Volume 1
Capítulo 117: A pobreza humana
Nos dias seguintes ao primeiro incidente, Magali permaneceu ao lado do Jovem Nobre sempre que tinha folga no trabalho e às vezes mesmo quando não tinha. Queria garantir que nada de ruim fosse acontecer e para sua alegria, tudo seguiu calmo.
A verdade é que o 1º Ancião não ligava muito para o neto. Ele sempre o evitava e não se dava ao trabalho de desejar “bom dia” ou “boa noite” nos momentos oportunos. As poucas ocasiões em que iniciava uma conversa era para repreender o pequeno por não estar se destacando nas aulas; sempre muito ríspido e vulgar no linguajar usado. Porém, comparado às agressões físicas, isso parecia de menor importância.
Nada de muito extremo aconteceu nas semanas seguintes e cada vez mais a empregada se convencia de que tudo não passou de uma infelicidade. Ela continuou seu trabalho como de costume, fez amizades com as demais serviçais e até mesmo alguns dos cultivadores que sempre frequentavam o lugar. Tudo estava tranquilo.
No entanto, quatro meses depois do primeiro incidente, outro episódio aconteceu.
Na ocasião em questão, Magali estava presente, pois tinha sido ordenado que fizesse uma limpeza cuidadosa no Quarto Branco, que era como as serviçais chamavam o lugar preferido do 1º Ancião.
Naquele dia, Xiao Bai retornou do Salão Espiritual bastante agitado e eufórico. Não era de seu costume procurar o avô depois das aulas e muito menos correr o risco de interrompê-lo enquanto está fazendo algo importante, mas ele entrou no recinto feito um pequeno soldado valente e parou em frente ao trono dourado, encarando o sujeito que repousava sobre o espalhafatoso assento.
― Como minha mãe se chama? ― disse o menino com sua voz estridente, estufando o peito decorado pelo broche de folha que nunca tirava. Existia certo ar de desafio o cercando.
Neste momento, Magali escorou a vassoura que estava segurando, preparando-se para intervir. Tinha um pressentimento ruim a respeito daquilo.
― O que você falou? ― A voz do Ancião Dong soou pesada, profunda, carregada de desprezo e surpresa diante do que tinha acabado de escutar.
― Todo mundo sabe quem é a mãe, menos eu. Até a Ji sabe! ― respondeu Xiao Bai um tanto exaltado. Em seu tom havia indício de melancolia reprimida, como se estivesse prestes a chorar. ― Eu quero saber quem é a minha mãe... Agora! ― exigiu, sentindo-se valente. Não estava disposto a desistir.
― O que você falou? ― Diferente da resposta que o pequeno esperava, Dong soltou um berro enfurecido e partiu para cima do menino. Mostrando toda a sua impetuosidade, acertou-lhe um chute no peito e o jogou longe.
O susto foi tanto que Xiao Bai não teve tempo para sentir dor. Apavorado, ele se encolheu feito um caracol, usando os braços minúsculos para proteger a cabeça.
― Com quem pensa que está falando? ― rugiu o Ancião, colérico. Sem nenhum tipo de misericórdia, começou a chutar e socar o menino caído, fazendo cada golpe soar como um tambor melancólico tomado por agonia. ― Por culpa daquela vagabunda maldita, meu filho desviou do caminho que eu tinha traçado! E você vem falar dela na minha frente?! Seu bastardo miserável!
Cada palavra foi acompanhada por golpes violentos, repletos de fúria. A cena de seu neto encolhido, choramingando, não o comoveu. Os sons repugnantes ampliados pelo espaço vazio da sala sequer o fez hesitar. Nada na composição odiosa provocou o mínimo de abalo no velho, que seguiu chutando, socando, gritando.
Vendo aquilo, Magali ficou espantada de tal maneira que por um segundo perdeu o movimento das pernas e a razão. Mas quando voltou a si, seu rosto assumiu uma expressão de urgência e sem pensar muito, correu na direção do Ancião.
