tão frustrada e perdida…”

Eu não sou boa em quebrar promessas. Não importa a desculpa, eu me sentirei mal…

Eu não odeio fazer isso, eu só não sou boa. Eu não me importo muito quando alguém quebra uma promessa comigo, mas quando sou eu quem o faz, isso me deixa extremamente desconfortável. Tenho certeza que a razão principal disso, é por eu sempre pensar que “se eu não for, ninguém vai se divertir!”.

Mas na realidade, o colégio funcionaria normalmente, e não haveria nenhuma mudança drástica por conta da minha ausência. Mas eu sou boa em compreender o clima, por isso ganhei o meu lugar no colégio. E não quero que mais ninguém tome esse título de mim. Haa… eu e o meu ego…

Eu sou tão problemática… Eu nunca imaginei que algum dia eu choraria na frente da Aya dessa forma…

Eu acho que meus sentimentos ficam mais fortes que o normal quando se trata da minha primeira namorada, Aya. Eu pensei “Eu com certeza a farei feliz!”, mas no fim, meu entusiasmo saiu pela culatra.

Eu sou um fracasso… Aya deve estar muito frustrada…

“É verdade, eu não amadureci nem um pouco… Eu achava que conseguiria lidar melhor com essa situação… Mas a única coisa que consigo fazer é chorar… Eu sou uma decepção…”

“Isso não é verdade.”

Aya balança a cabeça.

“Não importa se você mudou ou não, mas sim o seu desejo de mudar. Isso também é importante… Eu não consigo fazer nada quando uma situação incomum como a sua acontece…”

“Ugh…”

Quando ela me vê apertando meu peito, Aya de repente profere palavras quentinhas com uma voz gentil, “Mas quer saber?”

“Refletir e se preocupar sobre coisas assim… Eu acho muito importante. Porque quanto mais você se preocupa, maiores serão as chances de você agir diferente no futuro quando algo semelhante acontecer, não acha?”

Aya…

“‘Que pomposo da sua parte dizer isso’, é o que está pensando, né?”

“Hmm… Jamais pensei isso.”

Eu sorrio levemente.

“Quando é Aya quem diz essas palavras, elas soam muito convincentes."

“Não é?”

Eu fiquei feliz de ouvir aquelas palavras encorajadoras.

“Por isso… Não se preocupe tanto comigo, está bem?”

“Será um pouco difícil, mas… Tentarei ao máximo.”

Eu sei que Aya quer estar ao meu lado e me ajudar, então eu tentarei correspondê-la. Mas tenho certeza que depois de um período, a culpa por não ter estado com ela em seu aniversário irá me corroer por um bom tempo.

Como ela mesma disse, eu tenho vivido com a mentalidade de amadurecer por muito tempo, levando à extrema frustração quando as coisas dão errado. E finalmente me dei conta, de que não me tornarei uma adulta da noite pro dia. Então, por mais que seja difícil, a partir de agora, eu tentarei não pensar nesse assunto.

“Sinto muito mesmo pelos meus pais, eles se preocupam demais. Eu não me importo de voltar para casa sozinha à noite, mas são as regras da minha casa… Mesmo eu dizendo que pagaria um táxi com meu próprio dinheiro, eles não permitem… Uma segundanista de ensino médio que tem um toque de recolher, que vergonha…”

“Não, seus pais estão absolutamente certos.”

Ah, não. Eu esqueci que Aya tem uma mentalidade superprotetora ainda maior que a dos meus pais. Normalmente, ela estaria do meu lado, mas se for pela minha segurança, mesmo que ela se vire contra mim, ela irá concordar.

“Eu sabia que você diria isso… Mas, fala sério…”

Eu sei que isso é importante, mas não sou mais uma criança…

“Eu entendo que este será o nosso primeiro Natal juntas, mas tudo bem. Para mim, passar o resto do ano ao seu lado é muito mais importante.”

“Hm…”

Eu sei que essas palavras não são apenas de consolo… Mas eu queria ter um encontro longo, bem longo com a Aya.

“Uhum, certo.”

Eu cerro meus punhos e me levanto.

“Tentarei falar com minha mãe de novo mais tarde. Afinal, eu já passei uma noite em um hotel antes, então eu irei persistir e tenho certeza de que ela vai concordar.”

Isso mesmo, eu não posso apenas desistir. Se o poder de Aya é se esforçar e ser perseverante, o meu é ser otimista e não ser facilmente desencorajada.

Eu consegui boas notas nas provas, então tenho todas as armas necessárias. Eu direi que irei ajudá-la quando precisar e que mesmo sem ela, eu posso me virar, então não precisa se preocupar.

