Volume 1
Capítulo 2: Chuva Sangrenta
Eu passei um longo tempo na escuridão completa, nem ouvia e nem conseguia ver nada. Foi então que um som surgiu do completo silêncio.
Era distante, mas o suficiente para escutar, era... o som do vazio, como o interior de uma caverna totalmente oca e escura.
Eu recobrei minha consciência lentamente e já sentia algo parecido com calor. Calor, esse elemento realmente combinou com o incômodo que nasceu em mim, um sentimento de que algo estava fora dos eixos.
O som que antes estava distante aos poucos começou a aumentar e penetrar minha mente. Meu coração bateu forte.
Minha respiração se regulando, meu cérebro voltando a funcionar como um computador iniciando e meus olhos abrindo.
Uma imagem borrada se formou no completo breu enquanto minhas pupilas tentavam se regular.
— Ugh! Mas o quê? — Eu levei minha mão para a testa confuso.
Eu senti uma dor de cabeça e minhas costas estavam deitadas sobre um material rígido e empoeirado que me deu uma leve agonia logo de início, mas isso não foi nem o pior dos detalhes.
Diante dos meus olhos a imagem duplicada e confusa passou a se tornar mais nítida e em poucos segundos eu finalmente percebi o que era.
Vupt!
A ponta de um machado que caiu diretamente sobre meu rosto.
— Que caralhos!? — Meus olhos se arregalaram e eu fiz um movimento involuntário.
Rolei o meu corpo para o lado no último segundo.
— Argh! — Soltei sons de desconforto ralando minha pele.
A ponta metálica passou pelo vazio e se enterrou sobre o chão.
Sons pesados ecoaram pelo local.
Meus olhos reviraram o cenário percebendo um lugar mal iluminado e abafado. Mesas, cadeiras velhas, destroços de concreto e janelas de vidro, essas eram as principais características do lugar.
“Onde diabos eu estou? Por que tem alguém tentando me decepar com a droga de um machado?”, gritei internamente ao voltar meu olhar na direção dos passos.
Antes de sequer conseguir compreender a situação eu vi um rastro metálico vindo na minha reta.
Corta!
Eu simplesmente pulei para trás na esperança de escapar dessa coisa.
Senti todas as fibras do meu corpo gritarem em medo quando o metal vermelho e afiado passou de raspão pelo meu estômago.
Meu corpo ficou gelado com a sensação da morte eminente próxima de mim.
Com esse pulo eu pude finalmente bater meus olhos em quem segurava essa arma letal.
Uma armadura robusta com um elmo negro e dois chifres, que olhava para mim. Provavelmente você se perguntaria como diabos eu sabia que essa coisa estava olhando pra mim né?
Esse é o problema, não tinha como saber se essa coisa olhava na minha direção, mas eu senti isso do fundo da minha alma quando observei uma luz vermelha brilhando no breu dentro do elmo.
“Um robô?”, ponderei ao ver algumas engrenagens girando no peito dele também.
Meus sapatos aterrissaram no chão derrapando pra trás.
Dando mais um passo à frente a máquina empunhando um machado em sua mão caminhou na minha direção, estava preparada para partir-me ao meio.
A grande bota de metal parecida com a pata de um urso bateu sobre o chão aproximando-se de mim.
“Droga, droga, droga!”, meu corpo tremia com minha mente.
Bang!
Um som abrupto somado de um Flash de luz engoliu a escuridão.
Foi um rastro de fogo que se espalhou pelo ar como uma flecha.
O projétil flamejante colidiu com o elmo da “coisa” de machado que explodiu em chamas.
A explosão de fogo me jogou para trás e os ventos ficaram violentos.
Eu apenas caí sobre o chão meio desnorteado com a situação. Me deu um pouco de raiva cair tantas vezes seguidas sobre o chão como se fosse uma criancinha indefesa.
— Gh! ghn! — rangi meus dentes ralando as costas sobre pedras.
Um zumbido começou a ecoar nos meus ouvidos e uma dor de cabeça a distorceu minha visão.
“Um tiro me salvou, mas quem atirou?”, indaguei internamente.
— Puta merda... — Eu levantei minhas costas do chão ainda meio ofegante.
Quando olhei para o motivo da minha aflição novamente vi o corpo metálico do cavaleiro robô se dissolvendo em chamas sobre o solo.
Isso por si só se transformou numa fogueira gigante que passou a iluminar grande parte dos arredores.