― Pare! Você vai matá-lo! ― Ela agarrou o braço do velho, atrapalhando-o de desferir outro golpe, mas esse último respondeu com um empurrão que acabou por jogar a empregada para trás, fazendo-a bater a cabeça ao cair.
Foi então que, aproveitando a brecha criada, Xiao Bai se levantou às pressas e fugiu aos tropeços para longe do avô.
Magali se ergueu um pouco grogue, cambaleando de um lado para o outro. Colocou a mão na cabeça, respirou fundo ― parecia desorientada. Mas nada disso, nem a dor que sentia, a impediu de avançar alguns passos e tentar seguir o menino.
Entretanto, antes que tivesse a chance de se afastar, foi interrompida pelo 1º Ancião.
― Por que você o chama de “Jovem Nobre”? ― indagou, demonstrando certo desprezo pelas últimas palavras proferidas.
A empregada parou e se virou para encarar o patrão. Seu rosto estava fechado em uma carranca desagradável, exibindo toda repulsa que sentia pelo velho.
― Porque ele é um bom menino, gentil e merece muito mais do isso ― declarou em um tom desafiador.
― Hunf! ― bufou Xiao Dong. ― Aquele bastardo não tem nada de nobre. Nunca mais o chame dessa maneira ― ordenou ele, voltando para o seu trono.
Depois de terminar de ouvir o que ele tinha a dizer, a empregada saiu a procura de Bai sem ao menos questionar se tinha permissão para tal. Bem, na verdade, ela não precisou procurar, pois sabia exatamente para onde o menino tinha ido. Era o mesmo lugar para o qual ele sempre fugia quando estava com medo do avô e queria se esconder. A ala norte era a maior extensão da casa e ficava do lado oposto dos aposentos do Ancião.
Magali o encontrou nos fundos de um amplo corredor, agachado atrás de um pedestal feito de pedra esculpida que sustentava um jarro de planta. Ele abraçava os joelhos enquanto chorava e soluçava, ainda tremendo pelo que aconteceu.
― Oi, Jovem Nobre ― disse ela, anunciando sua presença em um tom calmo para não afugentar o pequenino. Com muita delicadeza se agachou em frente a ele. ― Você está bem? ― Era uma pergunta boba, pois podia ver as marcas vermelhas espalhadas por todo o seu corpo, as quais em breve ficariam roxas.
A despeito do tom doce e delicado usado pela mulher, o menino continuou encolhido, tentando esconder qualquer parte visível do corpo. As lágrimas caiam sem parar conforme um ranho grudento escorria de seu nariz.
Magali podia sentir o coração se apertar por vê-lo daquela forma. A tristeza que experimentava era profunda, mas impossível de ser colocada em palavras. Ela esticou a mão para tocar no rosto do pequeno; uma forma de conforto, porém foi rejeitada quando o mesmo se encolheu ainda mais, evitando o contado.
Ele estava traumatizado e não era sem motivo.
Sabendo que pressionar poderia ser pior, a empregada decidiu apenas fazer companhia ao jovem até que estivesse pronto para falar. E levou algum tempo para Xiao Bai parar de chorar e mesmo quando isso aconteceu, nenhuma palavra saiu de sua boca.
Ela tentou iniciar um diálogo, falando coisas agradáveis e reconfortantes, mas nada parecia penetrar os ouvidos do menino, que permanecia encolhido no canto, com a cara virada para a parede. E então, quando tudo indicava que nenhuma mudança iria acontecer, ele enfim abriu a boca:
― Eu só queria saber quem é minha mãe! ― lamuriou em meio a fungadas.
― Oh, meu querido! ― Magali se sentia impotente. Uma angústia marcante rasgava sua garganta ao passo que descia, alcançando seu coração e destruindo-o. ― Eu lamento! Não sei quem é sua mãe e nem o nome dela... mas quer saber quem sabe?
