Um Alquimista Preguiçoso Brasileira

Autor(a): Guilherme F. C.


Volume 2

Capítulo 177: Lua Verde

A primeira visão do Reino da Lua Verde foi estonteante e um tanto inspiradora. Do lugar em que estavam, os viajantes não tiveram a marcante impressão de estarem chegando a um lugar novo, jamais visto em suas vidas. E isso se devia à vegetação que de longe era extremamente similar a encontrada no Império Dourado.

Após se afastarem do rio marítimo, eles haviam entrado numa baía que possuía o acesso mais fácil para chegar à terra firme. O acidente geográfico tinha um formato de meia lua que se destacava em algumas partes. À esquerda, cuja ponta era mais comprida e retilínea do que o lado oposto, o terreno era elevado e coberto por uma vegetação densa. O penhasco, que separava as árvores do mar, era diferente do encontrado em Falésia, pois sua encosta não era tão íngreme e se encontrava coberta de verde.

Avançando um pouco mais e indo em direção ao centro da baía, que do ponto mais amplo apresentava quase um quilômetro de distância, notava-se que a formação do lugar era composta por um amplo espaço pedregoso que se estendia para dentro da água. A praia de verdade começava a partir do centro do acidente. Mas, mesmo lá, a superfície ainda era coberta por pedras e as ondas mais agitadas.

Entretanto, deslocando-se mais para à direita, quase no lado oposto, bem no lugar em que ficava a curva para um dos braços da meia lua, encontrava-se uma praia composta por areia branca, mas que se encontrava ocupada por um ancoradouro composto por três rampas de ancoragem que se alongava para dentro do mar e contava com espaço para dezenas de embarcações de pequeno e médio porte, até mesmo algumas um pouco maiores. E foi essa visão que encantou os visitantes.

Comparado a esse, o porto em Falésia era simples, precário e pobre. Amparado por essa nova perspectiva, a estrutura lá presente não parecia apta a receber o trabalho diário de pescadores ou viajantes. Além do mais, o número de embarcações, ali na baía, era inconfundivelmente maior.

O ancoradouro se encontrava repleto de barcos, com quase metade de suas vagas ocupadas. No entanto, o mais extraordinário era o incrível número de veículos marinhos trafegando pela baía no momento em que o grupo chegou. Ali havia embarcações de todos os tamanhos, desde navios duas vezes maior do que o “Rosa Azul”, até pequenas canoas com espaço para uma única pessoa.

Em um canto, um pesqueiro arrastava uma rede longe das pedras à esquerda. Por outro lado, o ambiente pedregoso pareceu ideal para uma mulher em caiaque que mergulhou em meio às ondas agitadas com um arpão nas costas e um saco de pano preso na cintura.

Tudo aquilo, toda a composição da cena, desde a água mais esverdeada, do formato envolvente da baía que era mais ampla no centro, até o tráfego das embarcações, encantou os visitantes que vinham a convite de Masao. Mesmo Ning, que já havia testemunhado centenas de paisagens semelhantes, ficou admirado. Por um segundo, o Ancião Qiao esqueceu suas preocupações. E Corina se esticou na ponta dos pés sobre a proa para que pudesse ter uma visão mais ampla do local.

Xiao Shui também estava bastante admirada com tudo aquilo. Ela correu de um lado para o outro do convés, contemplando tudo o que seus olhos conseguiam alcançar. Lamentou o fato de seu pai e irmão não estarem ali, pois tinha certeza que nenhum dos dois jamais havia estado naquele reino. Entretanto, pensar que era a única da família a testemunhar tal visão também a deixava empolgada, já que quando voltasse para casa se gabaria para todo mundo.

Por alguns instantes, ela ficou muito agitada. Contudo, quando levantou a cabeça para estudar a paisagem ao fundo da praia, notou o primeiro sinal de que ali perto havia uma cidade, já que depois de um pequeno relevo e atrás de algumas árvores altas, achava-se o teto de algumas construções.

Seja como for, estavam todos empolgados com a paisagem estonteante e animados para desembarcar.

Pouco antes de entrarem na baía, os monstros que rondavam o veleiro, avaliando se era seguro atacar, submergiram e desapareceram. Segundo Masao, as criaturas raramente adentravam aquela região, o que tornava o lugar seguro. Sabendo disso, o capitão ordenou que diminuíssem a velocidade, já que precisaria passar pelas demais embarcações e não queria provocar um acidente.