O cenário ao meu redor se tornou um pouco mais nítido com a luz das chamas. Eu finalmente consegui entender a estrutura desse lugar que na minha opinião, era até que bem interessante, não, talvez essa não seja a palavra certa no momento.
Paredes rachadas, teias de aranhas. Um lugar macabro e misterioso, essas sãos a palavras exatas.
— É o interior de um prédio. — Pensei em voz alta.
“Isso é um sonho? Será que é alguma pegadinha? Já sei, é um daqueles sonhos onde eu sou reencarnado.”, minha mente era preenchida por diversas perguntas.
Nenhuma dessas dúvidas tinha uma resposta clara e eu não conseguia me lembrar de absolutamente nada que tinha acontecido antes do meu corpo apagar. Minha mente estava perdida no vazio.
Ainda meio zonzo eu passei pelo robô em chamas e meu corpo foi banhado por alguns raios de luz — não do fogo — mas sim de algo um pouco mais à frente dali.
— Gh! Quem foi que ligou o tema branco? — reclamei cobrindo meu rosto que era violentado pela luz esbranquiçada.
A ventania adentrou os interiores do prédio espaçoso e sujo jogando um pouco de poeira pra cima.
Haviam gigantescas janelas de vidro por todas as paredes, elas estavam bloqueadas pelo que pareciam ser montes de areia deixando o local mal ventilado. Senti um leve calafrio quando percebi o quão grande era esse lugar.
Click!
Um som ecoou e meus passos sessaram no mesmo instante que o escutei.
— Huh?! — Eu entrei em estado de alerta instintivamente e continuei imóvel, totalmente atento aos meus arredores, entretanto nada aconteceu.
“Não me diga que é outro daqueles machados né? Eu quase fui decapitado.”, me arrepiei só de pensar.
Foi então que uma abrupta dor de cabeça tomou meus pensamentos... essa dor de cabeça, essa maldita dor de cabeça. Eu desejava que nunca pudesse senti-la novamente, pois o que veio a seguir dela mudou tudo, quando digo isso é por que foi realmente tudo.
— Ngh! — Dei alguns passos para trás pondo minhas mãos sobre a cabeça.
Diante de mim uma estranha luz começou a se formar.
Uma pequena tela brilhante que se surgiu envolta de um brilho azulado. Meus olhos simplesmente se arregalaram e minha face ficou surpresa.
No centro do painel reluzente vários Pixels coloridos piscaram e aos poucos formaram textos.
[Sincronização completa!]
[Você agora é um Lost!]
[O local atual é desconhecido.]
— Quê? — soltei palavras abismadas perante a tela transparente.
[Houve uma intervenção no combate anterior!]
[Responsável pela intervenção: Desconhecido.]
[Você não foi capaz de receber Ranking Points.]
Ainda meio assustado eu me aproximei do painel brilhante, era familiar para mim, mas não pude evitar de continuar cauteloso depois de quase ser morto logo ao despertar.
Passo. Passo.
“Olhando mais de perto ela é realmente como a tela de um monitor só que muito fina e... É realmente igual aqueles menus de jogos RPG, isso é simplesmente demais!”, eu senti uma empolgação crescendo internamente.
Meus olhos desceram para as minhas mãos sujas de poeira.
— Que nóia é essa? — girei minhas mãos analisando-as com uma face de dúvida.
Eu quis ter certeza de que isso fosse real, esse tipo de coisa era simplesmente um sonho realizado para mim. Um sistema de evolução semelhante ao de um RPG clássico apenas meu.
Meu olhar voltou para o painel reluzente e assim ele sumiu diante de mim como fumaça.
— Su-sumiu!
Eu revirei meus olhos procurando pelo painel flutuante, mas a única coisa que fui capaz de ver de novo era aquela luz que vinha da possível saída dos interiores escuros do prédio.
“Acho que devo me acalmar, é muito cedo pra comemorar ainda. Vou apenas focar em sair daqui por hora, depois eu vejo se realmente virei um protagonista apelão de Isekai.”, concluí balançando a cabeça.
Era claramente uma conclusão estúpida pra alguém totalmente perdido e provavelmente em uma situação de risco, mas você pensa que logo após ver um painel reluzente como aqueles eu me importaria?
Me aproximando mais e mais da luz eu passei pela saída e fui banhado por raios solares.
Eu esfreguei meus olhos por alguns segundos e a luz se dissipou rapidamente, revelando a imagem de uma grande cidade em ruínas coberta por areia e destroços.