― Quem? ― Xiao Bai tirou o rosto da parede e olhou para a empregada com grande interesse.
― Você! ― respondeu ela, exibindo um sorriso carinhoso.
A confusão foi instantânea no rosto de Xiao Bai, que olhou para a companheira como se essa tivesse falado a coisa mais estranha de todo o mundo.
― Veja bem. Você é filho dela, não é? ― Magali recebeu um modesto aceno em resposta. ― Então você já sabe tudo sobre ela. O que gosta de comer, sua cor favorita, como é o seu cabelo. Tudo!
― Não sei não ― argumentou o garoto, balançando a cabeça.
― Faz assim ― instruiu. ― Fecha os olhos. ― E ele fechou. ― Agora imagine: qual é a cor do cabelo dela.
Xiao Bai apertou as pálpebras tanto que suas sobrancelhas tremeram. Estava seriamente tentando imaginar. E então, depois de alguns instantes pensando...
― É escuro, igual o meu ― respondeu ele ainda mantendo os olhos fechados. ― Mas o dela é grande.
― E os olhos? Também são como os seus?
― Não ― balançou a cabeça em negativa. ― São verdes. Os do meu pai são pretos.
― Hm! Sua mãe é uma mulher muito bonita ― disse Magali. ― E o que mais?
― Ela gosta de usar vestidos, mas não gosta de usar sapatos com aquelas coisas grande e pontuda na parte de baixo. Sabe cozinhar e... e tem cheiro de flores de ameixa. Gosta de animais, mas não de monstros.
― Eu também não gosto de monstros ― brincou a empregada. ― O que mais? ― tentou incentivá-lo a continuar falando.
E a abordagem estava dando certo, pois o rosto do jovem se abriu e as lágrimas pararam de descer. Mas então, sua expressão caiu mais uma vez na melancolia.
― Quando estou triste, ela me abraça e...
― Assim? ― Magali puxou o pequenino para perto e o envolveu em um abraço caloroso, apertando-o de uma maneira que pudesse confortá-lo por inteiro. ― O que sua mãe faria depois?
― Ela... ― hesitou em falar. ― Faria carinho na minha cabeça.
― Deste jeito? ― Deslizou os dedos da mão direita sobre a cabeça do garoto enquanto o segurava com o outro braço. E ele respondeu muito bem ao carinho, pois relaxou de uma maneira que fazia parecer que aquele era o lugar mais seguro do mundo. ― Diga-me uma coisa, Jovem Nobre. ― Magali sussurrou baixo, usando de um tom meigo. ― Você acha que mãe também faria... ― ela colocou as mãos na cintura do pequeno ― Cosquinhas! ― E gritou conforme exibia um largo sorriso divertido.
― Ahahaha! Para, Magari! ― Xiao Bai se contorceu e gargalhou. Tentou se libertar, mas as risadas lhe tiraram a força. ― Para! Isso dói.
― Ah! Sinto muito! ― lamentou, percebendo o erro que tinha cometido. Ela parou de fazer cócegas e deu um beijo no topo da cabeça do pequenino. ― Eu te machuquei?
Os dois permaneceram naquele lugar por algum tempo, ao menos até o garoto esquecer o que tinha acontecido e parar de tremer. Depois disso, a empregada o levou de volta para o quarto e cuidou de seus machucados usando uma pomada para diminuir a dor e, quem sabe, evitar o surgimento de hematomas.
Apesar da melancolia que persistia, o garoto se permitiu ser tratado além de ter sorrido algumas vezes e no final escutou com bastante atenção o que a mulher falou:
― Escute, Jovem Nobre ― disse ela, assumindo um tom sério. ― Nunca mais chegue perto de seu avô. Não fale com ele e evite a todo custo irritá-lo. Tudo bem? Você promete fazer isso por mim?
E ele respondeu através de um aceno taciturno de cabeça.
