Ultima Iter Brasileira

Trauma Longínquo

Capítulo 96: Lindo e Trágico

 

[8 Anos Atrás]

 

Storlyx e Renard se encontraram paralisados por uma sensação imponente e pesada caindo sob seus ombros.

Sombras envolvendo os arredores quando a presença oculta pela falta de iluminação no local se revelou em conjunto a entonação firme.

— Parece que até mesmo o cavaleiro mais frio do império sente medo.

“Essa voz... Iktno?”, Storlyx arregalou os olhos azuis.

O homem diante deles trajando um sobretudo carmesim acompanhado de diversas fivelas soltas com adornos dourados, seu cabelo era divido ao meio entre branco e preto enquanto seus olhos tinham uma coloração dourada.

— Seus motivos pra lutar ainda são egoístas como antigamente ou existe algum motivo melhor pra toda essa frieza em seus olhos? — Foi o que indagou o homem de sobretudo escarlate, erguendo um dos braços ele abriu sua mão envolta por uma luva negra.

Ventania!

Um conjunto de sombras púrpuras irradiou sob seu braço e rapidamente se dissiparam em direção de Renard e Storlyx.

Num piscar de olhos o golpe que havia empalado o abdômen de Renard não estava mais lá, nem mesmo as posições em que ele e Storlyx estavam eram as mesmas.

O saguão de entrada com seus pilares de sustentação destruídos pelo combate estava em perfeito estado como se a luta tivesse... regressado?

De pés e com uma face chocada Renard varreu seus olhos prateados para trás. — Q-Quem é você?!

No mesmo instante um som suave de algo afiado passou em alta velocidade pelo seu ouvido.

Quando Renard se virou para o homem misterioso não havia mais nada ali, assim essa figura desconhecida ressurgiu diante de Storlyx e com isso tocou a ponta do dedo indicador na testa do cavaleiro loiro que mal teve tempo de reação antes de ficar paralisado.

Um peso sob cada fibra do corpo, o suor escorrendo e a sensação de algo letal por perto.

— Nessa distância a espada dele vai te matar!

Renard mesmo dando esse aviso não conseguiu evitar de fazer uma expressão pasma.

Esse homem foi capaz de congelar o cavaleiro de coração frio e impiedoso que quase perfurou seu olho com apenas um único movimento.

— Ughn! Nhgh. — Storlyx grunhiu estático com as pupilas azuis tremendo.

Um silêncio pairou por alguns segundos.

Renard fixou seus olhos prateados no brasão da guilda R.O.U.N.D.S estampado nas costas do sobretudo escarlate desse jovem que como resposta indagou: — Então você é o tal do Renard que iniciou a operação?  O meu pai deve confiar muito em você pra lhe conceder tal tarefa.

“Espera... pai? Ele está falando do senhor Kaylleon? Então esse cara é o...”, peças se juntaram na mente de Renard.

— É um prazer conhece-lo, sou Iktno Katulis. — O garoto se virou para Renard com uma face sinistra somada a uma voz acolhedora.

— Iktno Katulis... C-Caramba eu não esperava por isso.

Com um olhar desconfiado Renard fixou sua atenção no cavaleiro loiro paralisado atrás de Iktno.

A face inexpressiva de Iktno logo se tornou sorridente quando o mesmo percebeu o receio nas pupilas opacas de Renard. — Oh! Sim, eu o paralisei. Não precisa mais se preocupar com isso, Storlyx está preso em uma ilusão e podemos subir para os próximos andares com o Bio Pass dele.

As sobrancelhas de Renard se levantando em dúvida.

“Uma ilusão, então aquele meu ferimento também foi uma ilusão causada por Iktno? Que confusão, não me lembro nem mesmo dele estar presente nessa missão, o capitão Kaylleon sempre disse que ele era um garoto meio inconsequente e que era melhor deixa-lo sempre como uma carta na manga. Por que esconderam a participação dele nessa missão?”, ponderou Renard com a franja de seu cabelo negro quase tapando seu olho esquerdo.