No entanto, o fator mais preocupante nisso tudo, é que minha mãe tem uma habilidade comunicativa até melhor do que a minha… Mas, quem não arrisca, não petisca!

“Nós ainda temos uma semana até o Natal! Eu tentarei todos os dias! Todas as estratégias possíveis!”

Usarei de qualquer meio que eu puder.

Então Aya parece ter pensado em algo.

“Tentará de tudo, é… Ei, qual é o número do quarto da sua mãe?”

“Eh? Por que pergunta?”

“Eu gostaria de confirmar algumas coisas.”

“Hmm… Sala particular, número 203, com uma placa do lado de fora escrito ‘Sakakibara Satomi’. Ela e eu somos parecidas, então você deve reconhecê-la logo de cara.”

Aya parece estar em choque. Não, sua expressão não mudou, mas ela parece estar assim.

“Marika… No futuro… Como ela será…?”

Hm… Por que está dizendo isso com essa cara…?

“Você não se apaixonaria pela mãe de alguém, né?”

Eu olhei para ela com olhos afiados.

Bom, acho que se eu visse a mãe da Aya, eu ficaria tipo, “Nossa, que gata… (pisca)”.

“É mesmo! Eu tenho que ir lá em casa agora. Pegar algumas mudas de roupas, e fazer outras coisas…”

Parece que minha tia virá me ajudar quando terminar o trabalho. Mas apesar disso, eu tenho uma lista nas anotações do meu celular cheia de coisas que minha mãe pediu para eu levar para o hospital. Uma lista enorme dessas deve ser o suficiente para uma semana. Ela não pensa em como eu devo me sentir?

“Você vai voltar para cá?”

“Sim, mais tarde. Aliás… Me desculpe tê-la feito vir até aqui.”

“Tudo bem, eu voltarei mais tarde.”

“Ah… é mesmo?”

Espero não tê-la preocupado demais. Quer dizer, claro que a preocupei, chorando daquele jeito.

Essa foi a primeira vez que chorei tanto na frente da Aya… Ai, que vergonha! Minha maquiagem deve estar um horror agora! Tenho que arrumá-la quando chegar em casa!

“N-não se preocupe, eu já estou calma. Está tudo sob controle, eu posso fazer isso sozinha.”

“Não, tudo bem, são assuntos pessoais.”

O que quer dizer com “assuntos pessoais”? Você tem algum motivo para voltar ao hospital? Eu achava que a clínica ambulatorial estava fechada. Ou será que… ela gostaria de visitar alguém no hospital?

“Bom então, até mais tarde.”

“Até.”

Eu tive que me separar de Aya, que estava ocupada com seus próprios assuntos…

Tinha quase certeza de que ela diria, “Deixe-me ajudá-la” e vir comigo até minha casa… Não, eu não me sinto solitária nem nada assim…

Sozinha… Eu suspiro novamente.

Eu estarei vivendo sozinha por uma semana a partir de hoje, uma oportunidade perfeita para estirar minhas asas para a vida adulta, mas eu não entendo… Por que isso tinha que acontecer logo agora…?

Eu vou e volto entre a minha casa e o hospital com um suspiro de frustração.

Depois de trazer tudo o que precisava, me dei conta de que haviam se passado duas horas. E quando vou até o quarto da minha mãe no hospital, eu vejo a figura de alguém… Aya!

POR QUÊ!?

Eu me escondo ao lado da porta e tento espiar.

Se isso se tratar de algo como ‘minha namorada tem um caso com a minha mãe’, acho que terei uma crise de choro ainda pior. Eu não a ameaçarei, mas irei chorar ao ponto de partir seu coração!

As duas estavam olhando para uma câmera portátil.

Hmm? Eu acho que já vi aquilo antes…

AH! É a mesma câmera que ela usou para gravar aquele vídeo indecente!

“Aya!?”

Eu gritei.

“O que você está fazendo!?”

“Só porque esse quarto é particular, não significa que você possa ser tão barulhenta, Marika.”

“Que história é essa!?”

“Ela tem razão, Marika. Ela está me mostrando algo muito interessante.”

“Não, não, não, não, e não!”

Deu um branco na minha cabeça e todo o meu corpo começou a tremer.

Ei, o que você pensa que está fazendo, mostrando à mãe da sua namorada um vídeo pornô dela e conversando sobre? Com que cara eu vou olhar para ela amanhã? Que pecado você me fez cometer!?

Eu me intrometo entre as duas. E quando olhei para a tela da câmera, o que estava tocando não era um vídeo amador de duas garotas transando.

“Eh…?”

