Um Alquimista Preguiçoso Brasileira

Autor(a): Guilherme F. C.


Volume 1

Capítulo 92: Sem origem

Após o fim da disputa, os médicos de prontidão foram logo prestando os primeiros atendimentos às duas garotas.

Quando as coisas começaram a se acalmar e o sangue quente de antes, o qual a impulsionava para frente, esfriou, a dor na mão de Ma Yao Yan voltou duas vezes mais forte, latejando tanto que parecia perto de explodir.

Sua mão, os dedos médio e indicador e parte do pulso estavam tão inchados que refletia a luz das lanternas, brilhando tanto que era como se tivesse jogado óleo sobre. Numa ousadia ilógica, tocou o inchaço de leve, mas o mero ato de tocar bastou para lançar fincadas que fizeram os pelos de sua nuca arrepiarem.

Segundo os médicos, nenhum osso se quebrou de fato, parecia ser uma torção grave e talvez alguma rachadura poderia ter ocorrido. Precisariam averiguar com mais cuidado, porém, era quase certo, algum ligamento tinha se rompido.

Seja como for, ela não poderia participar da próxima rodada.

Quanto a Yu Teegan, não sofreu nenhum ferimento grave, apenas contusões superficiais. Mas, com toda a certeza, os chutes que levou deixaria marcas.

Apesar da batalha acirrada, as duas garotas não guardavam mágoas em relação a conclusão, tanto que foram tratadas e retornaram juntas para o palanque, conversando da maneira mais natural possível depois de terem se agredido, restando, no fim, uma única vitoriosa e uma perdedora.

Entretanto, ainda assim, a frustração e decepção eram perceptíveis no rosto de Yu Teegan. Seus sorrisos viraram nada mais do que uma máscara forçada a qual sempre trazia à tona quando não sabia quais palavras usar. Assim como a maioria dos participantes, também desejava ganhar, mesmo sabendo das próprias limitações. Suas fantasias haviam sido despedaçadas e levaria algum tempo para se recuperar do vexame e voltar à normalidade.

Chegado a conclusão, os preparativos para a próxima batalha tiveram início e logo aqueles que seriam o centro das atenções foram convocados:

― Zhan Hu contra Chen Bohai!

Assim que os competidores seguintes foram anunciados, tornando realidade as expectativas, uma ovação se espalhou pelo público que comemorou, ansiosos pelo que estava por vir. Zhan Hu, sem dúvida alguma, era um dos mais aguardados pelos espectadores.

De fato, sua fama se sobressaia entre os jovens de sua Família. Mesmo Zhan Hao, o único a atingir o Reino do Despertar antes de alcançar a independência da vida adulta, não se fazia tão conhecido quanto Hu, considerado o segundo mais forte entre a nova geração dos Zhans.

O motivo para tamanha comoção não se dava por causa de sua força ― algo que existia e foi responsável por lhe garantir uma boa colocação no último Festival da Geração do Caos. Aquilo que mais fazia suas batalhas serem tão aguardadas era sua Técnica de Combate, uma habilidade misteriosa, única, responsável por apresentar exibições assombrosas e inesquecíveis.

Aqueles que também estiveram no festival passado e testemunharam a execução de tal magnífico fenômeno foram incapazes de apagar as lembranças, ansiosos pela próxima vez que teriam o privilégio de se tornarem testemunhas.

Entretanto, mesmo a euforia de milhares de pessoas não bastou para ofuscar o genuíno entusiasmo de um jovem que sozinho berrou e vibrou mais alto do que qualquer um.

Ao ouvir seu nome sendo convocado, Chen Bohai, um dos integrantes da Fundação Quatro Pilares, agarrado no parapeito, começou a pular e comemorar, com um sorriso exuberante no rosto, pouco se importando se estava chamando atenção dos demais.

― Minha vez, é minha vez! Finalmente é minha vez! ― berrava, saltitando feito uma criança. ― Tá na minha vez de lutar!