— Ei, alo? Te alguém aí? — Iktno se aproximou do jovem com a franja pontuda na frente da sobrancelha, um tom de voz confuso.

— Perdão, só estava analisando um pouco melhor a situação. Foi um grande choque pra mim, eu pensei que estava morto ali, mas essa luta... até que parte ela se tornou uma ilusão e como exatamente fez isso? E-Estou pasmo.

Iktno deu um passo surpreso para trás enquanto um suor leve desceu de sua testa.

— Então você é do tipo frio e calculista?! Droga, eu odeio explicar esse tipo de coisa pros outros.

[Bio Menu]

[Nome: Iktno Katulis]

[Raça: Humano Athaeron]

[Ranking: C]

[Perícia em Vitalis: LV55]

A janela flutuante que iluminou os arredores escuros do salão espaçoso foi jogada na frente de Renard pelo simples comando de mão que Iktno fez.

— Essa perícia de Vitalis é bem alta. — Renard analisou um pouco incrédulo. — Ah, droga, eu desisto de tentar entender acho que é normal vindo do irmão de Incis, todos tem o mesmo sangue do pai.

Iktno virou as costas para Renard com seu sobretudo carmesim ondulando no processo. — Então sem mais delongas, vamos salvar minha irmãzinha!

— Pode pelo menos me explicar um pouco do que diabos foram essas ilusões? — Renard acelerou o passo para acompanhá-lo.

Passos. Passos. Passos.

Ao se aproximarem da entrada do elevador metálico a voz de Iktno voltou ao seu tom sinistro e misterioso de antes.

— Isso foi o poder do medo, o meu Vitalis se baseia nisso. Sofri um trauma envolvendo medo no passado e isso agora se enraíza na minha energia vital, é assim que o Vitalis funciona, ele é a vida que habita naqueles que foram feridos.

Dramático demais, como se ele estivesse atuando em algum tipo de filme de suspense ou coisas assim, Renard não podia deixar de se sentir desconfortável com esse temperamento esquisito.

[Acesso permitido]

[Bio Pass analisado!]

Usando um pouco do sangue de Storlyx que continuou paralisado no centro do saguão os dois acessaram o elevador.

“Isso foi repentino demais, me pergunto o que o capitão Kaylleon tinha em mente com isso. Eu e o irmão de Incis subindo até os andares mais perigosos da fortaleza de Zykron, tenho um mal pressentimento sobre isso. Talvez eu deva orar um pouco para Afradia antes de tudo.”

O som das engrenagens e do vapor sendo expelido tomou conta da caixa metálica que o elevador se assemelhava e assim os dois subiram para o próximo andar.

Os reflexos borrados de suas silhuetas tomaram conta das quatro paredes cinzentas enquanto apenas o som do motor Vyer subindo o elevador pairou.

— Parece tenso, tão tenso quanto eu. — Foi o que afirmou Iktno com os olhos dourados fixados na porta selada a sua frente.

— S-Sim estou tenso só que você não parece sentir o mesmo na verdade, é a sua irmã que corre perigo aqui, sabe disso.

— Ela é forte, não iria desistir tão fácil assim de si mesma independente de sua idade. Sabe, quando éramos mais novos eu sonhava em me tornar forte o suficiente para protege-la, no fim acabei ficando com aquela cena cravada na minha mente.

Renard sentiu um tipo de tristeza nas palavras de seu companheiro encarando a porta do elevador.

— Compreendo, não sei muito bem do que tá falando, mas eu entendo como a vida gosta de nos deixar incapazes perante dificuldades.

Os punhos de Iktno cobertos pelas luvas de couro se selando firmemente.

