Um Alquimista Preguiçoso Brasileira

Autor(a): Guilherme F. C.


Volume 1

Capítulo 138: O orgulhoso Long

Quando a 2ª Anciã Ah-kum se preparou para o ataque final, um lampejo de luz branca a obrigou a desviar os olhos e interromper o assalto. Mas ao voltar sua atenção para o inimigo, Coo havia desaparecido. Ela procurou em volta, perguntando-se onde o maldito poderia estar se escondendo. No entanto, depois de olhar em todas as direções, não encontrou nenhum sinal de sua presença, sequer um traço de Energia Espiritual.

Isto é algo que ela descobriria mais tarde, mas a vitória de Xiao Ah-kum sobre um Soberano foi muito mais importante do que meramente subjugar um perigo que estava além da capacidade de outros cultivadores. Sua vitória foi o fator que permitiu a virada dos Xiaos.

No mesmo segundo em que Coo desapareceu, dentro de Pequeno Lar...

Quando decidiu ser um obstáculo no caminho de um Espirituoso de origem desconhecida, Xiao Syaoran acreditou que sua resistência não duraria muito. Ele pensou que seria um problema apenas até o invasor se cansar de brincar. Entretanto, para sua profunda surpresa, aquele homem estranho, que não se portava como humano ― apesar de andar sobre duas pernas ―, não usou Técnicas de Combate ou artimanhas elaboradas.

O sujeito sem expressão era rápido e ameaçador quando tentava atacar. Contudo, a única coisa que usava eram suas mãos e pernas nuas. E apesar de existirem muitos praticantes que preferem o combate corpo a corpo, ele não era um deles. Seus movimentos eram desengonçados, impensados e imprudentes. Nada que um homem experiente faria.

Para Syaoran, com um longo histórico de batalhas e muitas cicatrizes para lembrá-lo de ficar alerta, foi fácil evitar as tentativas do adversário. No começo, suas expectativas de conseguir segurá-los eram baixas, mas agora sentia que poderia fazer isso. Tudo o que precisava fazer era continuar mantendo a distância enquanto o atacava.

A luta entre os dois parecia ter chegado em um ponto de equilíbrio. Nenhum deles era capaz de fazer algo extraordinário para mudar o curso dos eventos. Porém...

De repente o corpo do invasor foi banhado por uma luz branca ofuscante. Alarmado, Syaoran se afastou a passos largos e procurou um lugar seguro. Pensou que o estranho enfim usaria uma técnica. Ele esperou e esperou mais um pouco. A luz sumiu, mas nenhum ataque veio. Então, o vigoroso homem de cabelo branco nas bordas olhou e o inimigo tinha desaparecido.

Na casa do tio Chang...

A situação havia invertido e agora quem estava em desvantagem era Qiu. Sem seu parceiro, que tinha sido pulverizado por um raio, e o outro aliado que acabou sendo capturado, ele precisou enfrentar sozinho dois Anciãos dos Xiaos.

Mas ainda assim, a desvantagem não o impediu de continuar tentando cumprir seu objetivo. Os ataques combinados de Wing e Huo não conseguiram penetrar sua defesa, pois ele sempre defletia os mais perigosos.

A luta estava intensa e tudo indicava que ficaria ainda mais violenta. Entretanto, assim como aconteceu com o estranho e Coo, uma luz cegante cobriu seu corpo, chocando até mesmo ele. Quando viu aquilo, Qiu entendeu:

― Ele foi derrotado?! ― murmurou, assombrado.

Houve um lampejo e no instante seguinte o manco tinha desaparecido.

Quando Coo decidiu fugir, uma reação em cadeia foi liberada envolvendo todos os praticantes que o acompanharam nessa empreitada. Um por um, eles foram tragados para dentro do clarão. O único que permaneceu foi a pobre vítima do raio verde que foi feita em pedaços.

Apesar da inegável vitória por parte de Xiao Ah-kum, o caos e destruição continuavam se espalhando através do território. Todos os principais combatentes inimigos tinham sido derrotados ou arrastados para um lugar desconhecido. Contudo, ainda havia um que seguia lutando...

― Com o seu nível, duvido que consiga sentir, mas não restou ninguém para te ajudar ― afirmou o Patriarca, que se esforçava para ficar acima do tigre. ― Acabou!

― Ainda não! ― retrucou Xiao Dong com uma voz áspera. A carranca em seu rosto era a mais feia possível, repleta de ira, descrença e temor. ― Se eu parar agora, você irá vencer. E eu não posso deixar isso acontecer... de forma alguma!