Chen Bohai, o garoto mais velho do grupo da Fundação, cujo cabelo se encontrava raspado, deixando apenas uma sombra densa sobre a cabeça, detinha o semblante singelo de uma pessoa humilde. Tornava-se perceptível pelo linguajar vulgar que não tinha recebido uma educação polida durante a infância e julgando pelas vestes remendadas e calças menores do que as pernas, de modo a expor parte das canelas, vinha de uma vida carente, desprovida de privilégios.

Mesmo assim, seja as roupas velhas, emendadas a trapos, a calça curta ou o cabelo mal cortado, nada disso parecia o bastante para encobrir a legítima alegria estampada em seu rosto.

Não querendo perder tempo, assim que seu nome foi chamado, virou as costas e saiu correndo, rumo ao palco. Quando estava para descer as escadas, tendo dificuldades para se controlar, virou-se e acenou, despedindo-se do grupo que fazia parte.

― Eu vou lá, conquistar a minha vitória! ― E antes de receber uma resposta, desceu a escadaria correndo, fazendo toda estrutura tremer.

― Tome cuidado! ― respondeu o outro garoto, dotado de uma expressão perspicaz.

― Boa sorte, filho! E cuidado para não se machucar! ― Apesar de Chen Bohai já ter desaparecido, a mulher de aparência simples, que julgava-se ser uma das responsáveis por vigiar os membros da Fundação Quatro Pilares, despediu-se em um tom melancólico.

Ao seu lado, o homem segurando a garotinha também disse algumas palavras:

― É a vez do seu Gege, vamos torcer por ele. ― Falou colocando a garota de pé sobre o parapeito, de frente para o palco, segurando-a pela cintura.

Chen Bohai se apresentou no palco tão animado quanto deixou o palanque. Feito um campeão saudando seus adoradores, deu uma volta em torno da construção, acenando para o público enquanto mantinha um enorme sorriso no rosto. Mesmo não pertencendo a nenhuma das Famílias, era um garoto popular e os amigos e conhecidos partilhavam do entusiasmo de vê-lo numa posição de destaque.

O padeiro que visitava toda segunda-feira, quando ia comprar o café da manhã da semana, tinha encontrado um bom lugar na parte frontal, depois de lutar pela vaga. Espremido no meio do povo, gritava tentando fazer sua voz ser ouvida:

― Bohai, se você ganhar essa partida, farei um bolo de comemoração!

Ao que foi respondido da seguinte maneira:

― Eu vou cobrar! E vai ser deste tamanho! ― gesticulou o jovem, mostrando a largura e altura que deveria ter o bolo.

Mais afastado, ao lado das vigas de sustentação do palanque, um grupo variado, que aparentava compor uma família, ocupava um péssimo lugar, com visibilidade parcial da arena. Ao ver o representante da Fundação Quatro Pilares subindo no palco, começaram a acenar e chamar por seu nome, desejando boa sorte e citando mais algumas palavras de incentivo.

Quando os viu, apesar de precisar apertar os olhos para ter certeza de suas identidades, Chen Bohai não tardou a reconhecê-los como seus vizinhos; pessoas muito atenciosas e simpáticas. Suas famílias eram bastante próximas e não apenas por residirem em casas emparelhadas; sua mãe trabalhava junto da Sra. Wan na limpeza do Depósito de Cereais Importados, e por causa disso eram grandes amigas.

Mesmo estando sob a mira de milhares de olhos curiosos, ele não havia sido afetado pelo nervosismo e seguiu cumprimentando cada um dos amigos e conhecidos que avistava no meio da multidão. Desfilou pela arena, brincando, sorrindo e se divertindo. Agia como se aquelas pessoas estivessem ali para celebrá-lo. Não era arrogante em sua postura, apenas, espontâneo.

Por fim, após correr para lá e para cá, provocar os juízes dizendo que: se a coisa der ruim, é para entrar lá e salvar o traseiro dele; e gargalhar muito, ele parou no meio do palco e começou a chamar pelo pai, a mãe, o irmão e a irmã, armando uma pequena baderna:

― Pai, mãe, olhem só! Agora eu vou vencer! ― afirmou, confiante nas próprias habilidades. No ano passado também tinha participado do festival; de fato, era o único da Fundação Quatro Pilares presente a participar por dois anos seguidos. Porém, para sua decepção, foi derrotado na primeira rodada. Mas, desta vez, faria diferente.

