Volume 1
Capítulo 35: O Bom Perdedor
O ser ao meu lado era envolto por sombras crepitantes que tentavam de alguma forma me puxar com mãos destorcidas.
— A quanto tempo, meu querido Jack. Parece que se enfiou em uma situação complicada de novo hm?
A vos retorcida veio em minha direção no mesmo instante em que joguei meu olhar para a primeira coisa no meu campo de visão.
Olhos dourados exalando um vapor amarelado.
— O-o que você quer? — Tentei manter contato visual lançando outra pergunta.
Era óbvio que ele só queria me confundir, me deixar mal, me reprimir de todas as formas... esse era ele, esse era o meu outro eu, Abyssus.
— Hnm, você parece um pouco mais valente do que nas outras vezes que nos encontramos, bom, não importa. — ele deu um passo afrente com seu sorriso de deboche torcendo suas bochechas. — O que eu quero saber é como você vai lidar com isso agora, eu não vou te ajudar como fiz antes, sabe disso.
“Me ajudar?”, essa questão permeou meu subconsciente trazendo um calafrio pela minha espinha.
Ajudar.
— Quando?
— Não se lembra... é verdade, você ficou inconsciente quando tomei o controle.
Ventania!
O cenário em branco foi tingido por manchas vermelhas como sangue e logo um céu carmesim se formou acima de nós, como um cobertor gigante, pulsando em uma iluminação avermelhada.
Desconforto.
Os olhos dourados fixados no fundo da minha alma, um suor e meu corpo ficando dormente.
— Me responda... q-quando?! — rangi os dentes tentando conter o medo súbito me dominando por completo para no fim Abyssus apenas se aproximar lentamente.
— Esse sangue, de quem é ele? De um inimigo? De uma simples garota que você matou por ter ameaçado sua vida? — pausou ele guiando suas mãos aos bolsos. — o que faz de alguém um inimigo em potencial? Jack, Incis, Zakio, todos estão lutando agora, aqueles que machucam e que utilizam da violência deveriam ser considerados vilões também. Essas questões sempre estão em uma constante correnteza dentro de você, não é? A empatia é um dos seus pontos fortes, mas ao mesmo tempo é inútil ter ela, até por que o que está feito está feito.
Abyssus deu de ombros ao terminar suas palavras. Seu sorriso sempre estampado de uma forma nojenta, escarnio e zombaria.
Nós estamos lutando, todos nós temos a capacidade de machucar, é a mais pura verdade.
Sendo assim, não existe um lado certo na história, não existem heróis ou vilões se o sangue for derramado no final de tudo.
Uma brisa refrescante bateu sobre meu corpo.
A resposta.
Esse questionamento parecia ter sido inibido dentro de mim, como se de alguma forma eu estivesse aceitando o que essa coisa escrota quer me passar.
Meus cabelos balançando em sincronia com minhas vestes no que um sorriso estranho começou a se abrir em meus lábios.
— Hmph... talvez isso seja verdade. — afirmei erguendo os olhos para o céu carmesim acima de nós.
Raízes negras se estendiam pela imensidão escarlate, era como se minha alma estivesse sendo aos poucos corroída, repulsivamente violada e maculada.
Pensando bem agora, eu nunca tinha conseguido ter uma conversa assim com essa coisa, eu tinha medo.
Ele sempre afirmava ser eu e estranhamente quando tínhamos uma conversa era como se minha pessoa estivesse sendo manipulada, levada a algo que eu não deveria acreditar, mas agora... tudo o que ele falou parecia verdade, mas que merda!
— Sua tristeza, passado, angústia, está tudo principalmente atrelada ao sangue, sangue esse que você sabe de quem é. — A voz destorcida ecoou engolindo tudo ao meu redor como uma cortina de sombras e negatividade.
Uma imagem começou a se formar diante de mim, semelhante a um quebra-cabeças gigante. Cada fragmento se montando em uma imagem borrada que aos poucos foi ficando mais nítida.
“O que... caralhos é isso?”
O sangue.
Meu corpo congelou ao mesmo tempo que o sangue que fluía por cada veia por baixo da minha pele ficou frio.
Minhas mãos estavam sujas de carmesim, em meus braços eu carregava uma garota de cabelos curtos, suas vestes estavam desbotadas e sujas de vermelho.
— Ela era sua irmã, Luma Hartseer.
Meu Alter Ego levantou sua voz respondendo essa pergunta que me perturbava tanto.
— Mi-Minha irmã, morreu?
Meus lábios tremendo, minha face se contorcendo em puro horror e o peito apertando, apertando e apertando. Meu coração estava quase estourando, semelhante a um pequenino tomate maduro sendo esmagado por um simples aperto.
— Shishi! — Riu a figura crepitante. — Mais do que isso, ela foi morta.
Tum! Tum! Tum!
Meu coração começou a acelerar tanto que foi possível sentir o sangue quente sendo bombeado subir pelas minhas orelhas. Um calor de ansiedade crescendo pelo meu corpo.
