Trauma Longínquo
Capítulo 86: Amadurecer?
[Jack Hartseer]
O longo cabelo negro, a pele pálida e o físico levemente memorável, eu conhecia essa mulher mais do que ninguém. Nenhum de nós diria que essa não era a Incis.
O corpo dela surgiu deitado sob o símbolo sujo de sangue no chão assim como aconteceu com Zakio também.
Antes de mais nada eu olhei para a face impressionada de Akira que até agora estava adormecida em meus braços. — A-Akira, você não deveria estar dormindo?
— Capitã Incis! — Gritou ela em entusiasmo e me ignorando completamente.
Quem se aproximou primeiro de Incis foi Zakio que correu até o pequeno templo no centro da sala pra no fim se ajoelhar perto dela de forma preocupada.
— Incis, Incis me responda!
Com uma voz impaciente Zakio tentou reanima-la enquanto eu corri para ajudá-lo.
Quando finalmente pude recostar Akira em um dos pilares que sustentavam o pequeno teto acima de nós pude ver nitidamente o rosto desacordado da mulher que salvou a minha vida semanas atrás.
“Ela tem algumas feridas também, tem muito sangue por toda parte.”, rangendo os dentes eu olhei para Zakio que apenas acenou sua cabeça pra mim antes de me responder de forma tensa.
— Ela está viva, aparentemente só vai ficar desacordada por causa da quantidade de energia Aether que esse teletransporte fez seu organismo absorver.
— Hm. — Suspirei em alívio levando a mão a minha testa suada.
Akira sentada no canto se manifestou. — E-Ela realmente está bem capitão Jack?
Zakio irrompeu se sentando perto da cabeça de Incis: — Capitão? Não lembro desse moleque estar com tanta moral assim, enfim, de alguma forma vocês dois nos permitiram completar a provação e por causa disso acho que estamos bem por hora, entretanto ainda falta um de nós nessa sala.
Um de nós... é verdade.
Por um breve segundo a face do companheiro de Zakio piscou em minha mente, Renard o lanceiro, que por ventura também foi a primeira pessoa que vi na minha chegada em Leycrid a algumas semanas atrás.
Puxei o ar pra dentro dos meus pulmões densamente enquanto observava Incis caída sob o círculo mágico, seu cabelo negro esparramado.
Pensativo eu levantei a voz. — O S.I.S disse que todos os sobreviventes seriam teletransportados pra um tal de ponto chave da Dungeon.
As pupilas carmesins de Zakio se dilataram suavemente no que ele se levantou.
— Sim, de acordo com algumas investigações passadas e com minha experiência na exploração de algumas Dungeons como essa eu posso afirmar que esse é o ponto chave. — Ele ergueu sua face séria para mim, sua franja carmesim balançando. — O ponto chave de uma Dungeon nada mais é do que o núcleo de toda a sua estrutura e nele muitas vezes pode haver algum quebra-cabeça ou teletransporte como esse que acabamos de usar, mas o que me intriga aqui é que vocês dois foram mandados direto pra cá enquanto eu e Incis por exemplo ficamos em locais distintos.
Juro que pude ver um pouco de suor descer da testa de Zakio enquanto ele disse isso, ele parecia muito mais preocupado com Incis do que eu ou até mesmo Akira que estava esse tempo todo com o olhar fixado nela sem dizer nada.
Comprimi meus lábios franzindo as sobrancelhas antes de dar um suspiro enquanto meus olhos viajaram os arredores, resolvi explicar tudo de uma vez.
— Nós completamos a minha provação, como eu tinha dito encontrei Akira lá dentro e reunimos forças pra sair de lá. Enfrentamos um monstro chamado Abatharon só que por algum motivo estranho... — Olhei para a palma de minha mão fechando-a de forma incômoda. — sinto que eu já tinha enfrentado aquela coisa antes e ela tinha matado.
O guerreiro ruivo sentado ao lado de Incis permaneceu em um silêncio pensativo após minhas palavras.
Dando as costas pra ele me ajoelhei perto de Akira e comecei a examinar o tecido que amarrei em volta do que sobrou de seu braço esquerdo, assim Zakio respondeu em um tom confuso: — Já havia o enfrentado antes? Então não foi só comigo, pensei que eu já tava ficando doidão de tanto ficar aqui dentro.
— C-Capitão Jack, você tá tapando a minha visão pro belo rosto da capitã Incis. — Akira murmurou tremendo um pouco enquanto eu tentei tirar o pano ao redor de seu braço decapitado.
Zakio continuou com uma voz séria.
— Essa Dungeon não é normal, acho que até mesmo você reparou isso. De uma hora pra outra minhas memórias ficaram embaçadas e eu tive alucinações, até mesmo quando acordei aqui eu vi coisas ao seu redor e tive uma sensação estranha de familiaridade com relação a essas visões.