No palanque, o casal que vestia roupas ainda mais miseráveis do que aquelas trajadas pelos filhos, retribuiu o gesto exprimindo seus mais sinceros sentimentos:

― Boa sorte! Mostra a eles como se faz! Acaba com eles! ― berrava a mãe, balançando os braços, tão empolgada que a luta parecia ser sua. ― Não deixa ele se aproximar por trás! Faz igual a mamãe te ensinou e dá um soco bem no nariz. ― Golpeou o ar, demonstrando a maneira correta de se fazer.

― Tome cuidado para não se ferir. ― O pai limitou-se a dizer, muito embora, a expressão livre de preocupação em seu rosto confirmava a confiança nas habilidades do filho.

― Bolin! ― Chen Bohai chamou pelo irmão. ― É melhor não piscar. Eu vou mostrar como se faz. Ahaha!

― Se perder, o seu nome vai mudar para: Chen Perdedor! ― provocou o irmão mais novo.

Era inegável que a família inteira estava empolgada, entretanto, acima de todos os outros, a mais agitada era a pequenina, que precisou ser segurada forte pelos braços do pai pois não parava de pular e balançar os braços.

― Via lá, Gege! Vai lá, Gege! Acaba com eles! ― dizia ela, com os punhos fechados, desajeitada, desferindo socos no ar, imitando o gesto da mãe.

Ali perto, vendo aquela cena, Xiao Chan olhou de lado e deu um sorriso brincalhão.

― Parece você quando era criança. ― zombou, divertindo-se com a lembrança.

― Eu não fazia isso. ― defendeu-se Xiao Shui, cujas bochechas ganharam um tom ruborizado.

― Ainda faz. ― retrucou-se Xiao Ning, lembrando da birra que ela fez defendendo o irmão há poucos dias.

― Cala a boca! ― ralhou Shui, com uma voz estridente. Ter o irmão envergonhando-a já era o suficiente, não precisava daquele preguiçoso para piorar as coisas.

No palco, Chen Bohai retribuiu o incentivo de sua irmãzinha com bastante entusiasmo, forçando o músculo do braço direito, demonstrando ser uma pessoa forte.

― Deixa comigo! Seu Gege vai dar uma surra nesses metidos de Famílias grandes. Ahahaha! ― gargalhou alto, confiante em si mesmo, enquanto se gabava para a pequenina.

As palavras do jovem da Fundação poderiam e muito bem serem interpretadas como ofensivas, a despeito do sorriso singelo e da falta de polimento que denunciava inocência ao falar, sem saber o correto ou as consequências de se expressar mal. No entanto, também poderiam representar a mera empolgação pueril de um rapaz sincero.

Infelizmente, aquele que subia no palco, a julgar pela expressão em seu rosto, havia decidido escolher a ofensa, antes mesmo de considerar a possibilidade de ser apenas um cabeça oca falando qualquer coisa que vier a mente, ou um irmão mais velho se gabando para os menores, a fim de chamar atenção.

Sem nenhum tipo de arma em mãos, Zhan Hu subiu na arena com a dignidade de um tirano; semblante fechado, cabeça erguida, olhar resoluto, passos pequenos, porém firmes. Diferente de seu companheiro, que no atual momento possuía o título de jovem mais forte dos Zhans, ele não era vaidoso, por outro lado, mostrava-se um grande partidário de divisões sociais, defendendo a opinião do nascimento privilegiado.

Nada disso era segredo para ninguém, pois diversas vezes ele foi pego no meio de discussões envolvendo ideais e pontos de vista distintos. Fazia isso sempre que ouvia algo do qual discordava, exaltando-se em seus argumentos.

Dizem que certa vez, Zhan Hu entrou numa discussão calorosa com um bêbado que trombou durante um passeio na cidade. A coisa foi tão longe que terminou virando uma briga de punhos entre um bebum cheirando a vinho e um garoto de apenas quatorze anos, resultando na punição de ambos. E por já ter iniciado no caminho do cultivo e pertencer a uma das quatro Famílias, Hu foi detido e isolado durante dois meses, recebendo a condenação mais severa.

