Volume 1
Capítulo 28: Rosa do Entardecer
Quando viu a massa dourada flutuando em sua direção, com um salto, Xiao Ning se levantou. Em seu rosto se desenhou um largo sorriso e comemorou:
― Ahaha! Parece que tivemos sorte!
Xiao Shui olhou para as borboletas, que voavam em sua direção, com uma expressão maravilhada no rosto. Elas eram lindas e reluzentes, pareciam estar brilhando, eram as donas dos últimos raios da aurora.
Carregados pela brisa, os insetos alados se aproximaram do jardim de rosas. Xiao Ning, nao querendo perrder tempo, abriu o baú, deixando-o preparado; segurou em uma das pontas do tecido branco e mandou que Xiao Shui segurasse na outra.
― Não estique demais e tome cuidado com o vento. ― avisou ele.
No entanto, apesar de ter dado as instruções, Xiao Ning não se moveu e continuou parado ao lado do jardim de rosas. Como não sabia o que ele pretendia fazer, Xiao Shui não teve escolha a não ser acompanhar seu exemplo.
As Borboletas Monarcas Douradas vagarosamente se aproximaram. Quase já não havia luz no céu. E então, quando sobrevoaram as rosas, algo fantástico aconteceu...
Das asas das borboletas, um pó que reluzia feito ouro sendo iluminado por um facho intenso de luz, caiu como neve em um dia de sol. Mas o mais surpreendente ocorreu quando o pó tocou os botões de rosas...
Os botões, antes imaturos, desabrocharam ao ter seus doces lábios rosados tocados, transformando-se em deslumbrantes Rosas, cheias de vivacidade. As flores, que revelaram suas lindas pétalas, luziram um brilho atrativo, com o dourado do pó que caia sobre elas, feito flocos de neve constituído de ouro.
Xiao Shui observou as Rosas desabrochando, pétala por pétala, com fascínio no rosto. Mesmo Xiao Wu, que parecia um homem durão, estava em júbilo, hipnotizado pela visão diante de seus olhos.
Sem pressa, as Borboletas Monarcas Douradas flutuaram sobre o jardim, deixando o Pó de Ouro cair em cima das flores, como uma cascata proveniente de um mundo onírico. Neste instante, Xiao Ning, em um tom apressado, falou:
― Rápido, antes que vão embora! ― ordenou à Xiao Shui, enquanto entrava no horto de Rosas. ― Mas tome cuidado com as flores! ― alertou.
Xiao Shui, recobrando os sentidos, logo se dispôs a segui-lo e entrou no jardim, carregando o tecido branco, enquanto tomava extremo cuidado para não pisar nas flores.
― Aqui está bom! Agora, abra bem os braços e deixe o Pó de Ouro cair sobre a seda. Mas não estique muito o lençol. ― instruiu Xiao Ning.
E conforme as instruções foram transmitidas, os dois esticaram o tecido branco, bem embaixo do local em que as borboletas sobrevoavam. O Pó de Ouro caiu sobre o pano e deslizou na seda. Se fosse um material diferente, cheio de poros, algo tão fino teria passado direto.
Estando abaixo da nevasca dourada, Xiao Shui, embora quisesse erguer o rosto para deslumbrar de uma visão única e privilegiada dos pequeninos flocos de ouro, foi obrigada a manter o rosto abaixado, pois o pó caia sobre ela revestindo seu cabelo e sua roupa ― na altura do ombro ― em uma nova cor, mais brilhante, suntuosa e notável.
Então, quando enfim o tecido branco foi tomado por uma matiz dourada, Xiao Ning disse a Xiao Shui para ficar parada. Em seguida, caminhou até ela tomando extremo cuidado para não pisar nas flores e não balançar o pano. E ao chegar de frente a Xiao Shui, pegou as pontas que ela segurava e fechou o lençol, envelopando-o da maneira mais delicada que conseguia.
― Agora, pegue o baú. ― pediu Xiao Ning. E assim como pedido, Xiao Shui correu e pegou baú. ― Abra-o!
Xiao Wu que estava de lado, assistindo, não foi poupado do trabalho, quando Xiao Ning o pediu ajuda para derramar o pó. Juntos, os dois, enquanto Xiao Shui segurava o baú, despejaram o Pó de Ouro dentro da caixa de madeira, deixando os grãos, tão finos que não podiam ser distinguidos uns dos outros, deslizar sobre o lençol cuja extremidade foi moldada em um formato de cone.
Quando enfim acabaram de guardar todo o Pó de Ouro, as Borboletas Monarcas Douradas já estavam partindo. Elas não ficaram por muito tempo, antes de vagarem para o próximo destino.
― O que eram aquelas borboletas? Algum tipo de Fera Mágica? ― indagou Xiao Shui, enquanto tirava o pó que havia ficado grudado em sua roupa e cabelo.