Quando deixou o quarto mais tarde naquela noite, Magali tinha ganhado uma nova perspectiva de seu trabalho. No começo parecia ser um ofício normal com o qual já estava acostumada; não amava, mas também não detestava. No entanto, cada vez mais sentia estar em um lugar deprimente.
Sua disposição para ficar ali diminuía de tal maneira desgastante, de modo que ao se imaginar voltando para sua rotina, perdia toda e qualquer motivação. A única coisa que a impedia de sair pela porta e jamais voltar era a criança que sempre aparecia para brincar e que narrava os acontecidos do dia cheio de alegria.
Enquanto percorria os corredores da mansão, meio perdida, distraída, sem vontade de retomar a limpeza do Quarto Branco, Magali pensava em quando algo do tipo voltaria a acontecer ou no que teria acontecido se não estivesse por perto. Tudo isso a entristecia, pois sua impotência em tomar qualquer atitude não mudaria. Neste momento, tudo o que podia fazer era torcer para o Jovem Nobre se manter longe do avô e pedir aos Deuses que nenhuma brutalidade voltasse a ocorrer.
No entanto, suas esperanças foram em vão quando oito meses depois uma tragédia ainda pior aconteceu.
Na ocasião, Magali tinha saído para fazer algumas compras e quando voltou encontrou uma grande agitação por todo o casarão. Alguma coisa tinha acabado de acontecer.
Sem entender o que tinha acontecido, perguntou para a primeira colega que encontrou no caminho:
― Eu perdi alguma coisa?
― Ah! Bem... ― A mulher estava alterada, assombrada por uma expressão de pesar. ― Xiao Bai sem querer quebrou um vaso importantíssimo que tinha sido dado de presente por uma Família da capital e o Ancião ficou furioso. Deu uma surra no menino e agora está levando ele para o jardim nos fundos.
Depois de ouvir isso, Magali saiu correndo à procura do agressor. O desespero em seu rosto era perturbador. Seus olhos estavam arregalados, a testa expunha contornos hediondos e a respiração se mostrava acelerada. Por dentro, seu coração disparava feito galopes de um cavalo fugindo de um demônio enquanto o estômago era atormentado por geadas que lançavam calafrios por todo o seu corpo.
Ela correu o mais rápido que podia, embora não soubesse se conseguiria fazer algo. Chegou a tempo de ver o 1º Ancião segurando o neto pela nuca com uma brutalidade questionável, como se estivesse tentando fincar os dedos em seu pescoço, enquanto rumava em direção a um quartinho que outrora fora usado para guardar as ferramentas dos jardineiros, mas que agora se encontrava abandonado devido ao odor pestilento e a proliferação de insetos.
Não existia janelas no lugar e a única fonte de luz eram os poucos buracos no telhado. As paredes, tanto internas quanto externas, se encontravam tomadas por lodo e bolor. O piso ainda faltava construir e a terra socada apenas facilitava o surgimento de novas pestes.
Enquanto era arrastado, Xiao Bai, que tinha o rosto inchado e os braços cobertos de hematomas, choramingava alto.
― Por favor, vovô! Me desculpa! Eu não vou fazer de novo! ― Em meio aos soluços ele tentava desesperadamente se soltar, mas os braços fracos eram incapazes de se opor à tirania que o prendia.
Diante da cena miserável, muitos daqueles que trabalhavam na mansão saíram para ver o que estava acontecendo, mas o Ancião não se importou com a plateia e sem demonstrar misericórdia nenhuma, atirou o neto para dentro do quartinho como se fosse um boneco sem serventia e fechou a porta, dando pouca relevância para as lamúrias do garoto.
Após trancar a porta com uma corrente velha, ele se virou e começou a se afastar, agindo como se nada de relevante tivesse acontecido. Mas antes de voltar para dentro da mansão, parou e olhou para um homem que assistia de uma passagem lateral.
― Shun, ele ficará trancado por duas semanas, sem água e sem comida ― informou, mirando o sujeito de cabelo escuro e cujo rosto começava a ser tomado por rugas mais severas. ― Não deixe ninguém entrar.