“Morta? Quem? Onde? O que isso tem de relação com a situação atual?”, perguntas e mais perguntas preenchiam o caos que se formou em minha mente.
Uma mistura de tristeza e ódio, angústia.
Minhas mãos tremulas se levantaram de modo involuntário para no fim, minhas unhas começarem a arranhar meu próprio rosto, minha pele.
— Ghn! Quem?! — Um grito desesperado saiu em meio aos meus dentes rangendo.
Ardia. Minhas unhas raspando a pele do meu rosto deixando marcas vermelhas com uma dor ardente, de novo, de novo e de novo, foi tipo tentar cavar no barro apenas com as mãos.
Eu sabia a resposta, mas ao mesmo tempo não conseguia encontra-la, por que?
“Por que? Por que? Por que? Por que? Por que? Por que? Por que? Por que? Por que? Por que? Por que? Por que? Por que? Por que? Por que? Por que? Por que? Por que? Por que? Por que? Por que? Por que? Por que? Por que? Por que? Por que? Por que?”
Como um jogo rodando em um computador velho, meus pensamentos bugaram, travaram em uma única questão solitária que apodrecia minha alma e corpo.
Passo.
Quando percebi, o reflexo de mim mesmo, minha segunda face que falava comigo esse tempo inteiro estava próxima de mim, tão próxima que eu senti sua respiração quente sob meu nariz.
O sorriso quase rasgando suas bochechas torcidas, os cabelos grandes e desgrenhados e por fim os olhos brilhando em um dourado ofuscante.
— Só você é capaz de encontrar essa resposta, só você pode usar do ódio e tristeza pra se sobressair sobre isso..., mas pelo jeito você vai morrer antes que consiga, perdedor de merda.
Nesse impasse tudo ao meu redor se desfragmentou e eu voltei para a grande mansão Blazeworth onde estava rolando tudo.
Mais adiante ao lado da esquina do colossal corredor estava Zakio e Renard trocando golpes e esquivas contra a mulher que esteve fazendo todos de marionete esse tempo inteiro, Misa Hordrik.
“Perdedor. Sim, eu sou um perdedor.”, meus punhos se apertaram tão forte que senti minhas unhas afundando nas palmas.
— Mas se existem vencedores, também tem perdedores. Eu sou um perdedor. — Ergui minha face em direção a luta no fim do corredor enquanto uma angústia queimava em meus olhos. — Se existe algo que sou bom é em perder, qual o problema disso porra?!
Meu corpo estremeceu no que a raiva me consumiu por completo. Eu levantei a adaga suja de sangue em minha mão.
Usando todas as minhas forças arremessei a arma branca no meio do corredor, rasgando o vazio.
Os músculos do meu braço direito se contraindo em uma dor latejante.
— QUE SE FODAM TODOS OS “VENCEDORES”!
Meu grito engoliu o corredor enquanto a lâmina viajou pelo ar vazio como uma verdadeira bala.
A Moon Blade dada a mim por Incis agora não era nada mais nada menos do que uma ferramenta para causar dor e morte, a lâmina da lua que conseguia acertar golpes críticos com mais facilidade em noites de lua cheia.
Vuuuush!
Todos se distraíram jogando os olhares para mim, mas era tarde demais.
O sangue jorrou.
— Gargh!
[Você acertou um dano crítico!]
O ombro de Misa Hordrik foi perfurado pela adaga negra que colidiu contra sua pele rasgando o tecido que cobria o local de forma selvagem assim penetrando sua carne como uma flecha.
A mulher foi levemente para trás por causa do impacto, mas antes mesmo que a mesma pudesse reagir eu rugi.
— Skill On! Manipu Laminae!
[Uma Skill foi usada!]
[Você perdeu 50 pontos de HP]
De alguma forma eu comandei para que minha adaga saísse de onde ela havia se enterrado e a resposta...
Corta!
A Moon Blade me obedeceu.
— Aaaaargh!
O grito de agonia de Misa Hordrik, o som da carne perfurada sendo partida novamente quando a lâmina foi puxada molhando tudo de sangue.
Eu segurei meu próprio braço com a outra mão e o apontei na direção da adaga abrindo minha mão para recebe-la novamente.
O rastro negro e metálico viajou os ares como se estivesse sendo puxado por uma corda e rapidamente bateu sob minha palma que aberta selou seus dedos em volta do punho.
[Sua corrupção mental aumentou em 10%]
[A Skill Special (Modo Angustia) encheu em 50%]
Painéis vermelhos brilharam na minha frente, anunciando os resultados dessa explosão de sentimentos negativos.
— Ma-Mas o que?!
— Jack?
As faces chocadas de Zakio e Renard em minha direção enquanto a mulher segurando seu ombro escorrendo sangue no fundo fixou seu olhar frívolo em mim.
Depois de todo esse tempo, temendo o sangue, temendo a carnificina.
Agora eu estava sendo responsável por derramar o líquido carmesim da vida, estava causando dor a alguém... eu não era um herói, longe disso, eu era o protagonista da minha própria história sombria.