O tigre saltou e suas garras prenderam no ar. Como uma criatura mitológica, ele correu em círculos enquanto escalava para alturas mais elevadas ao mesmo tempo que evitava ser emboscado pelo rival. E quando se tornou o animal mais próximo das nuvens, ergueu sua pata direita e, junto a um rugido soberano, investiu contra a besta vermelha.

O ataque feito a distância provocou uma peculiaridade na qual marcas azuis de garras pôde ser vista rasgando o ar à medida que avançava em direção ao alvo. Quando se aproximou, a singularidade rodopiou, criando uma espiral e se tornando imprevisível.

Mas Enlai era astuto e no instante em que percebeu a mudança, mergulhou de ponta-cabeça sem o menor medo, da mesma maneira que faria se estivesse pulando do alto de uma cachoeira. Entretanto, antes de chegar ao fim, ele girou o corpo e virou para o lado, fugindo da trajetória das marcas. Em seguida, ergueu a cabeça e disparou contra o felino.

Naquele momento, Xiao Dong amaldiçoou seu oponente pelo incrível reflexo e destreza nos movimentos. Se tivesse conseguido acertar, sua vitória já estaria quase certa. Era o tipo de fracasso que atormenta a mente e perturba a sanidade, fazendo surgir pensamentos que não podem ser respondidos, do tipo que sempre iniciam com: E se...

Por outro lado, Enlai aproveitou a hesitação, indignação e frustração do velho para contra-atacar. Pela primeira vez o Long não se preocupou em conquistar o topo. Mas quando se aproximou do tigre, sua cauda agarrou o seu pescoço e ele arrastou o animal selvagem pelo céu.

Sabendo que não poderia andar em linha reta ou traçar uma rota previsível, o Patriarca usou sua habilidade para deixar o oponente desorientado ― ziguezagueando de um lado para o outro, subindo e descendo. E depois de dar uma longa volta sem destino certo a seguir, o Long rodopiou e atirou o felino para o alto.

Naquele segundo, um brilho verde cortou o céu e um raio caiu, sabendo perfeitamente a quem deveria destruir. Contudo, o 1º Ancião também possuía sua esperteza e logo tratou de sair do caminho.

― Quando começou a me sabotar, eu fiquei calado ― o Patriarca falou. ― A nossa Família ainda não tinha se recuperado daqueles anos sombrios e uma disputa interna apenas nos faria retroceder. Tive esperança de que você não extrapolaria os limites do aceitável e se fosse preciso entregar meu cargo, eu faria esse sacrifício. Mas então, o acesso às minas foi cortado, alguns de nossos negócios foram sabotados e, de alguma forma, mesmo as operações em outras cidades foram prejudicadas.

― Eu fiz tudo isso por um objetivo maior ― alegou o Ancião, que não quis esperar o fim do discurso.

― Você fez tudo isso por si mesmo! ― acusou o Patriarca com uma voz pesada. ― Além de prejudicar o futuro da Família, entregou segredos que poucos de nós conhecem. Sua ganância custará caro para a próxima geração. E tudo isso para quê? Assumir o meu lugar? Trazer de volta uma lei desumana?

― Não! ― A expressão de Xiao Dong mudou. Suas sobrancelhas se juntaram e os lábios franziram, expondo um semblante sombrio. ― Me tornar o novo Patriarca é um bônus e falar do passado é bom para atrair pessoas.

Nesse momento, Enlai sentiu que havia algo de errado.

― Eu estou aqui por um objetivo mais simples. Estou aqui para acabar com a sua raça! ― completou o velho através de um berro enfurecido.

O tigre rugiu, provocando vibrações extremas que se espalharam ao longo do céu noturno, e avançou na direção do rival. Com a impetuosidade de uma fera, ele balançou as patas e lançou ataques consecutivos que rasgaram o ar conforme ganhavam formas magníficas.

Por sua vez, o Long girou, rodopiou e dançou, evitando cada uma das marcas de garras que buscavam lhe dividir em numerosas partes. E assim que fugiu do perigo, abriu a boca e disparou um jato incandescente que liberou ondas perigosas de calor.

Xiao Dong tentou desviar, mas seu corpo e sua mente não reagiram tão rápido quanto o tigre, e em meio à desarmonia das forças, ele se atrapalhou. A poderosa labareda concentrada e espremida, feito um raio de luz, atingiu a coxa do animal que rugiu e despencou sem suas asas.

― Apesar de ter guardado Energia Espiritual por muito tempo, você ainda é fraco e não pode controlá-la! ― afirmou o Patriarca, rondando o céu feito uma entidade divina guardando os portões para o paraíso. ― Isso já foi longe demais. Está na hora de acabar com tudo.