Eram um homem e uma mulher vestindo hakama, se encarando em um dojo de tatame.

Eu congelo por um tempo e então pergunto, “O que é isso?”

“Aya-chan me disse que é faixa preta em aikido. Ouvi dizer que é raro alguém da idade dela chegar nesse nível. E diferente do aikido normal, a escola onde ela treina é cheia das lutas ‘BAM BAM’, então ela é bem forte.”

Por algum motivo, as palavras cheias de empolgação da minha mãe entram pelo meu ouvido direito e saem pelo esquerdo.

Demorei um pouco, mas acabei entendendo o que ela quis dizer. A garota no vídeo é deslumbrante. Com seus cabelos claros presos em um coque, ela parece diferente.

Isso é algum tipo de jogo…? De vez em quando a câmera balança, como se fosse uma gravação de um jogo de luta.

Aya já tinha me falado sobre isso antes. Supostamente, Aikido é uma arte marcial na qual as pessoas competem com sua técnica, e não com força. Mas Aya estuda em um dojo do estilo Shura, no qual eles enfatizam a habilidade de agarrar o adversário e pressioná-los contra o chão. Por isso o aikido dela não é normal.

Inclusive, Aya não tem nenhuma outra memória do seu passado além de ir para o colégio, estudar, ir para casa e praticar aikido. Quando perguntei o que ela fazia quando era mais nova, ela me disse “Estudar e treinar.

Eu fiquei um pouco chocada quando ela me respondeu. Digo, a infância dela não parece a de um garoto treinando secretamente em um campo de refugiados?

Nesse período, os mangás yuri que ela lia no tempo livre eram sua única fonte de conforto, e ela se dedicou a fundo nesse hobby. Parece que quando lia mangás yuri, seu coração aquecia.

Quando escutei isso, eu pensei, “Isso é o começo de um filme estrelando uma assassina?

Bom, não que eu tenha uma opinião sobre isso.

“Mas por que está mostrando isso para a minha mãe direto da câmera? Não podia projetar a imagem na TV?”

“Eu estava com pressa.”

Isso foi uma explicação para a segunda pergunta, mas não uma resposta para a primeira, né?

Enfim, eu fiquei curiosa, então eu me esforcei um pouco para ver o que estava tocando naquela pequena tela. Com um olhar sério em seu rosto, Aya agarra o homem duas vezes maior que ela e aplica-o uma técnica.

Ela arremessa seu oponente no chão, causando um barulho bem alto.

Aya mantém sua expressão calma, e então outro oponente surge para desafiá-la, ele também é derrubado, e outro toma seu lugar. Como assim? Minha namorada é invencível?

Essa é a primeira vez que vejo Aya lutar de verdade, e não é só legal, mas também bonito!

Seus movimentos são rígidos, porém fluidos como os de um predador daqueles documentários, que nunca falham em prender a atenção.

Enquanto assistia ao vídeo, eu não sabia o que dizer.

“Como pode ver, eu tenho experiência em artes marciais.”

A atmosfera ao redor de Aya não era aquela suave e gentil, mas sim fria e distante.

Seu rosto fica até mais lindo.

“Verdade, mas o que tem isso?”

Minha mãe faz um sorriso forçado.

“Você é a garota com quem Marika viajou para as fontes termais e passou a noite junto, não é, Aya-chan? Ela deve se sentir grata e sortuda.”

Do que elas estão falando? Digo, parece que eu estou envolvida no assunto. Mas eu ainda estou confusa do porquê Aya conversaria sobre algo que não envolve diretamente a minha mãe…

“Então… O que acha…?”

Apesar de parecer firme, eu pude sentir o nervosismo de Aya.

“Tem certeza de que está bem com isso? Não será tão fácil quanto parece.”

“Tudo bem, estou acostumada a morar sozinha.”

As duas continuam a conversa, me deixando de lado. Alguém pode me explicar o que está acontecendo?

“Hmm, entendo. Mas por favor, me passe o contato de seus pais antes, está bem? Eu terei uma pequena conversa com eles. Se os dois lados concordarem, então ótimo. Deixar Marika sozinha em casa também era bem preocupante. Obrigada.”

“Eu que agradeço.”

Aya parecia estranha quando pegou o celular e começou uma ligação. Desde 2014, fazer ligações telefônicas em quartos de hospitais é permitido, desde que não incomode os demais pacientes. Como estamos em um quarto particular, então tudo bem.

Aya passa o celular para a minha mãe. A conversa acaba num instante. Minha mãe então devolve o celular para Aya, porém com uma expressão complicada em seu rosto.

“Seus pais concordaram.”

“Eh, é sério!?"