Vendo o que estava acontecendo, Magali não conseguiu ficar calada e correndo o risco de atrair a ira de uma figura tão importante, colocou-se na frente do velho e falou:
― Você não pode fazer isso! ― Seu tom era de indignação. ― Ele só tem cinco anos. Não basta a crueldade que o fez passar, agora deseja matá-lo como se fosse um bandido qualquer? Aquela criança é o seu neto. Tenha o mínimo de simpatia.
O 1º Ancião Dong interrompeu seus passos quando a empregada se pôs em seu caminho, mas depois de terminar de ouvir o que ela tinha a dizer, deu a volta ao seu redor e retomou a caminhada. Porém, após dar alguns passos, parou e ralhou:
― Desde quando uma serviçal tem o direito de dizer alguma coisa? Agradeça por eu ser misericordioso. ― Terminando de falar isso, ele saiu.
Naquela noite, Magali tentou de todas as formas entrar no quartinho, mas acabou sendo barrada. Mesmo quando alegou que só queria dar um pouco de água para o menino, o cultivador colocado de vigia foi bastante direto ao exigir sua retirada. No final, tudo o que ela pôde fazer foi ficar a distância, escutando o Jovem Nobre chorar.
Xiao Bai passou o primeiro dia chorando e implorando para sair. À noite falou do frio que estava sentindo e durante um longo período chamou pelo nome da empregada, que respondeu suas primeiras súplicas com muito carinho, mas depois de um tempo parou de falar, deixando-o sozinho, acompanhado apenas pelos próprios choramingos e os insetos picando sua pele.
Magali foi obrigada a voltar para dentro da mansão e mais tarde, quando não se aquietou mesmo assim, foi proibida de chegar perto do quartinho enquanto a punição durasse. Mas nem por isso ela se acomodou e esperou em um lugar qualquer as duas semanas passarem. Tentou de diversas formas encontrar um jeito de se aproximar, porém acabou sendo flagrada em todas as tentativas por Shun.
E quando o Jovem Nobre parou de falar, pedir ajuda ou fazer qualquer ruído, o que aconteceu no quarto dia, ela buscou desesperadamente convencer o 1º Ancião a mudar de ideia. Entretanto o mesmo se recusou a vê-la e deixou uma ordem de não aproximação para os praticantes e servos que o seguiam.
A empregada passou os dias seguintes agoniada. Lamentou em profunda aflição o quão impotente era perante tal autoridade que exercia uma influência tão grande em uma Família. Não existia nada que pudesse fazer ao velho e sua tirania.
E então, as duas semanas passaram.
Chegado o dia de enfim libertar Xiao Bai, Magali se apresentou nos fundos da casa tão logo o sol nasceu, mas o quartinho não foi aberto de imediato. O vigia esperou até a hora exata na qual a criança foi presa para voltar a abrir a porta. E quando o sol finalmente deixou seu zênite, a corrente que impedia a passagem foi tirada.
Diferente do momento em que ele foi jogado para dentro do quartinho, ninguém se deu ao trabalho de ir assistir sua soltura, mas Magali não deu importância para isso e assim que a porta foi aberta, correu para dentro, empurrando o carcereiro para sair do caminho. No entanto, antes de dar três passos sequer, parou, horrorizada com a cena.
Xiao Bai se achava encolhido num canto, segurando o broche de folha em uma mão. Tremia tanto que parecia ter desenvolvido uma doença que afetou seus nervos. Seus membros se encontravam cobertos por caroços vermelhos inchados dos quais, em alguns, minavam uma água de início de recuperação enquanto outros expeliam uma secreção amarelada. Seus braços, pernas e o corpo no geral estava tão magro que as roupas, as mesmas de quando foi jogado naquele lugar, apresentavam uma folga antes inexistente. De tão fundos, opacos e sem vida, seus olhos lembravam os de um cadáver passando pela decomposição.