― As Borboletas Monarcas Douradas são apenas insetos comuns. ― respondeu Xiao Ning, que estava checando o baú, com um sorriso satisfeito no rosto.
― Eu não senti qualquer Energia Espiritual vindo delas. ― comentou Xiao Wu.
― Mas as Rosas desabrocharam quando aquela poeira caiu sobre elas. ― disse Xiao Shui, confusa. Não havia como um inseto normal fazer aquilo com uma planta normal.
― As Borboletas Monarcas Douradas são realmente insetos comuns. E as Rosas, são apenas Rosas Silvestres. ― reafirmou Xiao Ning. ― No entanto, essas borboletas possuem uma característica muito especial. Elas são capazes de absorver a essência do sol e transformar isso em um pó dourado, o qual eu nomeei de Pó de Ouro.
― E o que esse pó faz? ― indagou Xiao Shui, querendo saber mais.
― Sozinho? Nada demais. ― Xiao Ning balançou a cabeça. ― Mas quando juntos com essas flores, por algum motivo que eu desconheço, elas as transformam em Ervas Espiritual.
― Então quer dizer que essas flores agora são Ervas Espiritual? ― Xiao Shui franziu a testa, e após ponderar por um breve instante, retorquiu sacudindo a cabeça. ― Não diga bobagens. ― Ela nunca tinha ouvido falar disso e a julgar pela expressão de Xiao Wu, ele também não. Assim sendo, como um vagabundo feito Xiao Ning poderia saber de algo tão impressionante e também desconhecido pelos outros?
― Ora, se não acredita em mim, veja por si mesma. ― Xiao Ning arrancou uma das Rosas que se encontrava banhada em Pó de Ouro. ― Sinta a Energia Espiritual que vem dela.
― Eu não...
Xiao Shui abriu a boca para falar algo, mas nesse momento, Xiao Wu pegou a flor e exclamou, com uma expressão surpresa:
― É verdade. É fraca, mas eu posso sentir Energia Espiritual vindo dessa flor. Uma Energia que não havia antes. ― Por ser um cultivador no Reino Virtuoso, possuía um Sentido Espiritual aguçado. E quando chegou a essa planície, ele a sondou para garantir que não havia nenhum monstro escondido e naquele momento não sentiu nada de anormal.
Porém, apesar de ter demorado um pouco, ele enfim conseguiu sentir a Energia Espiritual emanando da pequenina flor. Era uma Energia que não estava lá até alguns segundos atrás.
― Ela realmente virou uma Erva Espiritual? ― questionou Xiao Shui, parecendo surpresa. Mesmo ainda tendo dúvidas, não havia motivos questionar as palavras de um Guardião.
― Bem, pelo menos até amanhã. ― murmurou Xiao Ning.
― Como assim? ― perguntou Xiao Wu, parecendo interessado no assunto.
No começo, ele não tinha muito interesse no trabalho que recebeu do 9° Ancião Chang. Aos seus olhos, estava indo apenas para proteger o novo gênio da Família e a filha do chefe. No entanto, sua curiosidade foi provocada ao descobrir essa peculiar Erva Espiritual, a qual tinha certeza ser uma nova espécie descoberta.
― Bem, aqui é um campo aberto. O vento sopra constantemente. No momento em que o pó de Ouro for varrido deste jardim, esta Rosa... ― Xiao Ning se aproximou da Rosa que estava na mão de Xiao Wu e soprou forte. ― Voltará a ser apenas um botão.
E como foi dito, assim que o Pó de Ouro foi soprado para longe, as pétalas da Rosa se dobraram fechando em torno de si mesma e ela tornou a ser apenas um botão.
Deslumbrando tal cena, Xiao Wu olhou de lado para o baú e percebeu que esse garoto em sua frente já conhecia muito bem essa Erva que acreditava ser desconhecida.
― Ahah! Como esperado de um Alquimista gênio. Sabe de tudo. ― admirou o Guardião, com um raro sorriso. ― parece que nossa Família enfim terá o seu momento de glória.
― Eu não estou interessada na glória, só na Alquimia. ― brincou Xiao Ning, dando um sorriso divertido.
Vendo Xiao Wu agir tão amigável com Xiao Ning, fez Xiao Shui torcer o nariz. Ele estava conquistando todo mundo. Primeiro o seu pai, depois o Patriarca e agora um Guardião. Talvez, ela de fato tenha se enganado a respeito deste vagabundo. Talvez, devesse parar de chamá-lo de “vagabundo”.
― Eu me pergunto, qual seria o nome desta Erva Espiritual tão fascinante? ― indagou Xiao Wu.