O Long apontou o focinho para baixo e mergulhou rumo ao chão. Nesse momento, o tigre tombado se levantou e ergueu a cabeça para encarar o inimigo abominável. Os pelos de seu corpo eriçaram e um rosnado intimidante escapou do fundo de sua garganta. À medida que o seu nível de ameaça aumentava, suas listras passaram a brilhar, ficando mais intensas a cada segundo.

Rooaarr! ― A besta selvagem soltou um poderoso rugido que fez o ar vibrar conforme os trovões se calavam. E então, um facho violento de luz foi projetado de seu corpo e disparou certeiro contra o oponente.

Quando notou o ataque chegando, o Long serpenteou e deslizou para o lado, tentando evitar o dano. Mas o assalto do felino trouxe um poder extremo e uma velocidade ainda mais impressionante. Mesmo mergulhando e rodopiando para escapar, ele não conseguiu sair do caminho a tempo.

O facho engoliu a parte inferior de seu corpo e o arrastou em direção às nuvens, deixando-o sem qualquer controle das próprias ações. Suas escamas foram arrancadas da pele e aos poucos o vermelho-sangue passou a ser ofuscado pelo azul-translúcido.

A contraofensiva o arrastou direto para uma zona perigosa, onde os raios não paravam de surgir. Assim que percebeu isso, o Patriarca se esforçou ao máximo para reverter a situação, mas a força se opondo a ele era muito superior à sua própria. Assim sendo, ao perceber que não lhe restava muita escolha, ele liberou uma poderosa onda de Energia que dispersou o facho azul.

Embora livre, ficou evidente que o Long sofreu grandes ferimentos, pois a parte inferior de seu corpo havia sido tomada por lacerações profundas em que Energia Espiritual vazava. Mas isso não afetou em nada o Patriarca que, após se esquivar de alguns raios, voltou a mergulhar em direção ao chão.

Em contrapartida, seu êxito em causar um grande dano pela primeira vez deixou o 1º Ancião mais confiante. Por isso, quando notou que a entidade estava o encarando com fúria nos olhos, ele se sentiu desafiado e portanto respondeu a provocação da maneira que julgou mais correta: Aceitou o desafio e escalou o céu.

As garras do tigre azul rasgaram o ar à medida que saltava mais alto, deixando um rastro singular de profundidade no espaço, como pegadas brilhantes na neve. Seus rugidos reverberaram em meio às nuvens e as orelhas curtas dobraram para trás, preparando-se para o ataque.

Quando ficou a poucos metros de distância do inimigo, o felino se tornou ainda mais hostil. Ele balançou a pata direita e golpeou duas vezes, projetando marcas de garras que dispararam de encontro ao alvo.

Mas o Long estava atento e no instante em que notou a aproximação hostil, debandou para longe do perigo. Em seguida, a criatura deu uma cambalhota extravagante e outra vez avançou contra o inimigo. Astuto e veloz, sua cauda enlaçou o pescoço do felino que se debateu desesperado, tentando fugir.

Nesse ponto, Xiao Dong percebeu que não deveria ter se precipitado. Entretanto, já era tarde demais, pois a entidade citada em lendas olhava diretamente para ele com olhos vorazes.

O Long abriu sua boca e disparou um jato incandescente contra a testa do tigre que recebeu o impacto direto. A onda de calor sufocante envolveu todo o corpo do animal, mergulhando-o num mar escaldante de onde não podia sair.

Foi um ataque descomunal. Mesmo depois da grandiosa entidade fechar a boca, ele continuou queimando. Mas, apesar da demonstração impactante, quando as chamas envolvendo o corpo do felino desapareceram, ficou claro que pouco dano fora aplicado.

Intocado, Xiao Dong respirou aliviado. Além de um ataque poderoso, sua habilidade também possuía uma defesa sólida. Entretanto, ele ainda não podia relaxar, já que continuava preso e o odioso inimigo preparava o próximo assalto.

Da testa do tigre, o 1º Ancião Dong viu a criatura abrir a boca e disparar outro jato escaldante. Sua visão foi tomada por um laranja intenso que o obrigou a colocar a mão em frente aos olhos para não ficar cego. Mesmo protegido, o calor penetrou a pele do tigre. Em poucos segundos, ele estava suando e com o rosto tão vermelho quanto um tomate. Mas apesar de tudo isso, sua vida não corria perigo... Ou ao menos foi o que pensou a princípio, afinal sua habilidade detinha o poder de um Soberano.

Entretanto, ele mesmo não era um e vagarosamente a fragilidade em sua esperança, em seus planos, começou a ser exibida.