A aparência do garoto era terrível, mas isso foi apenas uma das coisas que perturbou a empregada. No outro canto era possível ver um amontoado de fezes e outras coisas que exalava um cheiro horrível. Em frente a criança existia um jarro quebrado cujo odor nauseante de urina impregnava o ar ao redor. E por todo o local, moscas voavam se fartando da miséria e desgraça que decorava o cenário.
Quando soube que o menino seria abandonado ali, sem água ou comida, jamais imaginou que o deixariam naquelas condições desprezíveis. Ela estava horrorizada com a crueldade. Seu coração se afogava em uma mescla de compaixão e amargura. Por um instante, um breve instante, permaneceu paralisada, estarrecida, mas assim que percebeu que seu comportamento atual não era diferente do resto daquelas pessoas fingindo estar tudo normal ― passível e indiferente ―, sentiu nojo de si mesma e instigada por esse sentimento avançou em direção ao pequeno.
Magali ignorou o cheiro, a visão perturbadora, bem como o sentimento condenável que queimava em seu peito e se sentou no chão sujo para poder abraçar e beijar a cabeça do Jovem Nobre.
― Magari... ― balbuciou o garoto. Sua voz era fraca, tremia tanto que de alguma forma denunciava uma mentalidade debilitada. ― É você?
― Sim! Sou eu, Jovem Nobre! ― informou usando um tom angustiado. Lágrimas tomaram conta de seus olhos e escorreram, percorrendo o caminho criado pelas maçãs do rosto. O peso de ter aquele menino desnutrido nos braços, de sentir seus ossos, sua leveza, era sufocante, quase insustentável. Mas ela aguentou, segurou da melhor maneira que podia, pois não queria preocupá-lo ainda mais. ― Me desculpe... Me desculpe... ― Porém, era difícil demais negar a sensação de culpa.
― Eu sou uma pessoa mau? ― indagou ele.
― Não, não, não, meu querido! ― respondeu ela, angustiada, carregando na voz trêmula toda a tristeza que sentia. ― Você é o menino mais doce, gentil e bondoso de todo o Império Dourado.
― Eu to com fome.
― Tudo bem, querido! Eu vou fazer a melhor comida do mundo só para você, certo? ― Magali o pegou no colo e o carregou de volta para a mansão.
Naquele dia a empregada usou o máximo de seus dotes culinários para preparar a melhor refeição que podia fazer, mas serviu ao pequeno alguns aperitivos enquanto esperava tudo ficar pronto, afinal ele já havia permanecido muito tempo sem comer e não aguentava esperar mais. Durante o desjejum, Xiao Bai dispensou todas as boas maneiras que tinha aprendido e atacou a comida com extrema ferocidade; sua gula foi tanta que acabou colocando tudo para fora alguns minutos mais tarde, obrigando a empregada a cozinhar ― de bom grado ― outra vez.
Depois disso, a bondosa mulher ajudou o menino a se trocar e até mesmo deu um banho nele. O dia teve seu fim quando o Jovem Nobre foi colocado na cama e escutou uma história, que falava sobre um tirano e uma Mortal, antes de se render à exaustão.
Quando saiu do quarto do garoto, Magali ainda estava tomada pelo sentimento de culpa. A cena que viu mais cedo, às moscas, o cheiro intragável, a miséria, tudo permanecia impregnado em sua mente, cortando seu coração. A pessoa que causou tudo isso era um importante Ancião detentor de uma força e influência que jamais imaginou ter. Mas depois de ver aquilo, ela fez uma promessa para si mesma: nunca mais deixaria algo do tipo acontecer.
Mesmo que o outro lado fosse importante, forte, uma figura com muitos aliados, nunca mais permitiria que uma barbaridade do tipo voltasse a se repetir. Ela podia ser apenas uma empregada, mas faria tudo ao seu alcance para evitar outra crueldade.
E sua promessa foi colocada à prova dois anos depois, quando Xiao Bai tinha aproximadamente sete anos de idade.
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