― Eu a chamo de Rosa do Entardecer. ― respondeu Xiao Ning, com um sorriso travesso, que parecia carregar lembranças passadas. ― Dei-lhe esse nome em homenagem a uma cortesã deslumbrante, que conheci certa vez. Ah, Rosa, sempre que a noite caia... ― divagou, com uma expressão nostálgica.
― Eu estava enganada, você não passa de um vagabundo, imoral! ― exasperou Xiao Shui, o encarando com um olhar de desaprovação. Xiao Wu, por outro lado, abriu um largo sorriso e gargalhou alto.
Era noite na Floresta das Mil Perdições e a única coisa clareando a planície gramada eram as Rosas, que refulgiam um brilho misterioso, mesclando o dourado do Pó de Ouro com a cor das Rosas.
Nesse momento, Xiao Ning e Xiao Shui estavam nas bordas do jardim, colhendo algumas das Ervas. Xiao Shui queria cortá-las de uma vez usando sua espada, pois assim poderiam partir logo daquele lugar que ficava cada vez mais assustador. Mas foi repreendida por Ning, dizendo que ela deveria colhê-las uma por uma, do contrário, prejudicaria as flores.
Após colherem mais de duzentas Rosas do Entardecer, Xiao Ning decidiu que já era o suficiente. Todas foram espremidas dentro do baú, junto ao Pó de Ouro, coletado mais cedo. Estava na hora de partir.
Enquanto atravessavam o pasto, Xiao Shui segurou sua espada, apertando forte a empunhadura. Se perguntassem, negaria, mas via-se pelo olhar atento em seu rosto que ela estava ligeiramente amedrontada. Mas não havia como culpá-la, já que de lugares diferentes e um mais tenebroso do que o outro, rugidos, urros e rosnados eram ouvidos, levantando-se e uivando para a lua. Eles vinham de toda a floresta. Parecia que os monstros haviam acordado todos ao mesmo tempo.
Xiao Shui nunca tinha visto algo como isto. Estava acostumada a andar por essa região somente durante o dia. Jamais havia visitado a Floresta das Mil Perdições durante à noite e na Montanha Ancestral de Jade não se ouvia esse tipo de coisa sempre, apenas uma tempestade ocasional que começava de repente.
No entanto, Xiao Wu parecia tranquilo. Ele já havia estado muitas vezes por essas bandas e até passou algumas noites na floresta. Da mesma forma se encontrava Xiao Ning, que caminhava despreocupado, com um sorriso satisfeito no rosto. Comparado a fugir de uma horda de demônios, isso era como uma canção de ninar.
Enquanto o grupo atravessava a planície e rumava em direção às árvores, um balido alto e estridente chamou a atenção:
― Béé! Béé!
Ouvindo esse balir chamativo, Xiao Ning olhou para uma direção da planície, próximo às árvores. Mas como estava escuro era difícil ver além. Foi só depois de muito esforço que conseguiu identificar a fonte dos balidos.
― Um Cordeiro de Chifres Caracóis... E ele está no Reino do Despertar. ― avaliou Xiao Ning, apertando os olhos.
Apesar de ter sentido a Energia Espiritual e ter deduzido pelo balir, sobre qual Besta Demoníaca se tratava, ele só conseguiu confirmar sua real identidade quando avistou uma criatura quadrúpede, de dois metros e meio de altura, com longos chifres encaracolados e de pelagem escura, parada a poucos metros de distância.
― Parece que teremos um banquete amanhã para comemorar a boa colheita. ― comentou Xiao Ning, com um sorriso alegre.
― Pare de falar tantas bobagens! ― No entanto, diferente do despreocupado Ning, Xiao Shui ficou tensa e deu um passo para trás. Essa era uma Besta Demoníaca cujo nível sempre está no Reino do Despertar e acima. Sem saber qual era sua verdadeira força, tudo o que ela poderia fazer era torcer para conseguir fugir.
O Cordeiro de Chifres Caracóis é uma Besta Demoníaca de comportamento explosivo, não gostava de visitantes invadindo seu território e todos sabiam disso. E como era de se esperar, apesar de saber da presença daquele poderoso oponente, o Cordeiro agitou a cabeça, exibindo seu imponente chifre.
― Béé! ― baliu uma última vez, antes de correr em direção ao grupo.
Xiao Shui, quando viu o Cordeiro de Chifres Caracóis correr em sua direção, praguejou baixo e fez menção de recuar. Xiao Ning, contudo, disse em um tom despreocupado:
― Tente cortar a cabeça. Eu pretendo fazer um assado com ele.
De repente, Xiao Wu, que estava mais atrás, chutou o chão e com uma velocidade absurda se projetou ao lado da Besta Demoníaca. Xiao Shui nem mesmo conseguiu vê-lo passando por ela. E então, o Guardião balançou o braço e uma luz verde, que desapareceu da mesma forma que apareceu, atravessou o pescoço do monstro.