Meus ombros pesando, a mente cansada com a quantidade massiva de informações.
Com o pano sujo do sangue de Akira em minha mão eu me ergui mantendo-me de costas para Zakio antes de responde-lo: — Visões... perca de memória, a gente precisa sair daqui logo.
“Isso parece estar ficando cada vez mais misterioso, mas que merda, mesmo depois de subir o meu Ranking e recuperar meus pontos de vida ainda sinto meu corpo pesado.”, ponderei olhando Zakio por cima do ombro.
— Pode me passar um pouco daquela poção de cura que disse ter trago, Zakio?
Ele subiu suas pupilas vermelhas até minha face antes de apenas abrir seu inventário e retirar o item de dentro do painel reluzente com uma expressão relutante.
— Aqui, mas não vai usar tudo, moleque. Anda preciso cuidar do meu dedo e temos Incis pra nos preocupar também.
[Vitae Bottle]
[Um líquido com propriedades Vitalis condensadas capaz de prover ao consumidor o Status (Regeneração Vitalis) por 30 segundos.]
— Tudo bem, eu só quero amenizar um pouco a dor dela e também fazer um teste.
Akira totalmente obcecada por Incis que até agora não havia acordado logo fixou seus dois olhos negros na pequenina garrafa com um líquido escarlate em minha mão.
— Essa coisa...
— É pra você Akira, mas toma só um pouco.
Com sua única mão restante ela tremeu um pouco pra poder pegar a garrafa da minha mão e então levou-a aos lábios acinzentados.
Apenas dois goles.
Apenas dois goles e ela me entregou a Vitae Bottle de volta ao engolir completamente o líquido antes de soltar um suspiro.
— Blergh! não tem gosto nenhum.
“Droga, ela está em péssimo estado. E como eu pensei não tem como regenerar membros decapitados com essas poções também.”, murmurei internamente ao devolver o item para Zakio.
— Odeio dizer isso agora, mas vendo você agindo assim nessa situação, — Ele fixou o olhar em meus olhos. — faz parecer que amadureceu pelo menos um pouco.
Meu olhar ficou cético, minha respiração parando por um segundo.
Que besteira, por que diabos logo o Zakio que nunca botou fé em mim me disse isso?
Um Flash rápido de tudo o que eu já havia passado dentro desse lugar de merda passou pela minha mente abruptamente.
“Não sei se eu deveria dizer a ele que subi de Ranking até por que ninguém me perguntou sobre isso também.”, me afundei em pensamentos.
— Heh! Você tinha que ter visto, capitão Zakio, o capitão Jack usando suas Adagas fo-foi simplesmente maneiro dema-ugh! — A voz de Akira foi contida pelo seu leve gemido de dor, seu cabelo curto e escuro balançou.
O guerreiro ruivo com uma cicatriz em cima do nariz levou a mão até o queixo com toda a sua atenção sob mim.
— Interessante, eu nunca pensei que você usaria aquele presentinho que Incis lhe deu. Hmph! No fim os Lost sempre estão rodeados de conflitos onde a violência é a única resposta.
Minhas pupilas escuras voltando toda a sua atenção na mulher de cabelos negros caída no chão.
Incis, acorda logo porra!
Meus dentes rangendo sutilmente, os punhos fechados em ansiedade fazendo meu estômago embrulhar.
Zakio acabou por me lembrar disso, do fato desagradável de que eu era como um intruso nesse mundo aquele que é chamado de Lost, alguém sem um lugar ou destino definido sempre envolto em mistérios.
“Acho ele tem razão. Desde que cheguei aqui eu só vejo violência e tragédias me cercando, se esse mundo já era tão sombrio antes os Lost podem estar fazendo tudo cair em uma perdição completa pra valer.”
Minhas unhas quase se enterrando dentro dos meus punhos no que minha mente se tornara cada vez mais perturbada.
“Preciso voltar pra casa antes que mais pessoas se machuquem, antes que eu tenha que me machucar mais. Eu não quero ver mais isso, não quero mais sentir, já tive o suficiente.”, meus dentes se afundando em meu lábio.
Foi então que lentamente... pouco a pouco... as duas pupilas douradas de Incis foram reveladas pelas suas pálpebras se abrindo gentilmente.
— P-Pessoal?
A voz dela cansada e confusa soou como música não só para os meus ouvidos como pros de Zakio e Akira também.
Um peso sumiu dos meus ombros, um suspiro de alívio em conjunto a um sorriso sutil em minha face.
[A entrada principal para o Boss da Dungeon foi liberada.]
O texto reluzente refletindo nos meus olhos apenas serviu como mais um lembrete de que as coisas ainda não haviam se resolvido e provavelmente estavam longe de se resolver.