Rosa Azul navegou sem pressa pela baía e à medida que chegava perto do ancoradouro, viu-se obrigada a desviar de alguns obstáculos. No entanto, o timoneiro demonstrou grande habilidade ao navegar com segurança até o local de ancoragem.

Enquanto passavam pelos demais barcos, Xiao Ning reparou que os curiosos olhavam com atenção para ver quem estava chegando do tão perigoso mar aberto. E ao repararem em Masao, alguns acenavam e cumprimentavam, tratando o comandante de maneira respeitosa. Ele, por sua vez, retribuiu o gesto com certa educação, sem menosprezar nenhum de seus admiradores.

No entanto, o que de fato chamou a atenção do Grã-alquimista foi um pequeno barco com metade do tamanho do veleiro, que não se encontrava estacionado, mas estava esticando uma rede de pesca próxima da praia. A tripulação era pequena, tendo apenas dois membros realizando o trabalho. Porém, o nome na proa, escrita em letras gigantes, se destaca: Mahina.

A embarcação que trazia o desenho de uma lua ao lado do nome, também chamou a atenção do Ancião Qiao, que fez questão de guardar na memória seu formato e sua localização.

Neste meio tempo, Rosa Azul enfim se aproximou do ancoradouro e foi quando sua velocidade atingiu o menor ponto desde sua partida do Império Dourado.

Então, ao reparar a chegada do barco, um homem que estava de pé sobre a ponte mais à direita veio correndo e esticou o braço para receber a corda que foi atirada por um dos tripulantes com o objetivo de prender o veleiro, o que ele logo fez.

Em seguida, âncora foi abaixada, afirmando que Ning e os outros haviam enfim atracado no tão aguardado Reino da Lua Verde.

Quando o barco parou e a tripulação começou a andar de um lado para o outro, preparando-se para o fim definitivo da jornada enquanto guardavam as coisas, Xiao Ning sentiu uma explosão de emoções invadirem seu peito, que passaram desde o nervosismo pueril, até a excitação, curiosidade e o receio de ter chegado a um lugar desconhecido. Pensar que essa era a sua primeira grande jornada após reviver fez seu coração bater mais rápido. A empolgação foi tanta que o viajante do outro período não esperou por autorizações ou coisas do tipo. Assim que o barco parou, ele se pendurou na beirada do convés e pulou para a doca.

Quando o viu deixar a embarcação sem ao menos avisar, Shui tentou impedi-lo. Mas não conseguiu pará-lo a tempo.

Na ponte que ligava a praia ao mar, o preguiçoso imprudente dedicou alguns segundos para admirar os barcos ancorados ao redor. Alguns apresentavam movimento, indicando a chegada e partida de pessoas, mas a maioria estava parado.

Seja como for, Ning não se deixou impressionar por uma imagem tão costumeira e rumou em direção a terra firme. Sua primeira visão ao chegar na praia foi de uma grande agitação que se espalhava em todas as direções. Homens e mulheres andavam de um lado para o outro, carregando caixas grandes e empurrando carrinhos de mão com rodas largas para poderem trafegar pela areia.

As pessoas que iam para as pontes levavam suprimentos, iscas e outras coisas para os barcos que partiriam em uma nova jornada. Em contrapartida, aqueles que voltavam, traziam caixas carregadas de frutos do mar dos mais diversos tipos e que contava com blocos de gelo para mantê-los preservados.

Xiao Ning não deu muita atenção para aqueles que pretendiam reabastecer as embarcações, mas ficou bastante curioso para conhecer os produtos reservados e descobrir para onde eles seriam levados. Em dado momento, ele, que não tinha vergonha de certas coisas, parou um homem empurrando um carrinho e começou a fazer uma série de perguntas à medida que destampava as embalagens         e estudava o conteúdo.

Em um dos caixotes encontrou polvo fresco e o outro estava carregado de camarões. Ambos pareciam terem sido pescados há pouco tempo, pois apesar do cheiro forte, não chegava a ser nauseante.

Com poucas perguntas, Ning descobriu que todos os frutos do mar seriam levados para certos resfriadores que existiam ali perto e mais tarde, durante o anoitecer, eles seriam transportados para a cidade para que pudessem ser vendidos no mercado local na manhã seguinte. Apenas uma pequena parcela era transportada imediatamente para o pessoal da alta-classe.

Em retribuição às informações que recebeu, o Grã-alquimista de cabelo desgrenhado também respondeu algumas dúvidas do homem, que viu a Rosa Azul atracar e ficou curioso.