— Bem na minha frente eu vi os desgraçados do império estourarem a cabeça da minha mãe. Meu pai mal conseguiu fazer alguma coisa quando aquele choque de energia Vyer saiu da granada no chão. — O jovem rangeu os dentes enrijecendo sua face. — E a Incis... naquela época ela era um pouco mais alta que eu, como uma irmã mais velha ela tentou me proteger, mas... o som daquela coronhada, eu apenas fechei meus olhos pra quando os abrir ver minha irmã mais velha com diversos hematomas pelo corpo. Parecia até que tinham queimado ela viva e o meu pai... bom, ele estava em choque, puro choque, com seus olhos dourados bem arregalados olhando aquela pilha de sangue e carne que originalmente era a o rosto da minha mãe.

As pupilas de Renard diminuindo com o peso das informações.

Um aperto súbito no peito, culpa, angústia, raiva, tudo se misturando caoticamente dentro de sua alma.

Renard nem sequer sabia por que fizeram isso com a família de Kaylleon Katulis o seu capitão, não sabia nem mesmo qual tipo de vida ele tinha antes disso tudo acontecer.

“Pelo amor de Afradia, por que diabos o império fez isso? O capitão morava em uma vila afastada dos países prósperos e de grande atenção das potencias, só não faz sentido, o que Zykron quer afinal?!”

Uma junção de dúvidas se formou na mente de Renard como uma tempestade.

Plim~

Foi então que o som de sino veio aos seus ouvidos avisando-o de que era hora de voltar para a missão.

— Chegamos, esse é o segundo andar.

Mesmo que ele tentasse ver por trás da face cética de Iktno e não visse mais nada, era óbvio para Renard que o tal trauma envolvendo medo veio desse passado abrupto e cruelmente confuso do jovem.

“Não temos tempo pra remoer o passado, ele está mais do que certo.”, Murmurou Renard internamente quando a porta do elevador se abriu.

Talvez fosse por isso que Iktno fez aquela pergunta a Storlyx.

Pelo que exatamente você luta?

 

[Presente]

 

De forma repentina os arredores foram engolidos vorazmente por uma escuridão absoluta.

A última coisa que Melize viu antes disso foram dentes afiados e uma boca gigante.

Suas botas pareciam tocar em algo húmido e mole semelhante a gelatina fazendo-a juntar rápidas deduções no mesmo instante.

“Aquele tentáculo no braço de Renard tinha essa habilidade também? Nunca vi nada parecido antes, parece algum tipo de arma biológica. Ele deve ter copiado isso de alguém do império, tenho quase certeza.”, a voz interna da assassina parou quando um odor desconfortável preencheu suas narinas.

— Ugh. — Ela não sabia pra onde olhar perdida na escuridão quando um líquido quente começou a subir as suas pernas.

 

[Jack Hartseer]

 

Eu realmente não esperava algo assim, foi tipo um golpe especial de algum jogo de luta.

O tentáculo bizarro no braço de Renard dobrou de tamanho com aquela ponta afiada de antes se tornando uma boca nojenta acompanhada de presas amareladas que por ventura engoliu Melize.

— Boa Renard!

Zakio comemorou suando, entretanto algo não estava certo ainda.

Foi preciso abandonar um pouco da adrenalina do momento pra tentar entender melhor o que fazer nesse momento afinal não tivemos sinal algum de que Melize foi de fato derrotada.

Eu relaxei um pouco da minha postura ao levantar minha voz: — A-Acabou?

Essa luta de fato acabou assim? Desse jeito tão... repentino?

Algo me deixou inquieto.

Não estava certo, uma assassina do império ser derrotada dessa forma, apesar de que essa coisa bizarra que o braço de Renard se tornou era de fato assustadora também.

O tentáculo de Renard pulsou emanando uma energia carmesim ao seu redor.