Quando o Patriarca atacou pela terceira vez consecutiva, rachaduras começaram a aparecer por todo o corpo do animal selvagem. Por mais que se debatesse, a besta azul não conseguia se livrar da cauda prendendo seu corpo e isso tornou sua fuga impossível.

O 1º Ancião sabia que precisava sair dali o quanto antes e se recuperar. Mas antes que conseguisse realizar uma fuga improvável, seu pior medo se concretizou. Houve um clarão acentuado que o cegou por um instante, seguido de um estrondo grave. Algo quente ― e estranhamente pesado ― atingiu seu peito e ele sentiu o frio característico no estômago provocado por uma queda que não pode controlar.

Ao mesmo tempo, o Long se ergueu glorioso, rugindo e se impondo como o único governante do céu.

― Xiao Dong! ― berrou Enlai, enchendo os pulmões de ar para se sobressair aos trovões. ― Eu fiz uma promessa e agora irei cumpri-la. Esse duelo acaba aqui!

No chão, Xiao Dong se levantou um tanto grogue, trocando os pés e lutando para não cair. Sua barba tinha sido pulverizada e parte do cabelo queimado. Era possível ver o sangue escorrendo ao longo de seu pescoço de algum ferimento na cabeça e em seu peito existia uma marca profunda de queimadura.

Ele ergueu os olhos e procurou no alto até encontrar uma criatura vermelha serpenteando no ar enquanto descia em sua direção. Naquele instante, o velho travou os dentes e exprimiu seu semblante mais odioso.

― Enlai! ― vociferou de volta. ― Você é perigoso!

O Patriarca se inclinou e sem medo deu um rasante. A barriga do Long raspou o chão destruído e suas patas chutaram a terra revirada, impedindo-o de cair. Quando enfim se equilibrou, ele levantou o focinho e encarou o inimigo do outro. Sua boca se abriu e então... Um jato abrasador foi disparado contra o Ancião que travou os dentes e cerrou os punhos.

Tão quente, tão imbatível e tão imparável era o bafo da criatura que o solo próximo a ele acendeu como metal jogado dentro de uma caldeira, deixando-o muito próximo do estado de fusão. Conforme o ataque avançava, um rastro de destruição era deixado para trás, despertando pequenos incêndios que se propagavam através da grama devastada e de outros materiais trazidos pelo vento forte.

Notando a chegada do perigo, Xiao Dong soltou um berro que vinha do fundo de sua garganta, uma forma de encorajar a si mesmo, e usou o resto de sua força para se preparar. Porém ― isto foi algo que percebeu tarde demais ― já não restava tanta Energia assim em seu Artefato.

O 1º Ancião foi alcançado pelo jato escaldante que, sem demonstrar o mínimo de compaixão, o arrastou para um inferno do qual não poderia escapar. Seus gritos ― breves, porém agonizantes ― foram abafados pelo crepitar demoníaco. E quando a sombra por trás da cortina cálida desapareceu, tudo se acalmou.

No lugar em que antes era ocupado por um dos respeitados pilares dos Xiaos, agora só restava destruição e fuligem. Xiao Dong tinha desaparecido em meio ao mar de chamas. Não havia sequer um pequeno rastro de seu rosto ou uma sombra sinalizando sua existência.

Em paralelo, Enlai sentiu a Energia Espiritual de seu inimigo desaparecer. Mas desta vez, não era um truque ou coisa do tipo, pois o Artefato Mágico estava caído num canto ― chamuscado, porém inteiro.

Então, percebendo que não havia mais ninguém para enfrentar, ele enfim desfez a poderosa habilidade que lhe garantiu a vitória. Esse parecia um bom momento para comemorar, mas a verdade é que não tinha disposição sobrando nem mesmo para isso.

Apesar de ter se livrado de ferimentos graves, o Patriarca se sentia exausto. E assim, sem muita disposição e com o olhar abatido, ele atravessou a colina devastada pelas batalhas consecutivas. Enlai caminhou até encontrar uma mulher muito machucada, que estava deitada de costas para o chão.

Observando todo o sangue cobrindo o seu corpo e as diversas contusões em locais críticos, não seria estranho pensar que ela estava morta. Entretanto, olhando com mais atenção era possível perceber sua respiração irregular.

O Patriarca se sentou ao lado dela, esticou as pernas e respirou fundo.

― Você destruiu minha casa ― comentou ele.

― Foda-se! ― respondeu Xiao Ah-kum de olhos fechados.

 


Niveis do Cultivo: Mundano; Despertar; Virtuoso; Espirituoso; Soberano do Despertar; Monarca Místico; Santo Místico; Sábio Místico; Erudito Místico.

 


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