Segundo testemunhas, tudo começou quando o bêbado falou para um colega: “Não sei pra que a gente precisa de um imperador. A gente já tem as Famílias para nos proteger, não precisamos daquele inútil!”

Por mais que parecesse digno e imperturbável por fora, Zhan Hu era, de fato, um jovem de sangue quente. Incontáveis foram as vezes que se meteu em uma briga pelo mero detalhe de discordar do ponto de vista alheio. É o tipo de pessoa que sempre tem a razão ou ao menos pensa ter e não aceita ser contrariado. Defendia a qualquer custo o poder da Família Imperial e seus privilégios, da mesma forma, acreditava que o cultivo não deveria ser um ensinamento público, apenas para os destinados.

Visando as costas de Bohai, ele subiu no palco com um semblante fechado, desgostoso pela simples questão de enfrentar “aquele tipo”. Bufando, sem a menor intenção de esconder seu descontentamento, ralhou:

― Vocês sem origem, pertencentes a Fundação, já deveriam ser gratos por apenas terem o privilégio de pisar nesse palco, mas, ainda assim, você fica latindo tais injúrias. ― Aproximando-se de seu inimigo, como um ato de desafio, e parando a dois passos de distância, ele julgou: ― Sua existência em si é graças às Famílias que o protege e ainda ousa proferir tamanhos insultos caluniosos?

Ouvindo as acusações, Chen Bohai, que a todo momento esteve acenando e fazendo gestos bobos para a irmã, permanecendo de costas, apenas lançou um olhar de esguelha acompanhado por um sorriso destemido e respondeu:

― Para alguém que parece tão bravo, você sabe falar umas palavras bonitas. ― Em seguida, virando-se, sem se deixar ser intimidado, prosseguiu: ― Tirando a parte do latir, num entendi merda nenhuma. Repete aí.

Hunf! ― bufou Zhan Hu. ― Sempre achei um desbarato de recursos a existência da Fundação Quatro Pilares e olhar para um elemento feito você me concede a certeza de meus julgamentos. Lastimável! Fico me indagando quais engenhos defeituosos os ancestrais tiveram ao conceber tal instituição.

― É, não entendi nada. ― Parecendo confuso, Chen Bohai coçou o rosto deixando escapar um suspiro de incompreensão. Os insultos não lhe afetavam de maneira alguma.

― É como dizem: Não adianta dialogar com pessoas ignorantes, é um desperdício de palavras e intelecto. ― Dando meia volta, ele se afastou alguns passos, deixando certa distância entre os dois. E então, olhando para os juízes, mudando o tom de voz, pediu: ― Os honorários poderiam dar início a partida? Não quero perder meu tempo com esse tipo.

Notando que nenhum dos lados parecia ter objeções quanto ao começo da disputa, o árbitro responsável pela disputa anunciou:

― A disputa entre Zhan Hu e Chen Bohai, ambos na 7ª Camada do Reino Mundano, começa agora.

― Isso deve ser o suficiente para alguém sem origem. ― exasperou o arrogante, quando lhe foi concedida a permissão de atacar. Erguendo a mão num gesto autoritário, comandou: ― Primeiro Passo: Frente ao Umbral!

De repente, uma cortina de fumaça começou a envolver o braço de Zhan Hu, caindo por terra e se espalhando pelo piso da arena. Disforme, o vapor rastejou pela madeira, vagamente se aproximando do alvo. A fumaça mal conseguia se manter manifesta, dispersando e voltando a ganhar forma a cada centímetro percorrido. Sob um olhar desatento, passava a impressão de ser algo inócuo, sem ímpeto ou velocidade, incapaz de gerar qualquer tipo de malefício.

Entretanto, a reação do público parecia dizer outra coisa, pois gritaram e exclamaram empolgados ao testemunhar o surgimento da víbora desprovida de presas, serpenteando através do palco em um movimento plácido e gradual.