“É realmente bem quente aqui, apenas alguns segundos expostos nessa luz foram suficientes pra me fazer suar um pouco. Esse tipo de sensação com certeza não é algo que um sonho proporcionaria”, ponderei passando a mão no suor da minha testa.
O vento bateu sobre mim e a areia em baixo dos meus sapatos era jogada de um lado para o outro. Ainda descrente da situação eu dei uma pequena beliscada na minha bochecha, entretanto acabou sendo inútil.
— A-ai! não funcionou.
Desconfiado eu decidi andar um pouco pelo meio das ruínas cobertas de areia.
Os asfaltos ainda estavam de certa forma inteiros, tinham alguns buracos e rachaduras, mas ainda era possível de se caminhar tranquilamente.
Eu via estranhos veículos enferrujados e destroçados jogados pelas ruas também.
Isso se pareceu muito com o início de alguma Novel certo? Ou quem sabe algum Mangá?
Bom, mesmo se fosse bem semelhante, isso não conseguia me deixar completamente empolgado. Eu apenas estava perdido e de alguma forma... perturbado.
Haviam vários arranha-céus totalmente destruídos e as ruas eram espaçosas. Uma grande cidade fantasma.
“Ah cara... cadê aqueles poderes super maneiros e aquelas personagens que sempre entram pro grupo do protagonista? Isso tá meio sem graça.”, suspirei analisando os arredores em tédio.
“Talvez seja só questão de tempo, talvez eu não encontre apenas uma personagem, mas várias! Hm... pensando bem isso seria bem clichê, eu também não me sinto nada confiante em me relacionar com várias personagens ao mesmo tempo. Por que diabos estou pensando coisas tão estúpidas assim? Eu sequer tenho amigos.”
Eu franzi minhas sobrancelhas quando percebi meus pensamentos constrangedores.
— Ei garoto, você aí! — Uma voz ecoou pela avenida destruída. Cessando meus passos eu virei o olhar na direção de onde a entonação veio.
— O-oi? — Soltei um cumprimento tímido ao ver uma figura atrás da grande janela de um prédio não muito distante de mim.
— Você quase morreu agorinha, pare de se colocar em perigo e corra! — Ela gritou para mim num tom preocupado.
Fiz uma face confusa para a pessoa desconhecida que vestia um capuz negro escondendo sua face.
— Correr? Ué, tá falando do quê? — gritei de volta.
Em alguns segundos minha pergunta foi respondia.
Um estrondo ensurdecedor. Os arredores estremecendo.
Uma explosão azulada surgiu no meio da rua.
— Merda! É tarde demais. — A figura abaixou seu capuz revelando sua face. Longos cabelos negros, olhos dourados e pele pálida.
Uma garota. Finalmente ela havia aparecido!
— Corra o máximo que puder, eu cuido deles! — exclamou ela de cima da janela ao erguer um grande rifle escarlate sobre suas mãos.
Voltando a atenção para a explosão de energia, estranhas criaturas saíram de dentro das chamas azuladas.
Vupt! Vapt! Vupt!
Cinco vultos de cor branca pularam da explosão. Pelos brancos, presas carmesins e lindos anéis reluzentes que envolviam seus pescoços, peculiares lobos.
Os quadrupedes aterrissaram sobre o asfalto e rosnaram na minha direção com uma intenção assassina de arrepiar qualquer um.
Eu pude ver as presas afiadas repletas de saliva, não, lâminas mesmo. Haviam lâminas brancas no lugar de seus dentes.
As bestas selvagens avançaram sedentas por sangue.
Vultos brancos que se moveram tão rápido que eu mal consegui acompanhar.
Em desespero eu só dei meia volta e comecei a correr.
Não havia tempo para pensar, eu me movi apenas por puro instinto. Mais uma vez eu estava em perigo, comecei a me perguntar se eu era mesmo o protagonista.
Bang!
O mesmo som de antes engoliu a rua como um trovão.
Olhando assustado para trás eu vi uma pequena explosão de luz aparecer da janela do prédio.
Com um grande rifle na sua mão a garota disparou um projétil brilhante na direção de uma das bestas que me perseguia.
Uma bala flamejante que viajou pelo ar quebrando os ventos.
O sangue respingou quando um dos lobos brancos foi atingido.
O animal rolou pelo asfalto como um trapo velho enquanto seu sangue esguichou.
Eu mal conseguia respirar direito no meio da corrida, mas isso foi definitivamente foda.
[1 Vitalis Wolf foi derrotado!]
[Você não foi capaz de obter Ranking Points.]