— Isso é a cópia de uma arma biológica do império que tive de lidar a 8 anos atrás, a Ultimessiah. Ela foi feita com Dna vampírico. — Explicou ele enquanto fazia uma face dolorida. — E-Era uma espada de um homem que enfrentei, talvez o mais forte que já vi só ficando atrás do capitão Kaylleon, mas isso não vem é o caso agora... ela está presa no estômago da Ultimessiah, logo será dissolvida pelo ácido extremamente corrosivo presente lá dentro. Sem contar que quando a Ultimessiah prende alguém em seu estômago, todas as suas habilidades contínuas são desativadas.

Meus olhos se arregalaram. — E-Então quer dizer que essa coisa realmente a matou?!

 

 

Essas palavras só fizeram sentido para a garota distante dali que com seus dois olhos amarelos observava tudo com uma face chocada.

“Dna vampírico... o mesmo que injetaram e mim?!”, indagou Incis a si mesma enquanto seus lábios tremiam.

— Ca-Capitã Incis qual o problema?

Os punhos de Incis tão firmemente fechados que suas unhas quase se enterraram nas suas palmas.

— Agora eu me lembro, é aquela arma que usaram pra perfurar o meu cérebro naquele dia a 8 anos atrás, a mesma!

A voz de Incis tinha um medo expressivo como se ela estivesse tentando se arrastar pra longe do que viu.

Tum! Tum! Tum!

Seu coração acelerando, o sangue esquentando.

A imagem do homem loiro que apagou parte da memória que ela teve tanto trabalho de recuperar, a arma nojenta que Renard usara nesse momento pertencia a ele.

Uma ânsia subiu pela garganta da esbelta atiradora Incis fazendo-a curvar-se levando ambas as mãos para tapar sua boca.

— C-Capitã Incis. — Akira tentou segurá-la com seu único braço, mas o cansaço em seu corpo também gritava.

— Eu estou bem. — Incis respirou fundo. — Não precisa se preocupar comigo Akira. Acabou, eles já a derrotaram-na.

Incis olhou de forma gentil para as pupilas negras de Akira, as olheiras cinzentas e o sangue seco sob o rosto da pobre espadachim fizeram ela se acalmar um pouco por um segundo.

Apesar de não ser capaz de fazer nada perante toda a situação Incis soube que nesse momento estavam todos juntos, todos eles lutando pelo mesmo objetivo e essa união foi o que fez as memórias de seu passado cruel se esvaírem no mesmo instante.

“Esses traumas, essas dores, nada disso importa uma vez que esteja no passado. Só me resta aprender com tudo isso e entender que apesar de tudo, ainda estamos de pés protegendo uns aos outros. Acho que essa era a ideia que Jack quis passar agindo daquela forma tão agressiva durante essa luta.”, pensamentos longínquos fluindo pelas lacunas da consciência de Incis semelhante a suave brisa de verão.

Ainda tremendo um pouco ela passou seu braço por trás de Akira e o envolveu no torso dela de forma gentil antes de olhar profundamente em seus olhos dizendo: — Está tudo bem, nós vencemos.

Foi então que de forma abrupta.

Ploft!

Um som nojento, o sangue sendo expelido pelo ar.

— AAAAARGH!

Um grito de pura dor e agonia saiu da garganta de Renard quando o tentáculo gigante em seu braço eclodiu no mais puro carmesim.

Vários fios prateados foram as alturas rasgando a carne escarlate do tentáculo de Renard no processo pra no fim... a assassina do império Melize Hozarik emergir do estômago da Ultimessiah banhada por sangue, os cabelos negros molhados pelo mais puro carmesim, o corpo esbelto curvado para trás e por fim seu rosto pálido tingido pelo vermelho enquanto erguido para o alto não expressando nada.

Diante de tudo isso Jack foi o que teve o pensamento mais divergente.

“Uma borboleta negra emergindo de seu casulo, sendo banhada pelo ar da vida.”, foi o que os olhos dele visualizaram.

Belo e nojento, fabuloso e grotesco, lindo e trágico.