― Então você vai usar essa coisa esquisita? ― questionou Chen Bohai, que parecia calmo apesar de ter perdido a oportunidade de desferir o primeiro golpe. ― Mas pro seu azar, eu vi isso ano passado. ― afirmou, com um sorriso triunfante.

Imaginando o que estava por vir, não quis perder tempo e logo contra-atacou. Em ambas as mãos, chamas surgiram, envolvendo seus punhos em brasa. O brilho era fraco e trepidava com frequência, oscilando entre um poder abrasador e o fim da combustão.

― Lança... ― Chen Bohai fez uma pose espetacular, cheia de pompas e convicções, posicionando as pernas e abrindo os braços, como se estivesse para fazer algo incrível; antes de enfim atacar. ― Chamas!

Seguindo seu rugido feroz, ele balançou os braços colocando extrema força no movimento, jogando as mãos para frente. O fogo disparou de seus punhos, formando dois vórtices incandescentes que mergulharam em direção à fumaça. Confiante em seu ataque, Bohai abriu um sorriso vitorioso e estufou o peito, exibindo uma nova pose.

Quando os dois vórtices colidiram contra o amontoado volátil, atingindo o piso e envolvendo a víbora sem presas em seu calor, um pequeno pilar ardente se ergueu, seguido de um clarão intenso, que ofuscou a presença da fumaça.

Certo de seu triunfo, ele se vangloriou:

― Quando eu descobri que você era meu oponente, eu me preparei. Eu sou muito esperto! ― declarou, batendo o dedo indicador na cabeça, terminando a frase com uma gargalhada satisfeita.

Porém, sua alegria não durou muito tempo, pois quando o impacto das chamas colidindo contra o piso da arena passou, o que pareceu ser uma névoa fraca, quase apagada, tornou a ganhar forma, lançando uma cortina cinza sobre a madeira. Mas, diferente de antes, a fumaça se dividiu em dois tentáculos, seguindo por direções distintas, flanqueando o alvo por ambos os lados.

Surpreso, Chen Bohai exclamou, arregalando os olhos:

― Como isso não funcionou? ― Pensou ter lançado uma contramedida perfeita. ― Eu fiz a pose e tudo.

― Irmão! ― Chen Bolin gritou do palanque. ― Eu já falei que suas poses não te deixam mais fortes.

― Entendo, eu não fiz a pose certa. ― Embora tenha sido alertado, Bohai chegou a uma conclusão diferente daquela sugerida pelo irmão mais novo.

― É minha vergonha ter de defrontar tal ser. ― declarou Zhan Hu, fechando o cenho. Com um movimento de mão, comandou os dois tentáculos, aumentando o volume da fumaça e acelerando sua velocidade.

― Me dei mal. Agora tá mais rápido. ― grunhiu Chen Bohai, que não pensou duas vezes antes de se virar e sair correndo na direção oposta.

Numa esdrúxula tentativa de fuga, ele se virou e correu, mas a fumaça logo o alcançou. E quando chegou próximo dos limites da arena, mudou de direção e disparou pela lateral. Um dos tentáculos se aproximou por trás e o outro o flanqueou, como se tivessem pensamentos próprios e coordenasse as ações.

Percebendo isso, o entusiasmado membro da Fundação interrompeu sua fuga por um breve instante e investiu contra a extensão de névoa que atacava pela esquerda.

― Estacas de Pedra! ― rugiu, batendo as mãos no chão. E dois pilares rochosos se ergueram, bloqueando o caminho da víbora intangível. Porém, isso não a segurou por muito tempo, pois novamente ela se dividiu, separando-se em três partes, duas escapando pelas laterais e a terceira escalando o monte. ― Eu sabia, sem pose fica mais fraco. ― lamentou.

Mesmo não conseguindo bloquear a fumaça, foi o bastante para dar a ele a chance de sair das bordas do palco e retornar até uma área mais segura, longe do perigo de ser empurrado para fora da arena.

Entretanto, a perseguição continuou e os tentáculos, agora em quatro, aumentaram ainda mais a velocidade e essa não foi a única mudança apresentada pela massa cinzenta. Conforme se arrastava pelo piso, o volume dos membros foi se expandindo e se tornando cada vez mais espesso, claustrofóbico.