Eu continuei correndo sem parar. Era algo estranho, empolgação e dúvidas se misturavam dentro de mim agora que tinha visto tudo isso.
Bang!
Outra bala letal foi disparada. Um som esmagador rasgando o vazio e ressoando pela cidade.
Eu ouvi um dos monstros atrás de mim sendo perfurado impiedosamente pelo projétil e mais sangue voava.
[1 Vitalis Wolf foi derrotado!]
[Você não foi capaz de conseguir Ranking Points.]
“Então foi ela que me salvou lá dentro do prédio!”, concluí em minha mente. Minhas pernas se moviam sem parar.
Passos! Passos! Passos!
Um pouco mais a frente eu avistei uma estranha silhueta vermelha no meio da rua, ela exalava uma espécie de brilho.
Vestia roupas de cor vermelho com preto e parecia segurar algo em sua mão. Era claramente um homem.
“Não me diga que esse cara quer me matar também?”, eu franzi minhas sobrancelhas sentindo um medo crescendo.
Ele ergueu o objeto em sua mão semelhante a uma grande lâmina usando um único braço.
O meu corpo cansando a cada passo que era dado sobre o asfalto sujo de areia, o som da minha respiração ofegante somada do calor escaldante, era tudo como naquelas histórias de reencarnação que eu costumava ver.
Passos! Passos! Passos!
O homem no final da rua olhou na minha direção.
Ele deu um passo pra trás e entrou em postura de batalha brandindo sua arma letal como um samurai.
— Skill On! — gritou ele ao lançar sua espada para frente como uma lança.
Ventania!
A gigantesca lâmina prateada girou pelo ar sendo envolta de um brilho azulado. Uma navalha voadora.
Eu pulei por baixo da espada sem pensar duas vezes. Por um mero vacilo minha cabeça seria separada do pescoço.
— Ghargh! — grunhi de dor enquanto meu corpo colidiu contra o chão em movimento.
Os lobos pularam na minha direção como cobras famintas.
Os lindos pelos de cor opaca foram envolvidos por brilhos escarlates e então um estrondo quebradiço os acertou.
Uma luz explodiu das feras e meus olhos apenas se fecharam tentando proteger suas retinas da luz estridente.
— Radium Espada! — Foi o que o dono dessas palavras disse ao materializar-se no ar como um polígono sendo renderizado.
Ele caiu diante das criaturas e agarrando a sua espada no ar o espadachim a girou partindo os ares.
Foi tudo muito rápido, eu vi por um momento e perdi de vista no outro.
O vulto da lâmina rasgando seus alvos e logo em seguida a silhueta borrada de quem a empunhava desaparecendo.
Foi simplesmente absurdo.
As feras rasgadas no meio espalharam sangue e vísceras para todos os lados. A substância viscosa e avermelhada voou respingando em mim como uma verdadeira chuva sangrenta.
Vuuush!
O homem de cabelos espetados meio ruivo simplesmente surgiu sobre mim com uma pose foda. Sim, muito foda!
Acho que essa seria a melhor forma de descrever a sua postura segurando essa espada gigante que parecia uma placa de ferro fina.
— C-caraca... — Eu olhei para ele com minha face abismada coberta de sangue.
[Todos os inimigos foram derrotados!]
[Você não recebeu Ranking Points.]
A adrenalina cessou e eu finalmente consegui pensar de forma mais racional.
Ao me erguer do asfalto uma face de terror nasceu em mim. Olhando melhor a cena em que me encontrei toda a empolgação foi retalhada.
Sentado sobre o chão eu via os lobos dilacerados sobre o solo somados de grandes poças vermelhas que se expandia lentamente.
Tripas, corações, nervos e o carmesim escorrendo. Um cenário que era digno de um filme de terror.
— Gh! — Tapei minha boca pra não vomitar.
Isso definitivamente me deixou perturbado. Eu deveria me sentir assim quando estou em um Isekai?
Matar simples monstros traria tanto peso para minha consciência? Aliás, nem fui eu que os matei também.
— O sangue dessas coisas é tão perturbador assim moleque?
Uma voz adentrou os meus ouvidos puxando-me do grande mar de pensamentos neuróticos.
— H-hm... quem é você? — Pisquei meus olhos ao voltar para a realidade.
Erguendo meu olhar para o dono da pergunta eu vislumbrei lentamente as suas estranhas características.
Vestes vermelhas com placas de metal negras que cobriam todo o seu corpo, além disso havia uma cicatriz no centro de sua face... eu apenas senti um arrepio com seus olhos que se assemelhavam com duas luas de sangue.