O rosto de Aya brilha enquanto ela se inclina em direção a minha mãe. Minha mãe suspira e faz um sorriso irônico para Aya.

“Mas deixe-me dizer isso, Aya. Não importa o quão confiante em suas habilidades você seja, as pessoas são imprevisíveis. Então me prometa que será cuidadosa, está bem?”

“Sim, muito obrigada!”

Aya curva sua cabeça bem baixo como forma de gratidão. Embora eu não tenha ideia do que esteja acontecendo, eu sinto que deveria aplaudir e celebrar. E então, Aya coloca suas mãos em seus seios e começa a falar algo que soa como um juramento.

“Mas eu sei que aikido não é uma técnica para derrotar meus oponentes, e sim uma habilidade para proteger a mim mesma e a minha dignidade. Felizmente, eu não pretendo desviar desse caminho.”

Ver a Aya falando algo tão responsável, é tão inacreditável que me dá vontade de apertar minhas bochechas para voltar a realidade, mas eu sei que vai doer.

“Muito bem. É um prazer trabalhar com você. Mas, eu ainda preciso consultar a Marika.”

“Sim, isso mesmo. Do que vocês estão falando?”

“Eu protegerei sua filha, então conte comigo.”

“Eu perguntei… Do que vocês estão falando?”

Ela está tentando me pedir em casamento? Senão, qual é o sentido de envolver a filha numa conversa sem motivo? Isso não é um casamento político do período dos Estados Combatentes.

E então, minha mãe me declara algo com um olhar severo.

De certa forma, senti um choque semelhante ao de um pedido de casamento.

“Marika, a partir de hoje, Aya-chan ficará em nossa casa e te fará companhia. Tenho certeza de que está animada com isso.”

“……………………..Eh?”

Eu congelei.

Eu olho para Aya e a vejo olhando diagonalmente com um senso de dever em seu rosto. Espera um minutinho.

Aya e eu… iremos morar juntas… por uma semana… a partir de hoje…?

Eu solto um grito que soa como se tivesse atravessado o teto e ecoado pelo universo.

“EEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEH?!”

 

***

 

“Eeh?”

Aya está parada na porta da minha casa com um rosto inexpressivo. O som alto da Bolsa Boston colidindo com o chão me traz de volta a realidade. Hah… minha cabeça estava nas nuvens. Eu não consigo me lembrar de nada antes de eu voltar do hospital.

“Desde já, desculpe o incomodo.”

Aya, carregando sua mochila do colégio, se curva. Por reflexo eu tirei meus chinelos, parecendo calma por fora, mas alvoroçada por dentro.

Mas… Que situação é essa…?

Eu não consigo mais acompanhar a realidade. Eu sinto como se a primavera, o verão, o outono e o inverno tivessem passado de uma vez só no mesmo dia.

Minha mãe de repente teve de fazer uma cirurgia e ficar uma semana no hospital. Meu pai deixou o trabalho em Hokkaido para vir conversar comigo e logo voltou. E enquanto eu fui até minha casa pegar algumas roupas, Aya conseguiu permissão da minha mãe para… morar comigo?

Não acha que é coisa demais para um único dia?

E este é o resultado.

Foi uma enorme reviravolta. Justo quando eu me sentia frustrada por pensar que meu tempo com Aya seria reduzido drasticamente, agora, por uma semana, nós compartilharemos a mesma comida, mesmas roupas e o mesmo teto.

Aya ainda estava parada na porta me olhando. Com o rosto fervendo ao ponto de sair fumaça, eu também me curvo.

“Embora minha casa não seja nada especial, eu conto com você.”

“Sim, estou ansiosa por isso.”

Espera, por que parece que somos parceiras de negócios? Depois de nos cumprimentarmos, eu a convido para entrar.

“Sim.” disse Aya, levantando sua bolsa ainda sem expressão em seu rosto.

Depois de deixar seus sapatos devidamente na entrada, Aya chega do meu lado e sussurra com um sorriso orgulhoso e compassivo, como se tivesse dado o seu melhor para evitar uma nota vermelha.

“Com isso, seu problema está resolvido, certo?”

É mesmo, agora não há dúvidas de que eu poderei passar o Natal com Aya e comemorar seu aniversário.

Além disso, voltar para casa depois do toque de recolher não será uma preocupação, enquanto Aya estiver comigo.

Não, mais preocupante do que isso, é a situação em si.

Digo, eu vou morar com a Aya por uma semana, não vou?

Isso é perigoso, extremamente perigoso!

E então, a partir desse dia cheio de reviravoltas, nossa empolgante semana morando juntas, apenas nós duas… começa.



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