― Sua fuga é tão inútil quanto sua tentativa de se tornar um cultivador. ― repreendeu Zhan Hu, que moveu a mão, dando origem a mais três extensões                        fumacentas.

De repente, Chen Bohai se viu encurralado. Seja na frente ou atrás, na direita ou esquerda e até mesmo em cima; os tentáculos cobriam cada saída. Não havia lugar para fugir. E como se não fosse o bastante, antes de partir para a investida final, a estranha massa cinzenta começou a se reagrupar, dando origem a um domo obscuro, feito um casulo envolvendo a lagarta contra sua vontade.

Incapaz de escapar, ainda muito calmo, Chen Bohai olhou em volta, boquiaberto, parecendo deslumbrado com o mundo cinza se fechando ao seu redor. As luzes das lanternas aos poucos foram ofuscadas e, talvez fosse apenas sua impressão, mas, ali dentro, a atmosfera parecia ter mudado e o ar se tornado rarefeito. Porém, o mais medonho de tudo foi o arrepio que atravessou sua nuca e fez seu corpo inteiro estremecer. Era como se algo profano se escondesse atrás daquela cortina de horror.

― Quando participei ano passado e vi isso, não pensei que fosse tão esquisito assim ficar dentro dessa coisa. ― Che Bohai falou consigo mesmo. ― Bem... ― abriu seu característico sorriso triunfante ― acho melhor sair daqui.

Posicionando os braços na frente do corpo com os punhos fechados, ele abaixou a cintura e colocou a perna direita para trás, usando-a de base. Em seguida, desceu o braço direito, mantendo o cotovelo num ângulo de noventa graus e rufou, soltando um brado que veio do fundo do peito:

― Espiral Caótica!

Chen Bohai deu um salto e desferiu um soco para o alto, usando toda sua força. Uma coluna de ar se ergueu, girando feito um tornado feroz, rompendo o domo e tragando toda a fumaça, levando-a embora, dispersando até o último vestígio de sua existência.

Ahahaha! ― Ainda mantendo sua postura, com o punho apontado para o céu, ele gargalhou. ― Viu, eu falei. Faltou determinação na minha pose.

Assistindo sua técnica sendo dispersada, os olhos de Zhan Hu esfriaram, exprimindo uma careta tenebrosa.

― Quando isso acabar, irei me envergonhar por necessitar ir além com alguém sem origem. ― sibilou, afundando o tom de voz. ― Mas se esse é o caminho que devo seguir, lhe farei arrepender por macular a existência dos cultivadores. Que se abra os portões: Convite Cadavérico!

Uma camada fina começou a brotar da pele de Zhan Hu, mas, desta vez, a coisa saía por todo o seu corpo, caindo em sequência. A cada instante, camadas mais densas e acinzentadas brotavam e despencavam, como se fossem formadas por algo pesado, criando um baque surdo que se espalhava por toda a arena. A impressão gerada era a de que o ar ao seu redor havia se tornado sólido.

A certo ponto, envolto por uma neblina turva, a figura oculta por cinza de Zhan Hu parecia que estava se desfazendo, decompondo camada por camada, apesar de sua estrutura corporal permanecer intacta. Nuvens densas de fumaça jorravam de sua pele e, aos poucos, uma neblina misteriosa, feito um véu diáfano, espalhou-se pelo palco, despertando uma aura sinistra e mergulhando o lugar em um pavor incompreensível.

Neste momento, a expressão de Chen Bohai afundou, conforme uma mágoa indecifrável tomava conta de seu coração, enchendo seu subconsciente de melancolia.

Foi quando, na parte mais sombria do véu, luzes verdes, esmorecidas pela cortina que as ocultavam, surgiram, bruxuleando feito bolas de fogo vindas do inferno.

 


Niveis do Cultivo: Mundano; Despertar; Virtuoso; Espirituoso; Soberano do Despertar; Monarca Místico; Santo Místico; Sábio Místico; Erudito Místico.

 


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