Após isso, Ning andou ao redor do ancoradouro para conhecer melhor o local. E          uma coisa que ficou clara logo de início era a movimentação intensa instalada ali. As pessoas ocupadas em seus trabalhos corriam para realizar suas tarefas o quanto antes e isso causava um fluxo significativo. Entretanto, não eram apenas os trabalhadores que causavam a agitação.

A alguns metros do ancoradouro, onde a água era mais calma, banhistas aproveitavam o sol forte enquanto relaxavam na beira da praia. Ali não existiam muitas pessoas e todas pareciam um tanto quanto reservadas. Mas os poucos que ocupavam o lugar, divertiam-se sem receio de serem repreendidos.

Xiao Ning aproveitou o momento sozinho para conhecer o lugar e memorizar os rostos cuja fisionomia se distinguia ligeiramente das encontradas no Império Dourado. Entretanto, ele não teve tempo de ir muito longe, pois Shui e Corina chegaram em seguida, acompanhadas do Ancião Qiao e do Comandante Masao.

― É um lugar bonito, não é? ― comentou Ito ao perceber o júbilo do convidado. ― Se quiserem, podemos voltar aqui depois, para vocês se divertirem. Mas a viagem foi longa e cansativa. Devem estar querendo um lugar para descansar.

E quanto a essa última parte, as garotas não tinham nenhuma objeção. Embora elas não tenham ficado enjoadas como o Ancião, a sensação desconfortável de viajar ao lado do “Vazio” permanecia e tudo o que ambas desejavam era um lugar fixo para deitar e descansar.

Por esse e outros motivos, ninguém se opôs à decisão de Masao de encontrar um veículo para levá-los até a capital onde o Xogum ficava que, segundo o comandante, estava localizada a poucos minutos de distância.

O grupo, composto pelos viajantes da distante Cidade da Fronteira do Caos, Ito e mais dois homens, andaram por um caminho de pedras que cortava a areia até chegarem em uma região repleta de quiosques que serviam de ponto de venda de comidas de rua e alguns refrescos.

Chegando lá, um dos sujeitos sob a autoridade do Comandante da Ordem Pública do Reino da Lua Verde saiu para procurar por um meio de transporte. Não demorou muito e ele voltou acompanhado por dois veículos bastante peculiares que despertaram o interesse dos viajantes.

Tratavam-se de duas carroças, sem portas ou paredes laterais, que possuíam dois assentos ― um atrás do outro ― com capacidade total para quatro pessoas. Para proteger os passageiros do sol, havia uma lona amarrada em hastes de bambu que cobria parte do transporte. Contudo, o que mais chamava a atenção era o fato de não haver um cavalo ou outro animal quadrúpede exercendo a força motora do veículo. Quem puxava os carros eram dois homens, vestindo calças escuras, camisas brancas e chapelões sobre a cabeça.

Quando o assim chamado “riquixá” parou em frente ao grupo, Shui hesitou por um segundo em subir, pois parecia errado se aproveitar de uma pessoa daquela maneira. Mas Masao garantiu que estava tudo bem, já que esse era o trabalho escolhido por aqueles sujeitos. Sem falar que, ambos eram cultivadores e puxar algumas pessoas sobre um objeto com rodas não era tão difícil assim.

E apesar de ainda se sentir hesitante, Shui seguiu o resto ao ver que o grupo começou a subir no riquixá. O bando se dividiu em dois grupos. O carro da frente foi ocupado por Masao e seus homens e Ning e os demais ficou no de trás.

Então, quando todos estavam à vontade ― ou nem tanto assim, já que a jovem superprotetora de cabelo azul foi obrigada a dividir o assento com Corina ―, os veículos deram início à etapa final da jornada.

Em outra ocasião, os guias andariam devagar para que os passageiros pudessem aproveitar melhor a vista ao redor. Mas Masao insistiu que eles fossem o mais rápido possível. E embora nenhum dos dois saíram correndo para concluir a viagem, eles passaram a trotar a um ritmo mais acelerado do que o normal.

Em poucos instantes, o grupo deixou os arredores da praia e alcançou uma estrada larga e bem cuidada, composta por paralelepípedos que se encaixavam quase de maneira perfeita, formando, assim, uma via agradável de se trafegar, sem buracos e declínios incômodos.

Daquele ponto em diante, seria uma jornada rápida, sem desvios ou coisa parecida. Apenas uma excursão direta para a capital.

 


Niveis do Cultivo: Mundano; Despertar; Virtuoso; Espirituoso; Soberano do Despertar; Monarca Místico; Santo Místico; Sábio Místico; Erudito Místico.



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