O Cordeiro de Chifres Caracóis ficou parado no mesmo lugar, quando sua cabeça caiu e rolou pelo chão, pintando o gramado de vermelho ― apesar de não ter muito o que ver, àquela altura da noite. O ataque de Xiao Wu foi tão rápido, que o monstro continuou em pé, mesmo depois de morto.
― O- o que aconteceu? ― balbuciou Xiao Shui. Ela nunca tinha visto um cultivador no Reino Virtuoso lutar antes e para ser sincera, não conseguia distinguir o que seus olhos haviam presenciado nesta escuridão atenuante.
No entanto, ao invés de respondê-la, Xiao Wu disse que era melhor eles se apressarem, pois logo mais monstros apareceriam. E foi isso que ela fez, quando guardou o corpo do Cordeiro e o seguiu de perto, sem questionar.
E dessa forma, graças a presença de Xiao Wu, o grupo deixou a Floresta das Mil Perdições sem muitos problemas...
No dia seguinte, Xiao Ning acordou bem cedo ― algo um tanto inesperado ― e demonstrando uma rara disposição ao acordar, foi procurar pelo tio Chang. Entretanto, para o seu desapontamento, ele ainda não havia conseguido todos os ingredientes que lhe fora pedido. Alguns estavam se provando bem difíceis de serem encontrados.
Sentindo-se frustrado, ele retornou para o quarto e decidiu tirar mais uma soneca. Quando acordou já era tarde e mais uma vez foi se encontrar com o tio Chang. Mas ao descobrir que nada havia mudado, resolveu se ocupar com outra coisa; assaria o Cordeiro.
Xiao Shui ficou relutante em dar um monstro do Reino do Despertar para ele. Valeria muito, afinal. Mas depois de alguma insistência da parte dele, ela se rendeu, dado que queria comer de novo aquela comida capaz de aumentar a Energia Espiritual, sem falar em deliciosa ― por mais que não admitisse. Além do mais, Xiao Ning prometeu lhe entregar as partes que pudessem ser vendidas, como o pelo e o Núcleo Espiritual.
― O Núcleo pertence a Xiao Wu, foi ele que matou. ― argumentou Xiao Shui, a qual não tinha a intenção de se aproveitar da boa intenção do Guardião que os deixaram ficar com a besta. Em seguida, antes de entregar a Bolsa de Armazenamento contendo o Cordeiro, avisou. ― Tome cuidado para não estragar o pelo... e não estrague minha bolsa.
Depois de colocar as mãos na Besta Demoníaca, Xiao Ning foi até Camila e disse a ela para avisar as outras empregadas que hoje não precisariam se preocupar com o jantar, pois ele se encarregaria disso.
― Não precisa fazer essas coisas trabalhosas. ― disse Camila, que não se sentia confortável em deixar um importante cultivador e convidado fazer tarefas tão banais. Ainda mais um Alquimista.
Porém, Xiao Ning continuou dizendo que iria preparar o jantar. E não ligando para as insistências de Camila, pegou uma faca ― a melhor e mais resistente que conseguiu encontrar ―, entre outras coisas e partiu rumo aos fundos da propriedade.
Enquanto Xiao Ning se preparava para desmantelar o Cordeiro, Camila apareceu dizendo que ao menos o ajudaria. E ele não recusou, foi logo colocando a moça para trabalhar, enquanto ele mesmo começou a cavar um buraco, o qual não havia pedido permissão para fazer.
Algum tempo depois, com o Cordeiro de Chifres Caracóis devidamente desmantelado, que por sinal a maior parte tinha sido feita por Xiao Ning, já que Camila não possuía a preparação nem a força necessária para abrir uma Besta Demoníaca ― sobretudo uma no Reino do Despertar ― era o momento de preparar o resto.
Camila ficou encarregada de temperar a carne, é claro, seguindo as instruções de Xiao Ning, enquanto esse último enchia o buraco, de mais de dois metros de profundidade, com troncos secos de madeira, para então os incendiar.
Algum tempo depois, quando a madeira se transformou em brasa, Xiao Ning enrolou as partes do Cordeiro que assaria em um pano úmido ― encontrado e preparado por Camila ―, junto com algumas especiarias e legumes e o tacou para dentro do buraco. Por fim, tornou a cobri-lo com terra.
Horas mais tarde, quando a noite já havia caído, um banquete teve início. O anfitrião fez questão de que todos da casa do tio Chang participasse, incluindo as empregadas, que geralmente não desfrutavam de tal luxo. Mesmo o ocupado Guardião, Xiao Wu, reservou um pouco de seu tempo para comparecer.
E como era de se esperar, todos se esbaldaram e se surpreenderam com a rica culinária, preparada de um modo estranho, pouco conhecida por eles...
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